sábado, 20 de abril de 2013

Eliminar os pequenos só atende aos interesses do monopólio de meia dúzia de grandes frigoríficos, por Katia Abreu


Eliminar os pequenos só atende aos interesses do monopólio de meia dúzia de grandes frigoríficos

A ONG Amigos da Terra divulgou pesquisa inédita que se propõe a traçar uma radiografia da carne consumida no país. O relatório denuncia que um terço da carne que chega à mesa do brasileiro não passa por nenhum tipo de inspeção. E contabiliza "quase mil" estabelecimentos que atuam Brasil afora, "sem nenhuma fiscalização efetiva" de órgãos federais.

Problemas existem, é verdade, mas números divulgados pela ONG divergem dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Trimestral do Abate de Animais do IBGE atesta que existem 1.345 abatedouros bovinos em operação no país e diz que apenas 25% da carne que saiu desses estabelecimentos em 2012 passou por inspeção estadual e municipal. Os 75% restantes foram inspecionados pelo governo federal.

Desde que a Constituinte de 1988 descentralizou a fiscalização das condições sanitárias e tecnológicas de matadouros e frigoríficos, Estados e municípios passaram a ter serviços de inspeção. A partir daí, diz a ONG, o objetivo de agilizar e melhorar a fiscalização se perdeu, cedendo lugar ao não cumprimento das regras sanitárias.

A precariedade da inspeção municipal é fato em parte substantiva dos abatedouros, onde veterinários deveriam ter presença efetiva permanente e só aparecem de forma esporádica. O que repudio é a solução proposta publicamente por Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra.

A pretexto de defender a fiscalização federal como única capaz de assegurar carne de qualidade, a ONG desconhece a realidade e ignora os municípios, onde a vida e a produção efetivamente acontecem.

Em defesa da extinção dos pequenos frigoríficos, a Amigos da Terra assegura que, mesmo sem eles, não faltará carne no mercado porque grandes estabelecimentos trabalham abaixo da capacidade.

"Ante um abate de 21 milhões de cabeças nos frigoríficos com inspeção federal, temos uma capacidade instalada estimada pelas empresas do setor em pelo menos 52 milhões de cabeças", diz a ONG.

De acordo com o IBGE, porém, foram abatidos 23,33 milhões de cabeças em 209 frigoríficos inspecionados pelo Ministério da Agricultura em 2012.

Os 713 estabelecimentos pequenos, que criam centenas de empregos no interior, foram responsá- veis por apenas 8% do abate total (2,37 milhões de cabeças), e não por um terço, como sugere pesquisa da ONG.

Em vez de exterminá-los, precisamos instalar nesses frigoríficos as normas higiênicas sanitárias que a inspeção federal preconiza para proteger a saúde do consumidor.

Até hoje, a lei 1.283/1950, que dispõe sobre prévia fiscalização de indústrias que processam produtos de origem animal, não foi regulamentada, fixando regras para todos os níveis. Regulamentaram-se apenas as normas para estabelecimentos sob inspeção federal.

Falar em fechar os pequenos é absurdo inaceitável. Equivale a sugerir a açougues do interior que comprem bovinos vivos de produtores para que sejam abatidos debaixo de árvores, criando uma espécie de rede clandestina de "frigoárvores".

Afinal, não podemos desconhecer que 90% das propriedades rurais brasileiras possuem um rebanho médio de 33 cabeças. Sem escala de produção para completar uma carga de caminhão e levá-la a um grande centro, estes necessitam dos pequenos frigoríficos.

Entendo necessária a criação de normas que sejam obrigatórias para todos os níveis, com apoio técnico e financeiro aos Estados e aos municípios para que estruturem seus serviços a serem monitorados pelo sistema brasileiro de inspeção.

Esse é o caminho que deve ser acompanhado do fortalecimento da Vigilância Sanitária, com a devida fiscalização do comércio e a conscientização da população.

O poder público tem que estar presente nos três níveis da Federação, e os abates clandestinos --estes, sim-- têm que deixar de existir.

