sexta-feira, 31 de maio de 2013

A China retorna ao pódio - JOÃO MELLÃO NETO


O Estado de S.Paulo - 31/05

Na antiga China, uma mulher desolada praguejava contra seu infeliz destino. "Por que chora?", perguntou-lhe um viajante.

"Ah, senhor, é o malvado do tigre. Ele devorou meu pai, meus irmãos e em breve vai voltar para me devorar"

"E por que a senhora não se muda para a cidade?"

"E eu sou louca? Lá existe o governo!"

Através do século 20 a História provou que ela tinha razão. Durante esse período o tigre, embora assumindo numerosas caras, manteve sua natureza: foi sempre voraz e impiedoso.

Em 1949, quando Mao Tsé-tung assumiu o poder, houve quem acreditasse que uma nova e gloriosa era se iniciava na China. Havia ao menos uma promessa dúbia dos novos governantes: o comunismo, que eles estavam em via de implantar, seria, finalmente, o fim da "exploração do homem pelo homem". Logo ficou evidente que era isso mesmo. Apenas se cuidou de inverter os termos da equação. Ou seja, na nova fórmula, o homem continuou a explorar o homem e quanto ao tigre, ficou ainda mais voraz que antes.

Num relato histórico sucinto, primeiro se providenciou a execução em massa dos simpatizantes e colaboradores do antigo regime. Depois, uma a uma, sucessivamente, surgiram as palavras de ordem da nova China. Foi aí que o novo tigre arreganhou os dentes e mostrou a que veio. Segundo Mao, a China só se poderia tornar uma nação civilizada se promovesse uma industrialização acelerada e coletivizasse o campo. Para alcançar a primeira meta, chamada de "O Grande Salto Adiante", ele conclamou cada chinês a deixar a agricultura em segundo plano e passar a produzir aço em seu quintal. Ora, aço não se produz assim, de maneira artesanal. Entre 1958 e 1960 a China, além de não lograr produzir aço algum, passou por uma grande fome, já que os braços disponíveis para a lavoura estavam todos ocupados na "siderurgia". Foi necessário que de 20 milhões a 30 milhões de pessoas morressem de fome para que os dirigentes chineses admitissem que haviam errado.

Embora nada fosse divulgado, Mao viveu um período de ostracismo imposto pela cúpula do PC chinês. Mas não tardaria a voltar ao proscênio. Em 1966 insurgiu-se contra as elites do funcionalismo público e os intelectuais, que, segundo ele, conspiravam contra os ideais originais da revolução. Para obter êxito contou com a mobilização da Guarda Vermelha, composta fundamentalmente por adolescentes radicais, em especial estudantes, camponeses e militares. Estavam todos solidamente unidos para enfrentar os que, supostamente, ameaçavam os ideais revolucionários. Como reza uma antiga lição da História, todo mundo está disposto a verter sangue pela pátria desde que não saiba precisamente por quê.

Não há indicações exatas sobre o número de vítimas da Revolução Cultural. Mas entre elas estavam, com certeza, todos os membros das elites estudadas da China. A terra do mandarins, reconhecida em todo o mundo pela excelência de seu funcionalismo público, subitamente deixou a meritocracia de lado. E pagaria alto preço por isso.

De repente não havia mais quem tivesse cultura e capacidade para dirigir a nação. Os poucos que sobreviveram aos campos de reeducação estavam velhos e desgastados demais para fazê-lo. Foi nesse cenário desolador que Deng Xiaoping, uma das vítimas da Revolução Cultural, chegou ao poder, em 1976.

Deng logo tratou de promover uma abertura econômica em grande escala. Ciente dos potenciais da China em relação às demais nações, percebeu que nada poderia ser feito sem que o tigre fosse enjaulado em definitivo. Sua intuição estava certa. Já há mais de dez anos a economia chinesa é a que mais se desenvolve no mundo.

O que muitos ocidentais se perguntam é quando e como a China se tornará uma nação democrática. A resposta mais provável é que isso nunca acontecerá. Os chineses reverenciam sua burocracia sem nenhum tipo de questionamento. Eles sabem que seus altos funcionários públicos só estão onde se encontram porque demonstraram publicamente possuir méritos para tanto. Mostram até certo ceticismo quanto à democracia. Como pode haver um mínimo de previsibilidade em nações cujos governos se alternam, digamos, a cada quatro anos? Outra questão muito frequente se refere à capacitação dos governantes: quem pode garantir que aqueles que discursam melhor são os que melhor administram?

No mais, cabe lembrar que o país tem um passado glorioso e um futuro mais promissor ainda. A monumental Muralha da China teve grande parte de sua construção iniciada dois séculos antes da vinda de Cristo. Sua extensão é de 8.851 km e tem, em média, 7 metros de altura e 7,5 metros de largura.

