segunda-feira, 27 de maio de 2013

Pega na mentira

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Newton Bignotto, professor de Filosofia Política na Universidade Federal de Minas Gerais - Divulgação
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Newton Bignotto, professor de Filosofia Política na Universidade Federal de Minas Gerais
Presidente do Supremo, Joaquim Barbosa soltou o verbo na universidade dias atrás: “Temos partidos de mentirinha. Diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos. E tampouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou ideológica. Querem o poder pelo poder”. E disse alguma mentira?

No paralelo, o estilo “mentirinha” – fábula, farsa, ficção, lorota, tró-ló-ló e afins – pipocou noutras páginas nessa semana: os ruidosos rumores sobre o fim do Bolsa Família, atribuídos por outrem a intriga da oposição; o grampo na conversa do jornalista venezuelano Mario Silva, amigo do finado Hugo Chávez, sobre um possível golpe no país – no fim, o jornalista não negou que a voz fosse sua, mas culpou Mossad e CIA pela “falsificação” do diálogo; a morte do imigrante checheno Ibragim Todashev, suspeito de envolvimento no atentado em Boston, durante interrogatório no FBI – que diz que o suspeito estava armado no bureau. E por aí vão as tantas labirínticas questões da verdade e da mentira na arena política. Nessas curvas, o ceticismo. Afinal, no que dá para acreditar?

“É inegável que uma certa dose de ceticismo combina bem com a vida nas democracias. De fato, estamos mais céticos. E isso não é uma especificidade brasileira. O fenômeno ocorre em várias democracias atuais”, diz Newton Bignotto, professor de filosofia política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Mas se não pudermos acreditar em nada, isso leva ao desespero ou a uma visão apocalíptica da realidade. Desconfiar de tudo e de todos acaba tornando impossível a vida política”, pondera o autor de As Aventuras da Virtude (2010) e Maquiavel (2003). Pós-doutor pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, é um dos organizadores de Dimensões Políticas da Justiça (2013). A seguir, a entrevista.

No Brasil, a política é realmente um jogo com partidos ‘de mentirinha’?
Todos ficamos incomodados com a maneira como os partidos políticos brasileiros se formam e se comportam. Mesmo partidos que já tiveram um perfil ideológico mais nítido, como o PT e o PSDB, hoje parecem ter perdido o eixo e disputam o poder como se não se importassem com a afirmação de suas diferenças. Outros partidos parecem existir somente para disputar eleições e ocupar espaços nas esferas de poder. Mas é preciso tomar cuidado para não trocar a análise da vida política brasileira concreta por aquilo que deveria ser idealmente. Em primeiro lugar, mesmo que semelhantes, há diferenças entre os partidos, as quais impactam na vida de milhões de brasileiros quando são transformadas em políticas públicas. Nesse sentido, não são exatamente “de mentirinha”. Em segundo lugar, é preciso ver que os partidos existentes refletem a sociedade em muitos de seus aspectos. A existência de partidos sem perfil ideológico definido se deve também ao grau de despolitização de franjas importantes da população. Por outro lado, pequenas formações partidárias defendem ferozmente os interesses de grupos particulares. Veja, por exemplo, a resistência de certas formações políticas a temas como o casamento gay. Assim, não podemos falar de acaso, ou de algo anedótico. Essa é a posição de uma parte da população brasileira e alguns partidos refletem isso de forma muito explícita. Talvez esse não seja o melhor dos mundos, mas se quisermos compreender o Brasil, ou mesmo mudá-lo, teremos de olhar para esse tecido político dividido e corrompido. Essa é a matéria da política brasileira e, em alguma medida, podemos dizer, sua verdade. 

Outra ‘mentira’ foi o fim do Bolsa Família. Como uma sociedade pode acreditar em rumores até agora não rastreados?
Boatos fazem parte da vida pública desde a Antiguidade. Na Roma antiga, era comum a pichação de muros com afirmações referentes a personagens importantes da cidade, o que impactava diretamente a vida política. Um rumor é um acontecimento político. Só se espalha porque toca num ponto sensível da sociedade. A questão central não é a veracidade ou a falsidade, mas o impacto que o boato causa na cena pública. E o que ele revela. No fundo, identificar a origem do boato não é tão importante quanto descobrir o que ele esconde. O rumor sobre a suspensão do Bolsa família revela não apenas a importância para grandes parcelas da população, mas as resistências que o programa suscita em alguns atores políticos. O boato provocou um efeito real – o pânico, no caso – e uma disputa em torno de uma prática política e de uma visão da realidade brasileira. 