Eliminar simplesmente os pequenos é solução que só atende aos interesses do monopólio de meia dúzia de grandes frigoríficos, que vivem no conforto dos empréstimos com dinheiro público e juros subsidiados.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Curando a malária com açúcar



18 de abril de 2013 | 2h 02
Fernando Reinach - O Estado de S.Paulo
Semana que vem vai ter festa em São Francisco. O primeiro lote de artemisinina, produzida com base no açúcar, ficou pronto. Em 2013 serão produzidas 35 toneladas, o suficiente para 100 milhões de doses. A cada ano, 200 milhões de pessoas contraem malária e 650 mil morrem por causa da doença. A artemisinina produzida por esse método tem grande chance de contribuir para erradicar a malária. Como é produzida por microrganismos, usando como matéria-prima o açúcar, e os inventores abriram mão de remuneração sobre a propriedade intelectual, ela é muito barata. Mas não é o único motivo para festejar. O trabalho científico descrevendo em detalhes esse feito tecnológico acabou de ser publicado.

Tudo começou em 2003. Quatro cientistas que trabalhavam na Universidade da Califórnia em Berkeley escolheram um problema socialmente relevante para demonstrar o poder das novas técnicas de biologia sintética que desenvolviam. Escolheram a artemisinina, um dos mais potentes antimaláricos conhecidos. 

Ela foi descoberta em uma planta originária da China, a Artemisia anura, mas nunca foi utilizada em larga escala. Sua síntese por métodos químicos é difícil. Até hoje, a pouca quantidade de artemisinina disponível é extraída da árvore, cultivada em diversos países. O resultado é que a produção é incerta e o custo, alto. O objetivo era transplantar todos os genes necessários para a síntese desse composto para um organismo simples, que produzisse muita artemisinina, usando como alimento um composto muito barato. 

O escolhido foi o Saccharomyces cerevisiae, o fungo usado para produzir a cerveja e o etanol. Esse fungo transforma o açúcar do caldo de cana em etanol. O trabalho consistia em produzir uma variedade desse fungo capaz de tornar açúcar em artemisinina.

Para levar adiante o projeto foi feito um acordo inovador com a Bill e Melinda Gates Foundation. A fundação financiaria o desenvolvimento do projeto, com uma condição: a empresa abriria mão de todos os direitos sobre a propriedade intelectual do produto final, de modo a garantir que o ele chegaria aos pacientes com o menor custo. Em troca, a Bill e Melinda Gates Foundation permitiu que a tecnologia gerada pelo projeto fosse propriedade exclusiva da empresa, que poderia usar o conhecimento para desenvolver produtos comerciais.

Entre 2004 e 2008, a empresa descobriu como a árvore produzia artemisinina, isolou os genes que produziam a molécula e colocou esses genes em uma cepa do fungo. Foram mais de 17 genes isolados, modificados e combinados no novo hospedeiro. Dessa maneira, toda a linha de montagem da molécula de artemisinina foi transferida para o fungo, e ele começou a produzir o ácido artemísico. Em seguida, essa "fábrica" de ácido artemísico, montada no interior de um ser vivo, teve de ser otimizada, garantindo que grande parte do açúcar utilizado fosse convertido em ácido artemísico. 

Por volta de 2008 a cepa estava pronta. Mais de 50 cientistas trabalharam no projeto durante cinco anos, gastaram mais de US$ 30 milhões e o projeto ainda não havia terminado. Um método de produção em escala industrial foi desenvolvido, a purificação do ácido artemísico foi padronizada e uma maneira barata de converter o ácido artemísico em artemisinina acabou descoberta. Esses últimos passos foram feitos em colaboração com uma indústria farmacêutica. No final de 2012 estava tudo terminado. A primeira batelada foi produzida e o trabalho científico descrevendo a tecnologia, publicado. 

Mas a história não acaba aqui. Talvez você já tenha visto diversos ônibus circulando em São Paulo com os seguintes dizeres: EcoFrota - Movido a Diesel de Cana. O diesel que move esses ônibus é produzido em Brotas, no interior de São Paulo.

A fábrica, recém-inaugurada, é capaz de transformar a garapa de 1 milhão de toneladas de cana em diesel e outros produtos químicos.