Quando os chineses decidiram singrar os mares, eles o fizeram com a grandiosidade que sempre os caracterizou. Sob o comando do almirante Zheng He, na dinastia Ming, criaram uma gigantesca esquadra de 300 navios, cada um com 120 metros de comprimento. Suas tripulações, somadas, passavam de 28 mil homens. Para ter um termo de comparação basta recordar que a nau capitânia de Colombo tinha 27 metros e sua tripulação não excedia 40 homens. Considere-se, também, que as expedições chinesas ocorreram quase um século antes das portuguesas e espanholas.

Que ninguém se sinta surpreso com o recente crescimento econômico chinês. O fato é que a China está apenas retomando o papel que sempre lhe coube

Os chineses eram tão ciosos de sua força que o imperador Manchu assim respondeu a uma carta do rei Jorge III da Inglaterra propondo a abertura do comércio entre as duas nações: "Possuímos de tudo. E nenhum valor dou às coisas estranhas ou engenhosas. Nada tenho a fazer com os produtos manufaturados de vosso país. É por isso que recuso o seu pedido". Isso se deu em 1792.

A Inglaterra, então, passou a traficar ópio para os chineses. Algo que o imperador Manchu jamais cogitou de produzir.

Arquivo morto, por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo


Assim como anunciou no início do mandato que desistia de patrocinar reformas pendentes, a presidente Dilma Rousseff tende agora a abrir mão de enfrentar temas complexos no Congresso, a respeito dos quais existam divergências difíceis de serem contornadas pelo governo.
Nessa gaveta já dorme em berço esplêndido o novo marco regulatório da mídia. Devido a interesses divergentes dos meios de comunicação com os quais o Planalto não quer entrar em conflito e à insistência de setores do PT em aproveitar o ensejo para tentar instituir o tal do controle social sobre sagrado direito dos cidadãos ao livre acesso a informações.
Na direção do mesmo escaninho do esquecimento - ainda que temporário - caminham o código de mineração, a proposta de mudanças na cobrança do ICMS e quaisquer outras que representem conflitos de interesses a serem acomodados e, no limite, arbitrados pelo Palácio do Planalto.
Algo que poderia ser visto como tática de sobrevivência em governo de maioria parlamentar apertada, no caso de uma base partidária que em tese domina mais de 80% do Congresso o recuo no enfrentamento de temas importantes traz outras informações: revela incapacidade de construir consensos em torno de assuntos de interesse nacional, impossibilidade de conciliar discordâncias e inaptidão para arbitrar soluções.
Governos, notadamente aqueles com altos índices de aprovação popular, preferem navegar a bordo da segurança da convergência por gravidade. Mas nem sempre isso é possível.
A unanimidade é um conforto, quanto a isso estamos de acordo, não obstante o conhecido fundamento de Nelson Rodrigues a respeito da concordância geral e irrestrita.
Não deixa, entretanto, de render prejuízos: denota tibieza de propósitos, carência de convicções e, sobretudo, atravanca o progresso.
Conta e risco. Se confirmada a candidatura presidencial do senador Aécio Neves, em 2014 será a primeira vez em que o governador Geraldo Alckmin concorrerá (à reeleição) sem a presença de um candidato paulista na disputa para a Presidência. Fator importante - senão determinante - para "puxar" votos na eleição estadual.
Pedra no caminho. A recente explicitação das divergências entre o governador de São Paulo e Afif Domingos - dublê de vice do PSDB e ministro do PT - tem o aval, para não dizer o incentivo, do ex-prefeito Gilberto Kassab.
O pivô é um programa de desburocratização que Afif elaborou para o Estado e fracassou por falta de interesse do governador. O mesmo projeto foi apresentado na semana passada ao prefeito petista Fernando Haddad, que se disporia a tocar o plano.
A ideia é contrapor a ação de Haddad à omissão de Alckmin. Onde entra Kassab, comandante do PSD, partido de Afif? Na condição de sócio-atleta do clube dos inimigos do governador, empenhados em criar dificuldades à sua reeleição.
Direto ao ponto. Não há, como se sabe, consenso no Supremo Tribunal Federal sobre o cabimento dos embargos infringentes que visam a tentar alterar as penas dos condenados que receberam ao menos quatro votos pela absolvição.
Entre os que concordam que sejam aceitos, argumenta-se que não haverá na prática uma reabertura do julgamento, mas apenas a discussão sobre pontos específicos do dissenso. Ademais, não alterariam as condenações, mas o regime de cumprimento das penas.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O ambiente exige respeito - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 30/05

Por que o empresário da construção civil não constroi mais prédios se os juros estão baixos e há estímulo ao comprador? Ele até quer fazer mais, mas é tomado por uma ponta de dúvida: essas regras, essas circunstâncias valem até quando?