Hannah Arendt diz que a política envolve, essencialmente, a produção e a dispersão de narrativas ‘convincentes’.  Mentir está na essência da política?

Arendt não quer dizer que a mentira “define” a política – isto é, sua essência –, e sim que a disputa entre verdadeiro e falso na arena pública não é um problema de lógica. Concerne aos fatos, mas também à percepção desses fatos. Por isso, a política é o terreno onde competem narrativas. A realidade não desaparece pelo simples fato de que construímos discursos sobre ela. Criar um discurso é uma maneira de interferir no real. O uso intensivo da propaganda pelos regimes totalitários mostra isso perfeitamente. Por isso, a defesa de um regime de liberdades não pode ser apenas uma defesa da coerência lógica de seus princípios. É preciso partir desse ponto para propor a um país uma narrativa sobre sua história e seus desafios capaz de sustentar uma escolha pela liberdade. A verdade é matéria para uma luta de natureza política. A mentira não vai desaparecer da cena pública por ser eticamente condenável. Terá de ser combatida. Esse combate se dá com as mesmas armas que nos levam a construir discursos que queremos verdadeiros sobre nosso tempo. 

Immanuel Kant também se debruçou sobre a mentira. As ideias do filósofo ainda valem para os dias atuais?
No texto Sobre um Pretenso Direito de Mentir por Amor à Humanidade, Kant investiga se há casos nos quais podemos mentir por razões “humanitárias”. Sem entrar nos detalhes, podemos dizer que o filósofo nega que se possa mentir e continuar fiel a seus princípios e à razão. Dizer a verdade é uma obrigação moral absoluta, que não pode ser quebrada. Essa posição radical contra toda forma de mentira foi muito influente em seu tempo e continua a ser discutida por pensadores atuais. 

O sr. é um estudioso de Maquiavel. Que ideias o italiano traz sobre a ‘verdade’? 
Maquiavel se preocupa em fundar um saber sobre a política na “verdade efetiva das coisas”. Assim se distancia de toda filosofia política que quer pensar o real a partir de modelos abstratos – que pretendem nos ensinar a viver, mas são incapazes de dizer como vivemos de fato. Essa guinada realista não o conduziu, no entanto, a acreditar que haja uma verdade na política que possa ser expressa de forma absoluta. O problema é que, no cenário da política, não podemos nos guiar por ideais irrealizáveis, por “utopias” diríamos hoje. Isso pode nos conduzir a simplesmente destruir as bases sobre as quais se funda um poder. Ao mesmo tempo, é preciso notar que o real é composto por vários elementos, entre os quais o simbólico e o imaginário ocupam lugares de destaque. Por isso, a política é tão fascinante e tão difícil de entender. Para além da posição realista, Maquiavel nos legou uma compreensão da complexidade da cena pública, que pode ser um bom remédio para os dogmatismos e as ideologias totalitárias. 

Os bastidores venezuelanos também marcaram a semana. Teorias da conspiração entram no jogo político? 
Essas teorias são parte da realidade política, porque constroem um discurso que se pretende verdadeiro. Assim fazem ao sugerir explicações que parecem mais profundas do que as que muitas vezes podem ser formuladas por cientistas sociais, filósofos ou jornalistas. Operam calcadas na ideia de que toda realidade pode ser explicada por uma lógica que apenas alguns são capazes de conhecer. Teorias da conspiração não são propriamente teorias políticas, mas seu uso no combate político é muito real. O essencial é que, ao veicular a ideia de que há uma causa escondida para tudo, essas teorias negam que ações políticas sejam frutos da liberdade dos homens e que por isso podem ser contingenciais. Como só alguns conhecem as verdadeiras articulações do real, apenas eles podem reivindicar o poder.  

