segunda-feira, 16 de abril de 2012

A normalidade das coisas


Demóstenes Torres é um 'senador normal pego em flagrante'. Sua desgraça consiste exatamente no flagrante

15 de abril de 2012 | 3h 06


Renato Lessa - O Estado de S.Paulo
Se a identidade nacional de uma população for definida por suas práticas mais usuais, pode-se dizer que o brasileiro é, antes de tudo, um telespectador. A medida de exposição diária ao veículo supera a quantidade média de horas passadas pelas crianças brasileiras, a cada dia, nos bancos escolares. Se fosse eu um paranoico amador diria que o conteúdo veiculado está a serviço do propósito de transformar os cidadãos do País em uma cáfila de oligofrênicos cívicos.
(Nota metodológica: por ignorar qual seja o coletivo de "oligofrênicos cívicos", optei por "cáfila", que me parece menos ofensivo do que "vara" e mais apropriado do que "alcateia" ou "enxame"; espero não ser molestado pela Sociedade de Proteção dos Camelos.)
Não sei se há propósito na coisa, mas isso é irrelevante. O que parece ser incontroverso é o fato de que no jorro televisivo o espaço dedicado à informação política resume-se a poucos minutos dos jornais intercalados em meio ao que interessa - as novelas - e a alguns minutos a mais para os notívagos, nos jornais do fim da noite. Da qualidade da informação, pouco há que falar: pouquíssimo texto, abundância de lugares comuns, imagens agressivas. Sobretudo denúncias, já que o animal telespectador que se quer fabricar deve ser um vingador vicário, adicto à droga inscrita na dose diária de escândalo que lhe é ministrada.
O civismo do personagem deve confinar-se na indignação instantânea, que fenece no próprio ato de expressão, imediatamente encoberta pelo turbilhão de imagens a respeito de assuntos diversos. Em plena "sociedade da informação", são os ecos do padre Antonil, importante cronista colonial, que se insinuam, ao falar, no século 18, das crianças criadas nos engenhos de açúcar "como tabaréus, que nas conversações não saberão falar de outra coisa mais do que do cão, do cavalo, e do boi".
Mas, mesmo supondo que as energias cognitivas médias do País estejam em estado de deflação - e que passemos grande parte de nossos trabalhos e dias a falar do "cão, do cavalo e do boi" - há coisas que não podem deixar de ser percebidas. Não há como imaginar que os brasileiros sejam, por natureza, menos inteligentes do que outros povos. Nesse sentido, é inacreditável pretender sustentar que o turbilhão que envolve o senador Demóstenes Torres seja extrínseco ao enredo que o constituía, até o momento de sua caída em desgraça, como campeão da direita brasileira e virtual candidato à Presidência da República.
Seu ex-partido - o quase ex-DEM - é formado por experientes expoentes da política tradicional brasileira, que têm noção precisa a respeito do que deva ser a vocação da política. É pouco crível que ao menos parte dos elementos, digamos, biográficos do senador Demóstenes fosse desconhecida de seus pares mais importantes. A cultura política que paira sobre o Estado do Goiás, e parece vincular em uma rede pluripartidária todo o espectro da representação política a um circuito criminoso, não é goiana, sua linguagem e sua gramática podem ser compreendidas em diversos cantos do País. E nesses cantos, entre próceres operadores de outros partidos, há os que pertencem à agremiação que tinha no senador Demóstenes destemido e implacável campeão.
Assim como Nelson Rodrigues definia os tarados como "homem normais pegos em flagrante", os correligionários de Demóstenes Torres, no âmago de suas almas, devem concebê-lo como um "senador normal pego em flagrante". Sua desgraça consiste exatamente no flagrante. É evidente que é um erro generalizar a proposição, mas será ingenuidade desconhecer a plausibilidade do mantra. O caso Demóstenes é expansivo: a mesma rede se apresenta a alguns insuspeitos e a outros nem tanto assim. A rede é viscosa e sua pregnância não reconhece distinções partidárias. O efeito da dispersão - ou da onipresença da relação entre alta criminalidade e alta política - apresenta-se em uma percepção pública, cada vez mais comum e consolidada, de que os agentes públicos apanhados em conversas estranhas são "homens normais pegos em flagrante". O flagrante aparece como capricho; como azar e como descuido que revelam a normalidade das coisas.
Se o espectro do Direito Penal ronda a política, os tribunais, de modo necessário, convertem-se em arenas decisivas, não apenas para a sentença devida, mas para a elucidação do que está a se passar. Graças à inteligente e oportuna intervenção do presidente do Partido dos Trabalhadores, aprendemos que o evento Demóstenes - e toda a infestação que o acompanha - possui, digamos, propriedades compensatórias com relação ao estrago de 2004. Com a palavra o STF, que, assim, cumpre tripla função: a que lhe é própria - a de julgar; a de dirimir disputas políticas; e a de explicar o País para os telespectadores. Do jeito que as coisas seguem, as sentenças do STF qualificam-se como itens bibliográficos obrigatórios para quem quer entender a normalidade do Brasil.
RENATO LESSA É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE; INVESTIGADOR ASSOCIADO DO INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, DA UNIVERSIDADE DE LISBOA; PRESIDENTE DO INSTITUTO CIÊNCIA HOJE.

