sábado, 18 de maio de 2013

Flagrando a corrupção - ZUENIR VENTURA



O GLOBO - 18/05
Entre as 17 reportagens que se destacaram este ano no 14º Prêmio Imprensa Embratel, duas chamaram a atenção pela forma como produziram provas contra a corrupção, um processo que em geral só é descoberto depois do fato consumado, quando se torna difícil incriminar os culpados e recolher provas materiais de seu envolvimento. Nas duas matérias premiadas, ambas para a televisão, houve o uso de criatividade e tecnologia. A primeira, ganhadora do maior troféu, revelou o que acontecia em um gabinete onde eram fechados contratos com dinheiro público. Durante dois meses o repórter Eduardo Faustini, do "Fantástico", conseguiu fazer-se passar por gestor de compras em um hospital público federal. Convidou empresas que vendem serviços e materiais médicos e, com câmeras escondidas, flagrou como são feitas licitações com cartas marcadas, combinação de suborno e simulações para fugir da fiscalização do governo. A trapaça, mostrada de maneira incontestável, foi justificada por uma das personagens envolvidas, uma mulher apanhada com a mão na massa: "É a ética do mercado." O trabalho de Faustini (com André Luiz Azevedo e Renato Nogueira) recebeu o título de "A cara da corrupção" e impediu que as empresas corruptoras embolsassem na época R$ 250 milhões.

A outra matéria se chama "Madeira chipada" (TV Centro América), que, usando um expediente inédito, descobriu o destino da madeira arrancada ilegalmente de uma área de floresta do tamanho de vinte mil campos de futebol, em União do Sul, no Norte de Mato Grosso. "Nossa equipe instalou chips localizadores em algumas toras nos principais pontos da retirada ilegal." Fez isso cortando um pedaço da casca do tronco, introduzindo o aparelhinho no buraco e colando de novo a casca. O resultado foi que, graças ao rastreamento, o Ibama fechou a serraria que recebeu o produto do roubo e prendeu o gerente em flagrante.

Os demais trabalhos premiados também ajudam a demonstrar como a imprensa está privilegiando a investigação. No Sul, a repórter Letícia Duarte, da "Zero Hora", acompanhou por três anos os passos de um menino para revelar a sucessão de falhas que gesta uma criança de rua. No Rio, os repórteres da Globo News, tendo à frente Rodrigo Carvalho Gomes, percorreram o país acompanhando o dia a dia de juízes ameaçados de morte. No Paraná, o repórter Mauri König e equipe viajaram 5 mil quilômetros em cinco meses para comprovar o desvio de R$ 22 milhões em delegacias fantasmas. Em outro caso, Antônio Gois e uma equipe de dez colegas do GLOBO identificaram no país 82 escolas que, mesmo atendendo alunos de baixíssima renda, conseguiram colocá-los no topo do ranking de aprendizado do MEC.

E há mais uma dezena de exemplos que, por falta de espaço, não são citados.

Capitalismo envergonhado - KÁTIA ABREU



FOLHA DE SP - 18/05

O Estado não pode decidir no lugar do empresário, pois não paga suas contas nem cobre seus prejuízos


Há quem diga que o Brasil pratica uma espécie de capitalismo envergonhado. Aceitamos a economia de mercado, mas não por seus méritos naturais, e, sim, como um mal necessário.

No nosso imaginário cultural, o Estado é mais útil e melhor do que as corporações privadas. O lucro, por sua vez, não é a remuneração do risco e da capacidade de empreender, mas algo que se extrai em virtude de poder ou privilégio.

Afora nossos deficits logísticos e o baixo grau de escolaridade de grande parte da população, essa mentalidade de desconfiança em relação a empresários e produtores explica muito da falta de competitividade de nossa economia.

Afinal, é dela que provem a obsessão por regular os menores detalhes das atividades das empresas.

Boa parte das regulamentações é desnecessária e prejudicial. Os exemplos são tantos que poderíamos nos ocupar deles por anos. Mas vamos falar de um item: a questão da terceirização da mão de obra.

Uma decisão judicial, convertida em norma com efeito de lei, estabeleceu que as empresas só podem contratar trabalhadores terceirizados para suas atividades-meio, nunca para suas atividades-fim. Por quê? Qual a razão? Ninguém explica convincentemente.

