TJ vê corrupção em hotel. Após 16 anos
Funcionários públicos recebiam hóspedes sem cobrar em quartos de luxo de Cananeia que pertenciam ao Estado; 4 foram condenados
12 de maio de 2013 | 2h 01
RODRIGO BURGARELLI, ENVIADO ESPECIAL A CANANEIA - O Estado de S.Paulo
Um hotel de luxo construído pelo governo estadual nos anos 1970, com suítes e piscinas de frente para o mar, está abandonado em Cananeia, no litoral sul. Por trás dessa história, há um caso de corrupção. Durante anos, funcionários públicos receberam hóspedes sem cobrar, usaram notas frias para justificar despesas inexistentes e colocaram um vigia para administrar todo o hotel. Tudo isso foi constatado em 1997, mas só agora, 16 anos depois, o Tribunal de Justiça condenou quatro funcionários estaduais pelos fatos.
Essa é a história do Cananeia Gloria Hotel, batizado dessa forma para lembrar o luxuoso Hotel Glória, no Rio. Ele foi construído durante o governo de Laudo Natel (1971-1975), em uma tentativa de estimular o turismo local, oferecendo um serviço de qualidade. Mesmo abandonado, o luxo do imóvel impressiona. Os amplos tetos de madeira, as duas piscinas de frente para o mar e os quartos totalmente abertos para a bela vista do litoral são exemplos desse requinte. Até hoje, nenhum dos novos hotéis construídos depois dele é tão grande quanto o Glória.
Suas portas, porém, estão fechadas desde que o esquema de corrupção foi denunciado pelo Ministério Público, em 1997. Segundo o órgão, um grupo de seis funcionários estaduais praticaram várias irregularidades. Entre elas está a hospedagem de pessoas que passaram meses gratuitamente no local. Uma auditoria feita à época apontou que a quantidade de diárias gratuitas chegou a exatas 1.132 - ou seja, 3 anos, 1 mês e 7 dias de hospedagem que não renderam nenhum centavo ao Estado.
Frango. Houve também acusações de uso de notas frias para justificar despesas falsas. Uma antiga funcionária do hotel afirmou em depoimento que, dos R$ 1,7 mil em uma nota de gasolina, apenas R$ 360 haviam sido de fato gastos com essa despesa. Em outra ocasião, o hotel comprou 131 kg de frango, 10 kg de contrafilé, 150 kg de batata e 125 kg de tainha - mas o local não servia nem almoço nem jantar, apenas café da manhã. Também era prática comum a emissão de notas para serviços repetidos: só em 1996, notas para jardineiros foram emitidas em todos os meses de março a julho.
Mesmo com tantas evidências, o caso demorou mais de uma década até ser julgado na primeira instância, em Cananeia. Todos os réus foram condenados à perda do cargo e a pagar indenização, com exceção de Augusto Salomon (ex-servidor estadual) e José Sebastião Lázaro Miziara (ex-delegado de turismo), que morreram nesse período. Houve recurso e, em março deste ano, o TJ-SP confirmou a sentença. Nesse período, o Gloria Hotel acabou vendido a investidores locais, mas as portas continuam fechadas e ninguém sabe quando podem voltar a abrir.
Até delegado e juiz saíram sem pagar a pedido do prefeito
Em 1995, magistrado chegou a ocupar a suíte com vista para o mar por seis meses sem desembolsar nada
12 de maio de 2013 | 2h 02
O Estado de S.Paulo
Juízes, promotores, médicos e delegados estão entre os hóspedes que ficaram meses no Cananeia Glória Hotel sem pagar nenhuma diária. Segundo a acusação do Ministério Público Estadual, funcionários públicos de alto escalão que chegavam à cidade ganhavam a estadia de graça a pedido do próprio prefeito à época.
Esse foi o caso de um juiz local, que ficou de abril a setembro de 1995 ocupando uma das 33 suítes com vistas para o mar sem pagar um centavo. Uma promotora, cujas atribuições também incluíam a fiscalização do poder público local, passou seis meses de graça no hotel nesse mesmo ano. Um dos acusados pelas irregularidades, Augusto Salomon, não ocupou apenas um, mas dois quartos em pleno carnaval de 1995, segundo a Promotoria.
O prejuízo causado pelas hospedagens gratuitas foi de ao menos R$ 284 mil - o que, em valores atuais, se aproxima de R$ 1 milhão. Mas o valor total do dano causado ao erário não foi calculado. "Passados 15 anos desde a constatação das irregularidades, seria hoje inviável calcular o exato valor do dano causado. O cálculo retardaria ainda mais o andamento do feito e serviria apenas para que os requeridos se eximissem, com a morte, do pagamento de indenização ao Estado", escreveu a juíza Bárbara Donadio Chinen.
A saída encontrada por ela foi condená-los ao pagamento de multa civil de 50 vezes o valor da última remuneração que receberam como funcionários estaduais na ativa. O Tribunal de Justiça não só manteve a multa como afirmou que o total do prejuízo deve, sim, ser calculado para que os danos ao erário sejam totalmente ressarcidos.
Os advogados dos réus não concordam com a decisão e devem recorrer da sentença. O representante de Fausto Rosseto, servidor estadual que deveria ter fiscalizado os gastos do hotel, afirmou que ele ocupou o cargo por pouco tempo e não se envolveu em irregularidades. O mesmo afirmou o advogado de Guilherme Wendel Magalhães, que era diretor do órgão responsável pelo hotel e alegou que havia outros funcionários encarregados da fiscalização.
A reportagem não conseguiu contato com o advogado do ex-administrador do hotel Vladimir Matheus - que, à Justiça, afirmou que não poderia ser responsabilizado pois era apenas vigia e ocupava o cargo de administração indevidamente - e da ex-servidora Lamara Miranda, que teria se hospedado no hotel durante um feriado. / R. B.