Queimar lixo não é a melhor solução, afirmam especialistas


O que é melhor fazer com as 150 mil toneladas de lixo urbano produzidas diariamente no Brasil? Apesar da pressão pelo aumento da coleta seletiva e reciclagem, que resultou na Lei Nacional de Resíduos Sólidos, em 2010, em mais da metade das cidades do País ainda predomina o despejo dos resíduos em terrenos a céu aberto e sem nenhum tipo de tratamento – os chamados lixões.
O prefeito de Maringá, Sílvio Barros (PP) quer resolver o problema da sua cidade com uma solução pouco comum no Brasil: uma usina de incineração de lixo. O custo da obra está avaliado entre R$ 180 milhões e R$ 200 milhões. De acordo com o projeto, a meta da usina é queimar 500 toneladas de lixo por dia, no entanto, a cidade paranaense produz diariamente cerca de 300 toneladas.
De acordo com especialistas ouvidos pelo iG, a solução que aparentemente é de alta tecnologia já se mostra antiga. Eles afirmam que existem mais de 100 usinas de incineração pelo mundo, mas que os resultados se mostraram pouco satisfatórios pelo excesso de monitoramento necessário. “Não é uma solução, o custo é muito alto, há contaminação e emissão de gases. É uma forma de arrancar dinheiro do contribuinte”, disse Sabetai Calderoni, presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável e especialista em lixo. Para Calderoni, existem outras soluções como reciclagem e compostagem que se adequam melhor à realidade brasileira.
Uma das principais críticas à incineração é que ela não segue a lógica de redução da produção de lixo e do aumento da reciclagem, recomendadas pela Lei Nacional de Resíduos Sólidos. Gina Rizpah Besen, mestre pela Faculdade de Saúde Pública da USP afirma que a política de incineração vai contra a lei por seguir uma lógica inversa ao não estimular a redução da produção de lixo. “Ela não é adequada do ponto de vista ambiental, porque para funcionar precisa de plástico e põe em risco os catadores de lixo e emite mais que um aterro sanitário comum”, disse. No entanto, de acordo com dados da Agência de Proteção ao Meio Ambiente da Grã-Bretanha mostram que a reciclagem e a compostagem aumentaram até 19% entre 2003 e 2004, quando as usinas britânicas começaram a funcionar.
Outra crítica que ambientalistas fazem é que as usinas de incineração necessitam de material reciclável por ele ser mais comburente. “É necessário o uso de materiais de queima mais fácil. Manter uma usina queimando apenas lixo orgânico é muito caro”, disse Luciano Bastos, do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais da Coppe/ UFRJ. No Brasil, em média, 60% do lixo é orgânico, o chamado lixo úmido, o restante é material que pode ser reciclado, como vidro e papel.
Manifestantes reclamam que usina de incineração de lixo na Nova Zelândia libera moléculas cancerígenas
De acordo com Bastos, a capacidade mínima de uma usina de incineração para que ela seja economicamente viável é 150 toneladas de lixo por dia. Para se ter uma ideia, a cidade de São Paulo produz diariamente 15 mil toneladas de lixo e a do Rio, 9 mil toneladas.
Nem tudo é ruim – O grande trunfo da incineração, no entanto, está em gerar energia a partir do lixo. Aterros sanitários também podem gerar energia a partir da captação de gases emitidos pela decomposição do lixo, mas de acordo com estudo da Agência Americana de Proteção Ambiental (EPA), a incineração é capaz de produzir cerca de 10 vezes mais energias que os aterros. “Nem sempre se consegue captar energia dos aterros, e paga-se muito caro para fazer sua distribuição”, concorda Calderoni.
Um projeto experimental de usina de incineração foi instalado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde 2004, a Usina Verde recebe diariamente 30 toneladas de resíduos sólidos, pré-tratados, provenientes do aterro sanitário no Caju.
Após passar pela triagem, o lixo é levado para forno fechado na Usina Verde que realiza a queima em temperaturas altíssimas de 950º C. Os gases resultantes desta queima são levados até uma caldeira, o vapor gira a turbina que gera a energia.
Para o professor Luciano Bastos, que coordenou o projeto da Usina Verde, o processo de incineração é monitorado o tempo inteiro para que não ocorra escape de gases para a atmosfera. Sobre a crítica de que a incineração gera moléculas cancerígenas que afetariam a saúde dos catadores, o pesquisador defende que os níveis gerados são os mesmos produzidos por veículos a diesel.
Gina afirma que o projeto da usina é muito mais caro do que campanhas educacionais para a redução e reciclagem de lixo. “Pode até ser que o sistema funcione, mas em geral ele é caro. Sabemos que já existem mecanismos de controle das emissões, mas não sabemos o efeito cumulativo disso”, disse. Para Calderoni, os custos de segurança não compensam: “É um negócio que precisa de fiscalização, que tem um custo muito alto”, critica.
Reciclagem é a melhor rota energética – Para Bastos, o ideal seria associar a reciclagem ao uso de tecnologias como o uso de biodigestores, onde o lixo é confinado em ambiente sem oxigênio e bactérias digerem o lixo gerando adubo a partir do lixo orgânico e gases que podem ser aproveitados em veículos.
“A incineração é uma alternativa, mas não é a única. Se houvesse coleta seletiva plena, não caberia ter incineração”, disse Bastos. Ele afirma que o ideal é reciclar “tudo o que for possível e depois aplicar as tecnologias”. Para ele apenas o material rejeitado pelos catadores pode ser aplicado para a incineração, tanto por motivos ambientais quanto econômicos.
“A reciclagem é a melhor rota energética do lixo, pois com ela a indústria economiza energia”, disse. De acordo com o pesquisador, cada tonelada de material reciclado gera três megawatts/hora de energia economizada, enquanto a melhor tecnologia de incineração gera energia a partir do lixo de um megawatt/hora. (Fonte: Maria Fernanda Ziegler/ Portal iG)