Trata-se, na realidade, de uma ingerência injustificada na organização da produção, porque a decisão de contratar mão de obra própria ou terceirizada tem que ser a escolha do empresário.

O Estado não pode decidir no lugar do empresário, pois não paga suas contas nem cobre seus prejuízos.

Como muito bem disse o professor José Pastore em recente artigo, o que se deve cuidar é da proteção de todos os trabalhadores que participam dos processos de terceirização. A eles devem ser assegurados todos os direitos previstos em lei, garantindo-lhes, ainda, um tratamento igualitário àquele dispensado aos empregados próprios, dentro da empresa.

A atividade econômica hoje está sujeita à permanente instabilidade. Os mercados não têm mais fronteiras e é impossível proteger as empresas nacionais não competitivas por todo o tempo.

Se queremos empregar todos os trabalhadores que estão em busca de serviço, assegurando-lhes salários de Primeiro Mundo, temos de ter empresas capazes de competir internacionalmente e de vender em todos os mercados.

Regulamentos bizantinos têm um custo que se transfere aos produtos, tornando-os muito caros para se vender.

Estão no momento, em apreciação no Congresso Nacional, dois projetos que regulamentam a matéria. Em ambos, a terceirização é permitida para qualquer atividade 
da empresa.

Em contrapartida, as propostas procuram garantir que todos os direitos do trabalhador terceirizado sejam assegurados.

Determinam, claramente, que a empresa que contrata a mão de obra terceirizada tem responsabilidade conjunta no que se refere às obrigações trabalhistas dos empregados postos à sua disposição.

E, tão importante quanto tudo isso, os projetos estabelecem exigências de capital e de caução ou seguro para o funcionamento das empresas de terceirização, com o propósito de afastar do mercado as empresas inidôneas.

Essa nova e moderna legislação precisa ser aprovada. As atuais restrições para a utilização de mão de mão terceirizada afetam toda a economia e, em especial, várias cadeias produtivas do agronegócio que fazem uso intensivo de mão de obra, como a laranja, a cana de açúcar, o café, os produtos florestais e até mesmo a mecanização das lavouras de grãos.

A demanda por trabalho nessas atividades é por natureza sazonal e intermitente. Por isso mesmo, não comporta a ideia de manter milhares de empregados de forma permanente. A legislação do trabalho destina-se a proteger o trabalhador e, na terceirização, não há um único direito trabalhista que tenha sido revogado.

O que a lei não pode fazer é fechar os olhos para a realidade do mundo da produção, que muda vertiginosamente.

O que separa o homem das outras criaturas da natureza é sua capacidade de compreender que a realidade não é estática e de se adaptar às mudanças.

Hora de mudar o jogo do crescimento - ROLF KUNTZ



ESTADÃO - 18/05

E se os ventos mudarem? Entre 2003 e 2012, o crescimento econômico da América Latina, e especialmente do Brasil, foi puxado por uma combinação de bons preços de matérias-primas, acumulação de capital físico e aumento da mão de obra ocupada na produção. Também houve ganhos de produtividade, mas sua contribuição para o avanço econômico foi muito menor que o da acumulação de fatores. Depois de uma década brilhante, a região poderá enfrentar condições bem menos favoráveis no mercado global de produtos básicos. Se isso ocorrer, será muito mais difícil manter a prosperidade sem aumentos significativos de eficiência. O alerta apareceu há pouco tempo no blog do mexicano Alejandro Werner, diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Por trás dessa advertência há uma porção de cálculos dos economistas Sebastián Sosa, Evridiki Tsounta e Hye Sun Kim, autores de um estudo sobre a expansão da economia regional nas duas últimas duas décadas. O interesse do trabalho foi essencialmente prático: estimar se o crescimento observado na recente fase de prosperidade será sustentável até 2017. A resposta sugere mudanças importantes na estratégia de crescimento.

