domingo, 5 de maio de 2013

Pelo inesperado - MIRIAM LEITÃO



O GLOBO - 05/05

"Fazer previsões num ambiente acadêmico é falta grave. Todo economista bem formado sabe que o futuro é imprevisível", essa é a primeira afirmação perturbadora no livro de André Lara Resende "Os Limites do Possível". Mas não é a única. Outras frases inesperadas saíram no debate em que ele lançou o livro, como a sua pergunta à plateia: "Por que mesmo o Japão precisa crescer?"

Por isso, o livro que André acaba de lançar pela Portfolio Penguin é leitura das mais interessantes. Ele diz que os políticos, empresários e jornalistas esperam dos economistas é que prevejam o futuro, mas eles podem falar apenas das probabilidades. No livro, ele mostra de forma lúcida várias das tendências do mundo atual. André é um economista capaz de escrever frases ou fazer afirmações que não são previsíveis em um economista, como a que disse no debate: "o mal é o egocentrismo, amadurecer é deixar de ser egocêntrico." E assim ele nos convida no livro a olhar o mundo como um todo. "Quase todas as questões do nosso tempo exigem um tratamento supranacional."

Num mundo ainda cheio de paixões nacionais, em que a única experiência de derrubada de fronteiras - monetária, que seja, como a União Europeia - está em crise, essa é outra afirmação perturbadora. Mas verdadeira. A questão climática, por exemplo, é supranacional. E ela entrou definitivamente no escopo do pensamento do economista André Lara Resende. "O risco de atingir os limites físicos do planeta é tão perigoso que ninguém quer correr."

Muita gente quer, na verdade, ou, pior, sequer admite a existência desse problema. Infelizmente, são raros os economistas que, como André, têm a certeza de que estamos diante da perspectiva concreta de bater os limites físicos do planeta e que isso é o maior risco que a humanidade corre neste século.

No debate no Insper, com Eduardo Giannetti da Fonseca e Pedro Malan, uma instigante questão do livro foi analisada, a de que não se pode imaginar que a economia mundial vai continuar crescendo indefinidamente. O problema é que neste momento o que aflige o mundo é o contrário: é o baixo crescimento mundial, desde a crise de 2008.

Sobre a crise é que ele fala, na apresentação do livro, que "fazer previsões no mundo acadêmico é falta grave, porque o futuro é imprevisível". É quando conta que o professor de economia e consultor Nouriel Roubini, em 2006, num debate na Casa das Garças, fez uma ousada previsão: "o sistema financeiro internacional americano entraria em colapso e levaria a economia a uma recessão que atingiria toda a economia mundial."

Roubini recebeu o descrédito aqui, como em outros ambientes, mas estava certo, como se sabe, só que achava que aconteceria no começo de 2007. A crise ficou conhecida como de 2008, mas os primeiros sinais de que havia uma bolha especulativa na economia americana, e que estouraria, levaria o país à recessão e o mundo a reboque, ocorreram em 2007.

André disse no debate - e sustenta no livro - que a crise ainda está em curso e não é apenas mais uma; é a pior desde 1929. "Os custos da depressão foram evitados porque eram graves demais, mas como sair da estagnação após evitar a depressão?"

Ele acha que a economia mundial anda cometendo erros demais ao responder a essa questão e volta à tese de que o crescimento em alguns países nem é um desejo lógico. O Japão começará agora um experimento de mais expansão monetária, que ele acha desnecessário e até perigoso:

- O Japão cresceu muito e está há 17 anos num período de saturação do crescimento, mas a população está diminuindo, é uma sociedade que atingiu um alto grau de progresso tecnológico e social. Não há muitas razões para crescer.

Ele acha que fazer tudo para crescer, com tantos incentivos à demanda, pode acabar criando mais distorções.

O livro de André tem como subtítulo "A economia além da conjuntura". E, de fato, na sua coletânea de artigos publicados em jornais e revistas, textos acadêmicos, ou o que leu ao receber o título de Economista do Ano de 2006, ele levanta questões que estão além do debate limitado da conjuntura. O que não é verdade é a ideia que ele chegou a ter de si, em determinado momento, de ser um ex-economista. André Lara Resende é um economista que vai além dos limites nos quais tantos se confinaram.

O Michelangelo de cada um - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 05/05

Escultura não era algo que me chamava atenção na adolescência, até que um dia tomei conhecimento da célebre resposta que Michelangelo deu a alguém que lhe perguntou como fazia para criar obras tão sublimes como, por exemplo, o Davi. “É simples, basta pegar o martelo e o cinzel e tirar do mármore tudo o que não interessa”. E dessa forma genial ele explicou que escultura é a arte de retirar excessos até que libertemos o que dentro se esconde. 

A partir daí, comecei a dar um valor extraordinário às esculturas, a enxergá-las como o resultado de um trabalho minucioso de libertação. Toda escultura nasceu de uma matéria bruta, até ter sua essência revelada. Uma coisa puxa a outra: o que é um ser humano, senão matéria bruta a ser esculpida? Passamos a vida tentando nos livrar dos excessos que escondem o que temos de mais belo. 