Na política americana, o FBI deu ‘frágeis’ justificativas para a morte de um suspeito. 
Não tenho como saber o que aconteceu nos Estados Unidos, mas é possível observar que a morte do suspeito desencadeou uma disputa sobre seu significado que só é possível numa sociedade democrática. Se essa disputa caminhar é um sinal de que as instituições ainda garantem os valores essenciais da república. Se forem varridas para debaixo do tapete é um sinal de que não se trata apenas de um problema de credibilidade, mas de garantias constitucionais. E isso pode ser muito grave.  

Como diz o filósofo Oswaldo Porchat, ainda é preciso ser cético?
Porchat deu uma grande contribuição para a filosofia, com sua visão renovada do ceticismo. Em sua versão antiga, o ceticismo põe em dúvida a possibilidade de que proposições possam conter toda a verdade sobre uma coisa. Assim, elimina a ideia de que o papel da filosofia é explicitar a verdade em todas suas formas. Muitos céticos insistem não apenas sobre o fato de que o ceticismo introduz um elemento importante para a compreensão das ciências como processo de busca da verdade, mas altera nossa forma de olhar o cotidiano. Uma das consequências pode ser o afastamento da vida pública e o desenvolvimento de uma certa apatia, que seria adequada às sociedades atuais. É possível, no entanto, pensar o ceticismo como uma vacina contra todas as formas de dogmatismo. Nesse caso, continuamos a participar da vida pública sem, no entanto, acreditar deter a verdade sobre elas. Valores como tolerância e respeito às diferenças passam a nos orientar em um mundo no qual não é possível ter certezas absolutas. Talvez não possamos falar propriamente de uma filosofia política cética, mas é inegável que uma certa dose de ceticismo combine bem com a vida nas democracias. De fato, estamos mais céticos. E isso não é uma especificidade brasileira. O fenômeno ocorre em várias democracias atuais.

Com instituições tão abaladas, como uma sociedade resiste e não se desmantela? Quer dizer, em que ou em quem se pode confiar? 
Realizamos no Centro de Referência do Interesse Público (Crip-UFMG) pesquisas de opinião sobre a corrupção. Ali constatamos que a população pensa que as instituições políticas são corrompidas, mas é possível confiar em amigos e familiares. Isso mostra que há uma certa consciência da população brasileira de que a corrupção é um fenômeno importante de nossas vidas, mas não é absoluto. De fato, se não pudermos acreditar em nada, isso leva ao desespero ou a uma visão apocalíptica da realidade. Para vivermos em uma república, é preciso algum grau de confiança nas pessoas e mesmo nas instituições. Por isso, a corrupção é tão ameaçadora para um Estado de Direito. Desconfiar de tudo e de todos acaba tornando impossível a vida política, no lugar de propor um entendimento correto do que se passa e de como lutar contra as ameaças muito reais que corroem nossas vidas em comum.  

É possível manter relações sociais sem mentiras? Tipo ‘supersinceridade’?
É diferente ao se tratar da vida privada ou da vida pública. Não que a sinceridade não seja um valor nas duas esferas. Mas não pode ser vivida da mesma maneira em uma relação amorosa e em uma relação política. Na dimensão particular, é preciso lembrar que o desejo de ser absolutamente sincero e transparente esbarra no fato de que nem sempre somos transparentes para nós mesmos. Ora, na esfera pública, nem sempre a transparência é o melhor caminho para se preservar outros valores como a liberdade individual ou o direito à privacidade. Transformar a sinceridade em valor absoluto pode acabar comprometendo a sobrevivência das instituições democráticas. Ser totalmente “sincero”, por exemplo, sobre os meios de defesa de um país pode colocá-lo em risco diante de seus inimigos. Se tudo tiver de ser transparente, acaba a separação entre vida privada e vida pública e, como já mostrou Arendt, acaba também a política como expressão da liberdade. 

E rompantes de franqueza, como mostrou o ministro Joaquim Barbosa, são levados a sério? No fim, que bem faz a verdade? 

