domingo, 23 de junho de 2013

Escolas precárias (dois textos sobre o mesmo tema)

O Estado de S.Paulo
Não haverá milagre que faça a educação brasileira dar o salto necessário para colocar o País entre os mais desenvolvidos do mundo se não forem superados os entraves básicos, a começar pela infraestrutura das escolas.
O retrato de décadas de descaso, em que a construção de boas escolas não passou de mera promessa em sucessivas campanhas eleitorais, está num levantamento divulgado pelo movimento Todos pela Educação, segundo o qual 44,5% dessas unidades dispõem somente do mínimo para seu funcionamento, isto é, água, banheiro, energia, esgoto e cozinha. Não têm biblioteca, quadra de esportes e laboratório, itens considerados necessários para que o aprendizado se desenvolva de modo satisfatório. Apenas 0,6% dos estabelecimentos pesquisados têm estrutura completa. É um quadro desalentador.
A pesquisa tomou como base o Censo Escolar de 2011. Naquele ano, estavam em funcionamento quase 195 mil escolas, cujos diretores responderam a um questionário a respeito dos recursos disponíveis nos estabelecimentos. A metodologia do estudo levou em conta que nem todas as escolas necessitam de determinados equipamentos ou espaços, como berçário.
Com isso, foi feita uma escala de categorias de infraestrutura que considera as diferentes etapas de aprendizado. A categoria "elementar" é aquela do mínimo necessário. Já na categoria "básica", além de água e esgoto e energia elétrica, incluem-se aparelhos de TV e DVD, computadores, impressoras e sala da diretoria. O nível "adequado" demanda a presença de tudo isso mais acesso à internet, sala de professores, biblioteca e espaços para o desenvolvimento motor e o convívio social dos alunos.
No último nível, o das escolas "avançadas", aparecem também laboratório de ciências e estrutura para atender alunos com necessidades especiais. Para os pesquisadores, esse é o cenário considerado "mais próximo do ideal" - e que é quase inexistente na rede educacional do País.
O mérito dessa pesquisa é mostrar que a precariedade das escolas, tanto públicas quanto privadas, é um problema generalizado. Girlene Ribeiro de Jesus, da Universidade de Brasília, que participou do trabalho, disse que, por mais que esperassem resultados ruins, os pesquisadores se chocaram com a quantidade de escolas classificadas no nível "elementar".
As diferenças regionais são ainda mais graves. Na Região Norte, 71% das 24 mil escolas têm infraestrutura apenas "elementar". No Nordeste, o porcentual é de 65,1%, enquanto no Sudeste é de 22,7%, no Sul é de 19,8% e no Centro-Oeste, de 17,6%. Mesmo nas regiões mais avançadas, a maioria das escolas encontra-se no nível "básico". No Sudeste, apenas 19,8% são consideradas "adequadas".
Há também diferenças significativas quando se analisam as redes federal, estadual e municipal. No nível federal, a maioria das escolas (62,5%) são "adequadas" ou "avançadas". Já a maioria das escolas estaduais (51,3%) está na categoria "elementar", enquanto 62,8% das escolas municipais encontram-se nas categorias "elementar" e "básica". É na esfera municipal, aliás, que o problema parece mais acentuado, pois é nessa rede que se concentram quase 100% das escolas que estão mais próximas do piso da categoria "elementar".
O estudo também confirma a percepção de que a precariedade estrutural das escolas é um problema bem mais acentuado no campo do que na cidade. Das escolas da zona rural, 85,2% estão no nível "elementar", ante 18,3% nas áreas urbanas. Mesmo as escolas particulares - muitas das quais são apenas caça-níqueis espalhados pelo País - apresentam graves problemas. Nada menos que 72,3% desses estabelecimentos têm infraestrutura apenas "elementar" ou "básica".
No momento em que se discute qual porcentual do PIB deve ser destinado à educação, é importante ter em conta quais são as reais prioridades para que se alcance a tão almejada revolução educacional - e é evidente que as condições materiais das escolas desempenham nela um papel crucial.