"Confiança, o senhor sabe, não se tira das coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia, é o quente da pessoa" (Guimarães Rosa)

Quando estimam o crescimento da economia, os economistas estão, claro, imaginando o futuro. Mas com boa matemática. Vem tudo encadeado. Uma área plantada de tantos hectares, mais um determinado consumo de sementes, deve levar a uma safra de tantas toneladas de grãos. Acrescente-se aí um ganho de produtividade pelo uso de novos equipamentos já encomendados e uma previsão de bons preços internacionais, o que anima o produtor a plantar, e a safra pode acrescentar tantos pontos ao Produto Interno Bruto do próximo ano.

Do mesmo modo, com carros. Estímulos do governo, juros baixos, renda da população, capacidade instalada da indústria mais ganhos esperados com novas fábricas e máquinas - soma-se isso tudo, dá uma determinada produção e consumo de automóveis, o que equivale a tantos pontos do PIB.

Ou a Copa. Observa-se a lista de obras - incluindo estádios, aeroportos, transportes em geral, novos hóteis, telecomunicações, etc - coloca-se no calendário e, pronto, mais um pedaço de PIB. Sabe-se que um avanço determinado na construção civil deve dar um ganho de tanto no PIB.

Mas por que, então, os erros são tão frequentes, para menos e para mais? Primeiro, porque são milhares de hipóteses a serem formuladas, um exercício passível de falhas mesmo com os melhores e maiores computadores. Segundo, porque nem sempre é possível recolher todas as informações necessárias. E terceiro porque, bem, porque estamos lidando com pessoas.

Ok, os juros estão baratos, os preços estão melhorando, vai se colocar mais etanol na gasolina - de modo que está na hora de investir na reforma do canavial e da usina. Será mesmo? - vacila o agricultor lá na sua subjetividade. E se o governo, tocado por pessoas, como se sabe, mudar tudo de novo na política do álcool/açúcar?

O resultado é menos investimento. Segue-se toda a sequência, e dá menos PIB.

Considerem a Copa. Os investimentos em curso já são menores do que os estimados anteriormente porque muita coisa atrasou e muitas outras foram deixadas de lado.

Ou as telecomunicações. Para atender as necessidades da Copa - desde a transmissão dos jogos em HD, com dezenas de câmeras, até os torcedores nos estádios mandando milhares de fotos - é preciso instalar novos equipamentos, entre os quais mais de dez mil torres para celulares. Mas em muitas cidades do país, muita gente ainda acha que essas torres podem dar câncer. Vai daí, menos PIB.

Como se pode perceber, é difícil medir, mas o ambiente, o jeitão da coisa, o grau de confiança das pessoas, onde quer que estejam, determinam o crescimento de um país. Daí as falhas de previsão, que podem ser para mais ou para menos.

Para tomar um exemplo clássico: olhando pela matemática, pelos fundamentos econômicos e pela capacidade de gestão do governo brasileiro, a idéia de construir Brasília, tirar uma cidade do nada e colocá-la no meio do nada, parecia um completo delírio. Mas saiu, sabe-se lá como. Sabe-se, porém, que a força motriz foi o clima de extrema confiança dos anos JK. Pode-se até dizer, hoje, que era uma confiança desmedida, fora de proposito. Mas foi assim que funcionou.

Hoje, parece ser o contrário. As pessoas do governo Dilma estão inconformadas. Com tanto estímulo ao consumo e ao investimento, presenteados pelo governo, como é que o país não cresce? A presidente já chegou a dizer que não estaria satisfeita com crescimento menor que 4,5% anual. Hoje, tenta salvar dois e alguma coisa - e não está fácil.

É o ambiente, o jeitão da coisa, a falta de confiança. Por que o empresário da construção civil não constroi mais prédios se os juros estão baixos e há estímulo ao comprador? Ele até quer fazer mais, mas é tomado por uma ponta de dúvida: essas regras, essas circunstâncias valem até quando?

O investidor privado que precisa construir um porto gostou das novas regras do setor, que favorecem isso. Mas também fica com uma ponta de dúvida: as novas regras prejudicaram o investidor privado que já havia investido em portos públicos. Podem mudar de novo, não é mesmo? E reparem que estamos falando de investimentos de 30 anos.

E o dólar? O governo segurou, puxou até R$ 2,10, deixou cair, está subindo de novo. E os juros? Entraram na propaganda como em queda, mas estão subindo de novo.

Os economistas ressaltam sempre a importância de um ambiente regulatório consistente, claro e seguro. É tudo que não temos. Aí fica muito na dependência de decisões pessoais. E aí ....