As palavras do ministro devem ser levadas a sério não por indicarem uma crise passageira entre os poderes da república brasileira, mas por mostrarem uma dimensão essencial da política contemporânea. Recentemente participei da organização do livro Dimensões Políticas da Justiça. Nele, pesquisadores procuram debater as diversas faces do conturbado relacionamento entre Justiça e política. O eixo desse trabalho é a ideia de que não se pode separar essas duas esferas da vida pública, sob pena de se deixar de lado um aspecto essencial da realidade atual. Talvez o fato mais importante seja a invasão da política pela lógica do Judiciário. Conflitos políticos são tratados como disputas jurídicas e perdem sua especificidade, alterando as regras que os guiam. Assim, quando o Congresso recorre repetidamente ao Judiciário para resolver suas querelas, abre mão de suas regras de embate para adotar aquela de um outro poder. Ora, o que Montesquieu já mostrou é que não buscamos o equilíbrio entre os poderes por uma razão moral, mas porque os poderes tendem a devorar os espaços dos outros. Por isso, precisam ser equilibrados para não levarem à perda do eixo de sustentação da vida republicana. No caso brasileiro, a judicialização da política implica o enfraquecimento do Poder Legislativo. Do outro lado, implica a politização do Poder Judiciário. Esse confronto é revelador de um processo muito mais amplo e profundo – e não apenas o sinal de uma crise envolvendo personalidades do momento.

O que o rumor revela, por Renato Janine Ribeiro*


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No dia 11, multidões foram às lotéricas, apavoradas com a ideia de que ia acabar o Bolsa Família – ou apressadas em receber um extra de Dia das Mães que seria pago apenas naquele dia. Não adiantaram desmentidos das lotéricas. Como isso ocorreu em quase metade dos Estados, fica a pergunta: quanto pode um rumor falso? Como tantas pessoas acreditam numa bobagem dessas, que felizmente não feriu nem matou ninguém?

No Barbeiro de Sevilha, de Rossini, dois velhos tentam impedir o amor dos jovens. Para isso, usam a calúnia. Como ela atua? Ela é uma mentira. Começa baixinho, para apagar suas origens; cresce; forma uma rede, garantindo anonimato; torna-se irrefreável; e elimina “o infeliz caluniado”. Nos boatos do fim de semana, estiveram presentes o anonimato, a torrente e a maldade.

Quem inventou e difundiu o rumor foi antiético. A mentira perturbou vidas. É preciso apurar os fatos. Aparentemente, foi um rumor de ouvir dizer. Não creio que tenha saído pelas redes sociais; se assim fosse, alguém já teria descoberto onde, quando e por quem.

Mas a grande questão é: como circulam ideias, opiniões e mentiras? Foi tudo orquestrado por ligações de celular, para várias cidades, de modo a espalhar o medo? Essa interpretação está perto da teoria da conspiração – o que não significa que esteja errada, porque também paranoicos são perseguidos. Ou o rumor se terá alastrado, espontaneamente, em horas, por dezenas de cidades? A hipótese da conspiração é mais plausível que a da geração espontânea. O caso merece um estudo interdisciplinar. A curto prazo, a polícia precisa intervir, com o objetivo principal, mas não único, de punir. A médio, a academia deve interpretar, com o objetivo de compreender a comunicação informal em nossos dias.

Há uma diferença. A polícia vai apurar como criminosos enganaram suas vítimas. Só que a grande pergunta, que cabe à academia, é: como pode alguém ser vítima de um conto tão mal contado? Como se dá crédito a rumores absurdos? Alguém em sã consciência pode crer que, sem aviso pelos meios de comunicação, sem nada nos jornais ou blogs, o governo cortaria um benefício social para – esse é o lado cômico da coisa – pagar a recepção ao papa Francisco? O crédulo precisa ignorar totalmente como funcionam a sociedade, o Estado, para cair nessa.

Temos uma democracia, um Estado de Direito. Se a Presidência pudesse suspender o Bolsa Família de repente, ou desse poucas horas para sacar o bônus de Dia das Mães, nosso regime seria despótico, não democrático. Acreditar nesse tipo de rumor é não saber o que é a democracia. E crer nessas bobagens não é distintivo de pessoas incultas. Quanta gente não reproduz notas dos sites de humor levando-as a sério?