Fico me perguntando quem seria nosso escultor. Uma turma vai reivindicar que é Deus, mas por mais que Ele ande com a reputação em alta, discordo. Tampouco creio que seja pai e mãe, apesar da bela mãozinha que eles dão ao escultor principal: o tempo, claro. Não sou a primeira a declarar isso, mas faço coro. 

Pai e mãe começam o trabalho, mas é o tempo que nos esculpe, e ele não tem pressa alguma em terminar o serviço, até porque sabe que todo ser humano é uma obra inacabada. Se Michelangelo levou três anos para terminar o Davique hoje está exposto em Florença, levamos décadas até chegarmos a um rascunho bem acabado de nós mesmos, que é o máximo que podemos almejar. 

Quando jovens, temos a arrogância de achar que sabemos muito, e, no entanto, é justamente esse “muito” que precisa ser desbastado pelo tempo até que se chegue no cerne, na parte mais central da nossa identidade, naquilo que fundamentalmente nos caracteriza. Amadurecer é passar por esse refinamento, deixando para trás o que for gordura, o que for pastoso, o que for desnecessário, tudo aquilo que pesa e aprisiona, a matéria inútil que impede a visão do essencial, que camufla a nossa verdade. O que o tempo garimpa em nós? 

O verdadeiro sentido da nossa vida. Michelangelo deixou algumas obras aparentemente inconclusas porque sabia que não há um fim para a arte de esculpir, porém em algum momento é preciso dar o trabalho como encerrado. O tempo, escultor de todos nós, age da mesma forma: de uma hora para a outra, dá seu trabalho por encerrado. 

Mas enquanto ele ainda está a nossa serviço, que o ajudemos na tarefa de deixar de lado os nossos excessos de vaidade, de narcisismo, de futilidade. Que finalmente possamos expor o que há de mais precioso em você, em mim, em qualquer pessoa: nosso afeto e generosidade. Essa é a obra-prima de cada um, extraída em meio ao entulho que nos cerca.

Rombo e consumo, por Celso Ming


Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Na semana que passou, a economia brasileira expôs uma nova fragilidade: a das Contas Externas.
Já era, em parte, coisa esperada, mas não nas proporções apresentadas pelos resultados da balança comercial do primeiro quadrimestre. Desta vez, o rombo medido por importações mais altas do que exportações foi de US$ 6,2 bilhões, um recorde para o período - veja o Confira.
Esse desempenho já vinha prejudicado por lançamentos de importações de combustíveis que deveriam ter sido feitos no ano passado e que caíram nestes primeiros meses de 2013. (Aliás, esse diferimento estatístico até agora não foi bem explicado. Aparentemente, fez parte de manobra destinada a enfeitar o balanço da Petrobrás de 2012.)
No entanto, mais cedo ou mais tarde, esse aumento das importações de combustíveis tinha mesmo de ser contabilizado e não muda o essencial: o diagnóstico de que a balança comercial aponta para distorção da mesma natureza da que já vinha sendo mostrada em outras áreas da economia, sobretudo a do forte aumento do consumo não atendido pelo setor produtivo interno.
O déficit comercial deste ano não está sendo provocado somente por importações mais altas, de 10,1% no quadrimestre sobre o primeiro quadrimestre de 2012. Para ele, concorre também a queda das importações, de 3,1% no mesmo período. Um tanto simplificadamente dá para afirmar que, além de provocar mais encomendas ao exterior, o forte consumo interno está comendo produção que normalmente seria exportada.
É um comportamento da economia que contraria os planos do governo Dilma. Para seus economistas, bastava garantir a expansão do consumo para que o setor produtivo fosse atrás, como abelha atraída pelas flores. Mas as coisas estão dando errado. A indústria brasileira, derrubada pelo peso excessivo dos custos e pelo nível alarmante de colesterol da administração pública, não tem conseguido competir com a do resto do mundo, nem lá fora nem mesmo aqui dentro.
Por enquanto, o rombo crescente do comércio exterior do País é suportável. Primeiro, porque os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) vêm compensando a maior parte do déficit. Segundo, porque o Brasil possui hoje reservas externas na casa dos US$ 378 bilhões, que podem ser acionadas caso haja necessidade de cobrir contas externas sem cobertura financeira. E, terceiro, porque este pode ser apenas mau momento, a ser revertido nos próximos meses.
O problema é que as causas do baixo desempenho comercial não estão sendo devidamente atacadas. O governo segue gastando demais, com o que cria renda e consumo. E a saúde da indústria nacional ainda está abalada, o que reforça sua incapacidade de atender à demanda interna e às exportações. Esse quadro negativo começa a ser identificado no exterior e pode prejudicar decisões de investimento e afluxo de moeda estrangeira para a economia.
Lamentavelmente, o governo Dilma não parece convencido de que tem de mudar o atual arranjo de políticas de modo a virar esse resultado medíocre. Falta saber o custo político dessa omissão.