domingo, 5 de maio de 2013

O nó da competitividade - ARLINDO MOURA


O GLOBO - 04/05
O Brasil deverá produzir 183,3 milhões de toneladas de grãos em 2013, o que representa um avanço de 13,1% em relação a 2012. A alta expectativa se deve à previsão de aumento de produção de soja na ordem de 26,3%. Essa é uma boa notícia para a economia brasileira, que precisa recuperar o crescimento do passado recente, mas os ganhos devem ser minimizados pela instabilidade recente na área logística.

A produção de soja foi um dos impulsionadores do PIB na primeira década do século XXI, mas poucas medidas foram tomadas para melhorar a infraestrutura de escoamento. Apesar de a agropecuária enfrentar há décadas as dificuldades logísticas, essas se tornaram mais intensas nos últimos 12 meses. Inicialmente, a legislação que reduziu a jornada de trabalho dos caminhoneiros - responsáveis pelo transporte de 90% da carga - ampliou os já altos custos do setor. Mais recentemente, as dificuldades para o embarque portuário garantiram contornos ainda mais críticos para a produção.

Quem ganha são nossos concorrentes. O prêmio norte-americano para a venda de soja, que sempre foi negativo, passou a ser positivo. Já o brasileiro, que sempre foi positivo, passou a ser negativo. A precariedade rodoviária, a ineficiência das rotas disponíveis para o escoamento e a burocracia portuária explicam o problema. Apesar de o campo brasileiro apresentar a maior produtividade em soja do mundo, os ganhos com a eficiência da produção são perdidos depois que os grãos cruzam a porteira das propriedades rurais. Enquanto são necessários em média US$ 85 para transportar 1 tonelada de soja brasileira, no caso de Rondonópolis para Paranaguá ou Rondonópolis para Santos o custo hoje é superior a US$ 100 por tonelada. Enquanto isso, são necessários apenas US$ 23 nos EUA e US$ 20 na Argentina. A economia do país é quem perde, pois parte dos gastos adicionais são descontados de quem produz. O preço pago aos produtores caiu de R$ 50 para R$ 40 por saca de soja, um quadro que atua contra novos ganhos em eficiência.

O algodão - cuja produtividade brasileira também é a maior do mundo - é outra cultura afetada pela logística. Nossa produtividade é o dobro da indiana, 40% superior à chinesa e 60% superior à norte-americana. Mesmo assim, perdemos mercados por causa do alto custo de escoamento.

O Brasil tem a oportunidade de se tornar o maior exportador de alimentos do mundo, mas as rotas de exportação se concentram em Santos, Paranaguá e São Francisco do Sul, pontos distantes dos centros produtores. Precisamos viabilizar novos corredores do Norte/Nordeste e estabelecer um ambiente de competição entre os diversos terminais. Isso não representa perda para os portos públicos, dado que precisaremos dobrar a infraestrutura portuária até 2020.

O Brasil não pode continuar ostentando a vergonhosa 130ª posição no ranking de eficiência portuária do Fórum Econômico Mundial. Os problemas não se resumem a uma infraestrutura frágil. Enquanto o desembaraço aduaneiro demora em média 2,9 dias em todo o mundo, no Brasil este demanda 5,5. Precisamos dos portos funcionando 24 horas por dia. A ausência dessa prática - de rotina em Xangai, Cingapura ou Roterdã - já causou prejuízos de R$ 346 milhões em 2010 e 2011. Enquanto prolongamos o atraso de décadas em logística, nossa balança comercial é prejudicada e todo o país perde.

Uma dívida de R$ 94 bilhões - FRANCISCO A. FABIANO MENDES ( precatórios)


O GLOBO - 05/05
Mário de Andrade, ao escrever Macunaíma, formulou síntese que ficou famosa: pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são. Acertou em parte, porque os males brasileiros são muitos: falta de segurança, corrupção, pouca eficiência do Poder Público, transporte precário, sonegação, má aplicação dos altos impostos arrancados dos contribuintes. A lista é grande.

Escrevo aqui sobre mais um mal, uma original invenção brasileira: o precatório, palavrinha sinistra que significa o crédito de um particular contra o Poder Público, oriundo de condenação judicial definitiva (transitada em julgado, como falam os processualistas). Já que no Brasil não se aceita que os bens públicos sejam penhorados e leiloados para pagamento dos créditos dos particulares, concebeu-se o precatório. A ideia é interessante e está prevista na Constituição Federal: uma lista de credores do Poder Público, organizada e gerida pelo Poder Judiciário, em que são arrolados os nomes das pessoas físicas ou jurídicas que venceram demandas contra o governo, e que recebem uma espécie de senha (o número do precatório), atestando o dia em que seu precatório foi apresentado ao Judiciário. Organizam-se listas com esses precatórios: a dos idosos e doentes graves, que recebem com prioridade; e duas filas comuns.