Um ex-candidato a presidente, antigo e culto comunista, assim acreditou na nota do G17 segundo o qual Dilma teria mandado escrever “Lula seja louvado” nas cédulas de real. Ele não percebeu que a presidente não pode fazer isso legalmente, nem que ela jamais o faria. Possuído pela paixão, acreditou. Ou vejam, na internet, a imagem do fazendão do filho de Lula – fazendão esse que, na verdade, é a sede da Esalq, a escola de agronomia que é um dos orgulhos da USP e do Brasil. Um conhecido postou a denúncia da tal fazenda no Facebook; alertei-o de seu erro. Respondeu-me: quero uma certidão negativa. Queria ele que o diretor da escola de agricultura o desse? O episódio só ilustra a ignorância convertida em sem-vergonhice: a pessoa descobre que errou, mas, em vez de se desculpar ou retratar, ou de se envergonhar, reitera. Transforma o erro em mentira. Há até quem diga: com tudo o que acontece no Brasil, seria possível.

Por que, então, a recepção do absurdo? À primeira vista, ela se explicaria pela ignorância dos desinformados. Quem sabe, por serem carentes, os beneficiários do Bolsa Família seriam mais crédulos, só conhecendo do Estado a dimensão assistencial? Mas pessoas supostamente educadas também veiculam absurdos. Será essa uma fragilidade de nossa democracia? Um ponto fraco de nossa educação política?

Tenho insistido em que nossa democracia é mais forte no plano das instituições que no da crença nela depositada. Temos eleições limpas como nunca antes. As campanhas são razoáveis, embora não perfeitas. Mas candidatos e mesmo eleitores demonizam o adversário, o que lhes dá nota zero em sociabilidade democrática, porque o bê-á-bá da democracia é que disputamos com adversários, não com inimigos. Inimigos, na guerra, nós matamos. Com adversários, na paz, disputamos. É diferente. Mas não é assim que a democracia tem sido vivida, aqui, pelos seres de carne e osso que elegem e são eleitos. Se usarmos conceitos de Montesquieu, eu diria que a natureza da democracia, seu conceito, sua descrição, sua instituição, vão bem, obrigado, no Brasil; mas o princípio dela, a paixão que os cidadãos sentem por ela, o movimento que lhe confere vida, isso é bem fraco entre nós. Dar fé a rumores estúpidos faz parte dessa fragilidade democrática. Podemos extrair daí uma lição: é preciso educação política em democracia. Na política, a razão funciona melhor que esse mau pensamento mágico, que acredita que decisões de governo são atos de prestidigitação, em que por um passe de magia se dá sumiço a uma bolsa ou se cria um bônus dela, como se numa sociedade complexa as instituições funcionassem baseadas no pó de pirlimpimpim.

*RENATO JANINE RIBEIRO, PROFESSOR TITULAR DE ÉTICA E FILOSOFIA POLÍTICA DA USP, É AUTOR DE A SOCIEDADE CONTRA O SOCIAL – O ALTO CUSTO DA VIDA PÚBLICA NO BRASIL (COMPANHIA DAS LETRAS)