Escolas precárias

23 de junho de 2013 | 2h 17      texto do papel pagina 3 Estadão 23 de junho

O Estado de S.Paulo
A situação do sistema escolar brasileiro é uma demonstração de que as coisas sempre podem ser ainda piores do que imaginamos. Às notórias deficiências do ensino é preciso acrescentar, como mostra reportagem do Estado (17/6), as instalações precárias de um grande número de escolas - se é que elas merecem esse nome - em que estudam centenas de milhares de alunos em todo o País. Esses são portanto duplamente prejudicados. E, a julgar pelo pouco empenho das autoridades em encontrar solução para tais escolas, seus alunos provavelmente assim continuarão por muito tempo.
Existem 10.838 escolas que funcionam em locais inadequados, de acordo com o Censo Escolar de 2011 - em barracões, paióis, galpões, igrejas e casas de professores. A maior parte está no Maranhão (23,3%), Bahia (12,93%), Pará (12,67%), Minas Gerais (7,35%) e Pernambuco (4,64%). No total, estudam nessas escolas 756 mil alunos. Mesmo em São Paulo, há 26 mil alunos em escolas provisórias. Esses são apenas os casos mais graves.
Outros dados preocupantes, para não dizer alarmantes, foram levantados por pesquisadores das universidades federais de Brasília (UnB) e de Santa Catarina (UFSC). Apenas 0,6% - uma porcentagem irrisória - das unidades de ensino funcionam em prédios que podem ser considerados completos, com biblioteca, laboratório, quadra esportiva e condições de acessibilidade. E 44% das escolas não vão além do mínimo - água encanada, energia elétrica, cozinha, sanitário e esgoto.
Não há dúvida de que as condições precárias dessas escolas afetam o desempenho do aluno, segundo o professor Joaquim Soares Neto, da UnB. Seu grupo está apenas tentando determinar agora, com a maior precisão possível, qual é esse impacto. Outro especialista na questão, o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, insiste que, além de professores com boa formação e bem remunerados, uma escola precisa de instalações físicas e equipamentos adequados para promover a aprendizagem de seus alunos. Embora essas sejam, como se vê, necessidades evidentes, a má situação em que se encontra a maioria das escolas brasileiras mostra que o poder público em todos os seus níveis - União, Estados e municípios - ainda reluta em fazer tudo o que deve para resolver o problema.
O Ministério da Educação dispõe este ano de recursos da ordem de R$ 1,6 bilhão para obras de infraestrutura escolar, ao qual Estados e municípios podem ter acesso. Já foram aprovados 766 projetos de construção, reforma ou ampliação de escolas em 23 Estados. Há mais R$ 1,9 bilhão para creches e pré-escolas.
Tendo em vista a péssima situação em que se encontra a rede escolar, sua ampliação e recuperação exigirá investimentos bem maiores do que esses, e durante vários anos. E a experiência mostra que, sem uma forte determinação do poder público, não se resolverá tão cedo o problema, por mais que todos reconheçam a importância da melhoria da educação para o futuro do País.
O exemplo de São Paulo é ilustrativo. Embora seja o Estado mais risco, até agora ele não conseguiu resolver definitivamente o problema das chamadas "escolas de lata", construídas em caráter provisório na década de 1980 com material inapropriado para essa finalidade, muito quentes no verão e muito frias no inverno e sempre barulhentas em todas as estações. Apesar das muitas promessas de acabar com elas, feitas por todos os governos que se sucederam desde então, restam ainda 77 das 150 construídas.
Também a Prefeitura da capital deixa evidente a dificuldade de solução do problema das escolas precárias. Uma escola construída no Jardim Santo André, na zona leste, há mais de 20 anos, com paredes de madeira e salas mal ventiladas, submete seus alunos do 1.º ao 5.º ano a condições totalmente inadequadas. A construção de uma de alvenaria para substituí-la está atrasada.
Embora ela seja decisiva, não será nada fácil vencer essa batalha.

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