Cidade sueca reaproveita 99% do lixo produzido


A cidade de Borás, na região Sul da Suécia, reaproveita 99% do lixo produzido. Apenas 1% não tem serventia alguma e vai para o aterro. Por causa do lixo que é transformado em energia, os moradores pagam até 50% a menos na conta de luz e o transporte público sai 20% mais barato.
O Rio Viskan já foi um esgoto a céu aberto. Ele era tão poluído que no verão ninguém ousava passar por perto. Uma década depois, o rio é símbolo da determinação do poder público e dos 104 mil moradores. Conscientização que começa em casa, onde o lixo é separado. Os resíduos são separados em orgânicos, nos sacos pretos, e inflamáveis, em sacos brancos.
Os sacos de lixo são disponibilizados pela companhia que recolhe os resíduos na cidade, de graça. Isso ajuda as pessoas na hora de fazer a separação em casa. No porão do condomínio, os próprios moradores fazem a triagem.
Em Borás, nada se perde, tudo se transforma. Quem anda de táxi ou de ônibus e quem utiliza energia elétrica sabe muito bem disso. As 200 toneladas de lixo domiciliar coletado todos os dias na cidade são levadas para o centro de triagem. O lixo orgânico vira biogás e o lixo inflamável alimenta as caldeiras de termoelétricas, que produzem eletricidade.
O trabalho de separação das sacolinhas pretas e brancas é automatizado. A máquina reconhece a cor dos sacos e faz a separação. Nas fornalhas das termelétricas e nos biodigestores das usinas de gás, o lixo se transforma em economia.
A prefeita, Annete Carlson, diz que a grande vantagem do reaproveitamento é o fim dos grandes aterros sanitários. A começar pelas garrafas velhas. Basta colocar a garrafa no buraco, a máquina identifica a quantidade e dá o valor da reciclagem. É só passar no caixa e receber o dinheiro.
Os postos de recolhimento ficam nos supermercados da cidade, o que facilita o processo. O benefício incentiva as pessoas que usam o dinheiro das garrafas para pagar as compras. A natureza também ganha. As garrafas de plástico, por exemplo, são derretidas e transformadas em novas garrafas. As informações são do G1.