Momentos decisivos para a indústria química, por Arnaldo Jardim



A História mostra que não há desenvolvimento industrial sustentável sem uma forte e consolidada indústria química. E isso é particularmente notável, por exemplo, na Alemanha, Estados Unidos, França e Inglaterra, fabricantes de remédios, tintas, tecidos, alimentos industrializados e tantos outros produtos marcados em nossas memórias. Essa indústria é base de muitos outros setores industriais: cerca de 95% do que é fabricado no Planeta abriga produtos ou substâncias oriundos da indústria química. E movimenta uma extensa cadeia de fornecedores de matérias primas, insumos, serviços de manutenção, máquinas, equipamentos, segurança, transportes etc.
A indústria química brasileira é a sexta maior do mundo, com receita de R$ 300 bilhões anuais foi responsável por 10% do PIB industrial e quase 3% do PIB do país, em 2012; emprega 790 mil trabalhadores qualificados e paga salários 60% acima da média da indústria. A petroquímica brasileira, fortaleceu-se muito nos últimos 10 anos, saindo de uma posição periférica no ranking mundial quando foi criada a Braskem. A empresa, que nem figurava entre as 50 mais importantes, está hoje entre as dez maiores petroquímicas do mundo.
Mas a situação está longe de ser confortável, como demonstraram os debates no seminário “Indústria Química: Uma Agenda para Crescer”, realizado no último dia 21 de maio na Câmara dos Deputados, em Brasília. O evento foi promovido pelas Frentes Parlamentares em Defesa da Infraestrutura Nacional (da qual sou presidente) e em Defesa da Competitividade da Cadeia Produtiva do Setor Químico, Petroquímico e Plástico e organizado pelo jornal Valor Econômico com apoio da Abiquim.
Entre 1991 e 2012, as importações cresceram de 7% para 30% enquanto mais de 500 linhas de produtos foram fechadas. A competitividade depende de fatores como o preço das matérias primas, a infraestrutura logística, inovação e tecnologia, crédito, tributos e câmbio. E da forte concorrência centrada nos países que utilizam o gás como matéria-prima básica, fenômeno que se acentuou nesta década com o advento do gás de xisto nos Estados Unidos, onde a petroquímica renasceu com grande vigor.
A perda de competitividade é notável quando se compara o primeiro lugar mantido pela indústria química brasileira entre os segmentos industriais, de 1992 a 1994 e a quarta colocação para a qual se deslocou, desde 2008. O reflexo espelha-se no crescente déficit na balança comercial do setor, de US$ 20,7 bilhões, em 2010, para US $28,1 bilhões, em 2012, com previsão de alcançar US$ 30 bilhões neste ano.
O pré-sal trará enormes oportunidades por causa da oferta de gás associado à exploração do petróleo. O gás é matéria prima e importante insumo para o setor. É preciso desde já estabelecer incentivos e diferenciais para que apoie a retomada da indústria química nacional.
Em 2011, empresários e trabalhadores se reuniram com o governo federal no Conselho de Competitividade da Indústria Química, criado no âmbito do Programa Brasil Maior. O conselho projeta vendas internas da indústria química de US$ 260 bilhões por ano; oportunidades de investimentos de cerca de US$ 167 bilhões em produção e outros US$ 32 bilhões em pesquisa e desenvolvimento até 2020. Para isso entretanto será necessário um regime especial que prevê a suspensão de pagamentos de IPI, Pis PASEP e Cofins sobre bens e serviços utilizados em investimentos e incentivos à produção e pesquisa com recursos renováveis.
Em abril passado, o governo anunciou para a indústria química a ampliação dos créditos fiscais gerados pelas compras de matérias-primas petroquímicas, como nafta (base da indústria nacional) e de produtos da primeira geração petroquímica, como eteno, propeno etc., formalizada na MP 613/2013 que está sendo analisada em comissão mista da qual faço parte. As representações das indústrias saudaram o gesto como a demonstração inicial do propósito do governo federal de evitar o sucateamento da indústria e de preservar os empregos. Avaliaram as mudanças como ponto de partida que permita elevar a produção do setor industrial a um novo patamar tecnológico.
Agora será necessário ampliar a desoneração tributária, especialmente dos investimentos, e definir um tratamento diferenciado para o gás natural quando insumo industrial. O governo está bem avançado nesse sentido, segundo Heloísa Menezes, secretária do desenvolvimento da produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Aguardamos com muita expectativa o estudo sobre diversificação da indústria química que o BNDES financiará e deverá ser concluído em um ano, para permitir finalmente um planejamento de longo prazo.
 Seria um contrassenso histórico permitir a involução da química brasileira que já teve escolas de formação reconhecidas internacionalmente, tem pesquisa e desenvolvimento de qualidade associados à criação e fortalecimento da Petrobras e liderança mundial na produção de biopolímeros, com o plástico derivado do etanol da cana de açúcar, que aproveita as vantagens comparativas do país na área de matérias primas renováveis.
Com o pré-sal, o Brasil será um dos cinco maiores produtores de petróleo mundiais, situação que permitirá ao Estado mudar paradigmas. Especialmente se estiver preparado para desenvolver uma robusta indústria química que se ocupe intensivamente de pesquisa, inovação, da geração de produtos nobres destinados aos fármacos, intermediários químicos e polímeros modernos. Base para a retomada do vigor da indústria brasileira.
                             
Arnaldo Jardim é Deputado Federal (PPS/SP) e presidente da frente em Defesa da Infraestrutura Nacional