À medida que são transferidos recursos financeiros do governo federal, estadual ou municipal ao Poder Judiciário, este expede as ordens de pagamento em favor do dono do precatório. Portanto, quem ganhou um processo contra o Poder Público tem a certeza de que receberá seu dinheiro. Simples, não? Engano seu: complicadíssimo, demorado e enervante. Assim como a jabuticaba, que só existe no Brasil, o precatório é coisa nossa, sendo desconhecida pelos gringos, e serve de escudo para o Poder Público pagar muito pouco do que deve, e nada acontecer ao administrador relapso, que não vira "ficha suja", mesmo se sair do governo sem pagar um só centavo dos precatórios. Convenhamos: isso é um incentivo e tanto ao calote.

O precatório tem inspiração nobre (regularizar o pagamento das dívidas publicas, evitando atrasos e espertezas), mas na prática foi desvirtuado, e hoje a dívida dos precatórios, somando tudo, no Brasil inteiro, é de R$ 94 bilhões. Atente bem: quantias fantásticas de dinheiro são devidas pelos estados e municípios e não são pagas, e fica tudo por isso mesmo. A União Federal é exceção, pois paga suas dívidas, o que não é vantagem, tendo em vista as fortunas colossais que arrecada em impostos. Outra exceção é o governador Sérgio Cabral (RJ), que vem, com habilidade, consertando os desmandos financeiros dos governos diminutivos que o antecederam e, de forma consistente, tem transferido ao Poder Judiciário, ano a ano, valores elevados. Muito falta a ser pago, mas ao menos há boa vontade e atuação firme.

Mas essas exceções não obscurecem - até ressaltam - o fato de que o precatório é um verdadeiro instrumento de tortura, que pune o credor e deixa o administrador público à vontade para nada pagar, sem sequer virar "ficha suja". Primeiro, o cidadão ou empresa, prejudicada de algum modo pelo Poder Público, tem que enfrentar um longo processo judicial para ver reconhecido seu direito de crédito. Depois de vencer sua demanda, o credor nada recebe, a não ser um papel (precatório) que, na prática, só lhe dá o direito de aguardar mais alguns anos.

Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas cunhou a frase: "O sertão é uma espera enorme." O mesmo se diga dos titulares dos precatórios: uma espera infinda, dupla (a do processo inicial e mais a do precatório), agravada pela dor de um dia ter sido lesado pelo Poder Público - motivando a demanda inicial - e continuar a ser desrespeitado em sua cidadania, ao esperar um pagamento devido, mas sempre protelado.

Não ouso propor solução para esse problema. Está fora da realidade propor que o precatório seja desinventado e as dívidas públicas sejam pagas nos seus vencimentos, pois isso implicaria mudar as práticas políticas, que resistem com sucesso invariável às tentativas de moralização. Também não adianta constatar, como os romanos já fizeram, que as leis de nada valem, se não existirem os bons costumes.

Cabe tão só deitar luzes sobre o problema e lutar, com os escassos meios de que dispõem os cidadãos, para a construção de um Brasil minimamente razoável. Como disse John Lennon, sou um sonhador, mas não sou o único.

Uma proposta para a maioridade penal - ELIO GASPARI

O GLOBO - 05/05

Pode-se evitar a polarização fixando-se a maioridade penal a partir de segundo crime de adolescente


Vinte e seis estados americanos têm leis conhecidas pelo nome de "Três chances e você está fora" ("Three strikes and you are out"). De uma maneira geral funcionam assim: o delinquente tem direito a dois crimes, quase sempre pequenos. No terceiro, vai para a cadeia com penas que variam de 25 anos de prisão a uma cana perpétua. Se o primeiro crime valeu dez anos, a sociedade não espera pelo segundo. O sistema vale para criminosos que, na dosimetria judiciária, pegariam dois anos no primeiro, mais dois no segundo e, eventualmente, seis meses no terceiro.

Essa versatilidade poderia ser usada no Brasil para quebrar o cadeado em que está presa a sociedade na questão da maioridade penal. Uma pesquisa do Datafolha mostrou que 93% dos paulistanos defendem a redução da maioridade para 16 anos. De outro lado, alguns dos melhores juristas do país condenam a mudança. É verdade que a população reage emocionalmente depois de crimes chocantes, como o do jovem que matou um estudante três dias antes de completar 18 anos, mas essa percentagem nunca ficou abaixo de 80%.

Seria o caso de se criar o mecanismo da "segunda chance". A maioridade penal continuaria nos 18 anos. No primeiro crime, o menor seria tratado como menor. No segundo, receberia a pena dos adultos. Considerando-se que raramente os menores envolvidos em crimes medonhos são estreantes, os casos de moleza seriam poucos. O jovem que matou o estudante Victor Hugo Deppman depois de tomar-lhe o celular já tinha passado pela Fundação Casa por roubo. O menor que queimou viva a dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza também era freguês da polícia. Estariam prontos para a maioridade penal.

MENSALEIROS

É divertido o imaginário jurídico dos mensaleiros.

No mundo desses comissários, os deputados José Genoino e João Paulo Cunha, condenados pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, devem continuar no exercício de seus mandatos, com assento na Comissão de Constituição e Justiça.