Entre 2003 e 2012 a economia da maior parte da América Latina cresceu pouco mais que 4% ao ano. A média de Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Uruguai chegou a 4,4%. Esse crescimento foi decomposto pelos autores do estudo em três parcelas: a acumulação de capital contribuiu com 1,7 ponto, a adição de mão de obra, com 2 e a produtividade total dos fatores, com 0,7. O Brasil cresceu em média 3,3% ao ano durante esse período. Essa expansão resultou da soma de 1,3 ponto do investimento em capital físico, 1,9 da incorporação de trabalhadores e apenas 0,1 de ganho de eficiência. Este último componente, a produtividade total de fatores, corresponde à diferença entre o crescimento econômico observado e as taxas ponderadas de expansão dos fatores capital e trabalho. De forma simplificada: se os fatores de produção adicionados são insuficientes para explicar a expansão do produto interno bruto (PIB), a diferença deve ser atribuível a um aumento da produtividade.

A ideia de resíduo, logo traduzida em termos de progresso técnico, apareceu num estudo de Robert Solow, publicado em 1957, sobre a evolução da economia americana. A partir daí, economistas produziram enorme número de trabalhos para tentar detalhar e tornar mais claro esse conceito de progresso técnico. O ganho geral de produtividade pode estar associado a uma ampla variedade de inovações. Isso inclui, entre outras possibilidades, a invenção e a alteração de equipamentos, as muitas aplicações do conhecimento científico à produção, a formação de capital humano, as mudanças de organização e processo, os ganhos de escala e também a racionalidade da alocação de recursos. Pode-se esperar, de modo geral, uma associação entre os ganhos gerais de produtividade, as taxas de investimento em capital físico e a qualidade das políticas educacionais.

Segundo os autores do novo estudo publicado pelo FMI, os países latino-americanos dificilmente manterão taxas de crescimento parecidas com as da última década sem alterações importantes em suas políticas. Se tentarem prolongar a estratégia recente, o crescimento potencial da região deverá cair entre 2013 e 2017 para a vizinhança de 3,5% ao ano. A mobilização dos principais fatores determinantes do crescimento entre 2003 e 2012 deverá ficar mais difícil nos próximos anos, advertem os três economistas. Haverá menos recursos para investimento em capital fixo se o financiamento estrangeiro se normalizar (isto é, ficar menos favorável) e os preços dos produtos básicos se estabilizarem ou caírem. Além disso, alguns fatores naturais deverão limitar a contribuição da mão de obra para o crescimento econômico: 1) envelhecimento da população; 2) menos espaço para aumento das taxas de participação na força de trabalho, já muito elevadas pelos padrões internacionais; 3) menor possibilidade de elevação das taxas de emprego, depois de anos de redução do desemprego. Enfim, acrescentam os autores, uma contribuição mais forte do capital humano exigirá uma considerável melhora dos padrões educacionais.

O crescimento econômico latino-americano, observou Alejandro Werner, foi favorecido também pela melhora das políticas fiscais e pelo controle da inflação, mantida em níveis razoavelmente baixos por um longo período. Desde os anos 1990, poderia acrescentar o economista, as crises tornaram-se muito menos frequentes e a região passou a depender muito menos da ação de pronto-socorro do FMI. Mas ainda é preciso - dirigentes e técnicos do Fundo têm repetido esse aviso - consolidar os ganhos na área fiscal e aumentar as taxas nacionais de poupança e de investimento, mesmo sem a pretensão de igualar os padrões encontrados nas economias mais dinâmicas da Ásia.

Todas essas advertências valem especialmente para o Brasil, com ou sem avaliações técnicas do FMI. Segundo o estudo, o capital cresceu 4% ao ano entre 2003 e 2012 na média dos seis países incluídos no grupo do Brasil. No Brasil a expansão ficou em 2,7%. A diferença é facilmente explicável pela baixa taxa brasileira de investimento, raramente superior a 18% do PIB. No período, a produtividade total dos fatores aumentou em média 0,7% ao ano nos demais países. No Brasil, 0,1%.

O governo conhece todas essas deficiências. O esforço para mudar a política dos portos é uma de suas raras tentativas sérias para tornar o País mais produtivo. A demagogia educacional, a tolerância à inflação, a timidez nas mudanças tributárias, o abandono da responsabilidade fiscal e a hesitação nas parcerias com o capital privado têm mais que anulado as melhores iniciativas. Seriedade também é fator de produção.