Funcionando desde janeiro, esta fábrica produz diesel utilizando uma cepa de Saccharomyces construída usando a tecnologia desenvolvida para produzir artemisinina. 
* Fernando Reinach é biólogo.

MAIS INFORMAÇÕES: 'HIGH-LEVEL SEMI-SYNTHETIC PRODUCTION OF THE POTENT ANIMALARIAL ARTEMISININ. NATURE,  DOI:10.1038/NATURE120551,  2013.

Desaceleração do aquecimento global intriga cientistas



Alister Doyle e Gerard Wynn
Em Oslo e Londres
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Mitos e verdades das mudanças climáticas8 fotos

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A Terra está ficando mais quente nos últimos séculos? Verdade
A média da temperatura global em 2012 foi a nona maior desde que os dados começaram a ser computados, no fim do século 19. O ano passado registrou média de 14,6 graus, ou seja, 0,8 grau a mais do que o registrado em 1880, segundo relatório da Nasa (Agência Espacial Norte-Americana) - 1998, 2005 e 2010 foram os três mais quentes desse arquivo histórico. "Com o aumento dos gases do efeito estufa, os cientistas esperam que cada década sucessiva tende a ser mais quente que a anterior", explica a Nasa Leia mais NASA Goddard's Scientific Visualization Studio
Cientistas estão com dificuldade para explicar uma desaceleração do aquecimento global que expôs lacunas no seu conhecimento, e eles buscam entender as causas para determinar se esse alívio será breve ou se o fenômeno é duradouro.
A maioria dos modelos climáticos, geralmente focados em tendências que duram séculos, foi incapaz de prever que a elevação das temperaturas iria se desacelerar a partir do ano 2000 aproximadamente.
Isso é crucial para o planejamento em curto e médio prazo de governos e empresas em setores tão díspares quanto energia, construção, agricultura e seguros. Muitos cientistas preveem um novo aumento do aquecimento nos próximos anos.
Uma das teorias para explicar essa pausa diz que os oceanos teriam absorvido mais calor pelo fato de sua superfície ficar mais fria do que se esperava. Outras especulam que a poluição industrial da Ásia - ou até nuvens - estariam bloqueando o calor do Sol, ou, então, que os gases do efeito estufa retêm menos calor do que se acreditava.
A mudança pode também decorrer de um declínio já observado na presença de vapor de água (que absorve calor) na alta atmosfera, por razões desconhecidas. Os cientistas dizem que pode estar ocorrendo uma combinação de vários fatores ou de variações naturais ainda desconhecidas.
O fraco crescimento econômico mundial e a redução na tendência de aquecimento global estão afetando a disposição dos governos para fazerem uma rápida transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, o que exige bilhões de dólares. Quase 200 governos já concordaram em definir até 2015 um plano para combater o aquecimento global.
"O sistema climático não é tão simples quanto as pessoas acham", disse o estatístico dinamarquês Bjon Lomborg, autor do livro "O Ambientalista Cético". Ele estima que um aquecimento moderado seria benéfico para as lavouras e para a saúde humana.
O químico sueco Svante Arrhenius mostrou pela primeira vez na década de 1890 como as emissões de dióxido de carbono a partir do carvão, por exemplo, prendem o calor na atmosfera. Muitos dos efeitos exatos ainda são desconhecidos.
As emissões de gases do efeito estufa atingiram níveis recordes repetidamente com um crescimento anual de cerca de 3% na maior parte da década até 2010, em parte alimentada por aumentos na China e na Índia. Emissões mundiais foram 75% maiores em 2010 do que em 1970, segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas).
Um rápido aumento das temperaturas globais nos anos 1980 e 1990 - quando as leis de ar limpo em países desenvolvidos reduziram a poluição e deixaram o Sol mais forte na superfície da Terra - serviu como um argumento convincente de que as emissões de gases do efeito estufa eram culpadas pelo aquecimento.
O IPCC, painel de especialistas sobre clima da ONU, vai procurar explicar a atual pausa no aquecimento em um relatório que será divulgado em três partes a partir de final de 2013, com o objetivo de servir como um roteiro científico principal para os governos na mudança de combustíveis fósseis para as energias renováveis, como a energia solar ou eólica.