Já o ministro Joaquim Barbosa, que não mexeu em dinheiro alheio, deveria ser afastado da função de relator dos recursos que apresentaram à corte.

Tudo de acordo com as leis, regimentos e portarias.

ESTÁDIO HAVELANGE

Tendo renunciado à presidência de honra da Fifa depois da comprovação de que ele e seu ex-genro, Ricardo Teixeira, receberam indevidamente R$ 45 milhões de uma empresa de marketing, João Havelange podia pedir ao prefeito Eduardo Paes que trocasse o nome do estádio do Engenhão.

Isso poderia ser feito discretamente, dizendo-se que o novo nome será o de um atleta, escolhido pela população.

É isso ou fazer com que o Rio da Copa tenha um estádio com o nome de um grande cartola apanhado num lance de corrupção. Persistindo, a homenagem vira urucubaca para Havelange, para a cidade e para o país.

PT EM SÃO PAULO

Pelo andar da carruagem, Lula está estudando as nuvens da sucessão paulista.

Se achar que corre riscos, seu candidato será o ministro da Saúde, Alexandre Padilha.

Se achar que tem força suficiente para ganhar, como a teve elegendo Fernando Haddad para a Prefeitura de São Paulo, o candidato será Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo. Do contrário, poupa-o.

APAGÃO

Em 1964, o Estado chinês mandou o jovem Chen Duqing estudar português. Ele viria para o Brasil, mas a ditadura suspendeu qualquer tipo de relação com Beijing. Chen foi para a colônia portuguesa de Macau e, 43 anos depois, chegou a Brasília como embaixador do seu país, tendo vivido em São Paulo como cônsul. Falava a língua da terra com perfeição.

Jamais um embaixador brasileiro na China conseguiu entender o noticiário da televisão. Em 2008, o Itamaraty não tinha um só diplomata fluente em mandarim. Nem intérpretes qualificados, pois quatro anos antes um tradutor arruinara um discurso do presidente Hu Jintao em Brasília ao confundir "comércio" com "investimento".

A China é hoje a segunda maior economia do mundo e o maior parceiro comercial de Pindorama. Num país onde o governo fala frequentemente em estratégia, esse apagão é inexplicável. No mundo privado, basta perguntar quantos grandes empresários sabem o nome de cinco cidades chinesas ou de cinco políticos vivos.

Quem achar que convém encarar essa lacuna pode unir o útil ao agradável baixando um e-book intitulado "The Rise and Fall of the House of Bo" (Ascensão e Queda da Casa de Bo"), do jornalista australiano John Garnaut.

Com 86 páginas, é um passeio pelo poder da aristocracia dos netos de comunistas e pela vida do andar de cima dos companheiros. Tudo isso com uma narrativa que mistura política, milionários, crime e uma mulher ambiciosa. Ele conta a história de Bo Xilai, o mandarim destronado em 2012 depois que sua mulher, Gu Kailai, matou um espertalhão inglês. Está no site da Livraria Cultura por R$ 5,79.

A FALTA DE SORTE DOS SÁBIOS DA KPMG

Para quem acredita na condição oracular dos sábios das grandes empresas de consultoria e auditagem internacionais, a KPMG trouxe mais uma má notícia. Ela acompanhava as contas do banco Cruzeiro do Sul e não percebeu um buraco de R$ 3,1 bilhões. Trata-se de uma das cinco maiores empresas do setor, operando em 130 países.

Essas companhias geralmente têm dois braços. Um faz análises e o outro examina balanços, dando-lhes credibilidade. Eles não se misturam, mas o oráculo da KPMG opina sobre carga tributária, parcerias público-privadas, produtividade da industria automotiva e grau de corrupção dentro das empresas brasileiras. Quase sempre suas análises são reveladoras. Desde 1996 o braço auditor da KPMG frangou maracutaias nos balanços dos bancos Boavista, Nacional (fraude de R$ 9 bilhões) e Panamericano (R$ 4 bilhões). Neste ano foi a vez do Cruzeiro do Sul, com um rombo de R$ 3,1 bilhões. Por causa da distração, a empresa negociou um acordo com a Comissão de Valores Mobiliários e aceitou pagar uma multa de R$ 1 milhão para encerrar o processo que a Viúva lhe moveria.

Desde a crise financeira americana os oráculos dos consultores estão sob suspeita. Lá a KPMG e outras grandes empresas pagaram multas muito maiores por frangarem maracutaias. No Brasil, todo mundo ganharia se cada previsão macroeconômica dos sábios viesse acompanhada de um registro de seus enganos em macromutretas microeconômicas. Um dos chefes do serviço de fiscalização da KPMG já disse, com razão, que a corrupção em empresas privadas brasileiras come até 5% de suas receitas. Faltou acrescentar a taxa de toxicidade de suas próprias auditorias em bancos quebrados. No caso do Nacional, a KPMG auditava suas contas há duas décadas, e a fraude, quando foi descoberta pelo Banco Central, já tinha dez anos.