Um projeto sobre apps gerou empresas enxutas
"Classe Facebook" causou corrida pelo ouro dos aplicativos
Por MIGUEL HELFT
STANFORD, Califórnia
"Classe, este é o seu dever de casa: criar um aplicativo [ou "app"]. Fazer que as pessoas o usem. Repitam."
Essa foi a tarefa para alguns alunos da Universidade Stanford, no outono de 2007, naquilo que ficou conhecido aqui como a "Classe Facebook". Ninguém esperava o que ocorreu depois.
Os alunos acabaram conseguindo milhões de usuários para aplicativos gratuitos que eles criaram para funcionar no Facebook. E, com a entrada da publicidade, esses estudantes começaram a ganhar muito mais do que os professores.
A Classe Facebook fez disparar carreiras e fortunas de mais de duas dúzias de estudantes e professores daqui. Também ajudou a inaugurar um novo modelo de empreendedorismo que revolucionou o meio tecnológico: a novata enxuta.
"Tudo aconteceu muito depressa", lembra Joachim De Lombaert, hoje com 23 anos. O aplicativo da sua equipe faturava US$ 3 mil por dia e se transformou em uma empresa que, mais tarde, foi vendida por uma quantia de seis dígitos.
Na época, os apps para Facebook eram uma novidade. O iPhone tinha acabado de chegar, e o primeiro telefone Android ainda demoraria um ano para surgir.
Mas, ao ensinar os alunos a construir apps simples, distribuí-los rapidamente e aperfeiçoá-los depois, a Classe Facebook encontrou o que se tornou o procedimento operacional para uma nova geração de empresários e investidores. As novatas exigiam muito dinheiro, tempo e pessoal. Mas, durante a última década, o software de fonte aberta gratuito e os serviços em "nuvem" reduziram os custos, enquanto as redes de anúncios ajudaram a trazer uma receita rápida. O fenômeno do app acentuou a tendência e ajudou a libertar o que alguns chamam de nova onda de inovação tecnológica.
Desde o início, a Classe Facebook se tornou um microcosmo do Vale do Silício. Trabalhando em equipes de três, os 75 alunos criaram aplicativos que conquistaram 16 milhões de usuários em apenas dez semanas. Durante o semestre, os apps, que eram gratuitos, geraram cerca de US$ 1 milhão em publicidade.
Esse sucesso ajudou a inspirar empresários a elaborar planos de negócios e trabalhar em apps. Nem todos tiveram êxito, mas os que tiveram contribuíram com a expansão do Facebook, que tem quase 700 milhões de usuários.
Os capitalistas de risco também começaram a rever sua abordagem. Alguns criaram fundos de investimentos sob medida para as novatas menores.
"Conceitos e ideias que saíram da classe influenciaram a estrutura do fundo em que trabalho", diz Dave McClure, um dos instrutores da classe e fundador da 500 Startups. "A classe foi a percepção de que essa coisa funciona."
Quase quatro anos depois, muitos dos estudantes aprenderam que construir uma empresa é muito mais difícil do que criar um app. "Criar uma empresa é mais trabalhoso", disse Edward Baker, que foi parceiro de De Lombaert na classe e depois sócio na empresa. Os dois fundaram a Friend.ly, uma rede social.
Mas muitos dos estudantes foram recompensados. Alguns transformaram sua lição de casa em empresas. Outros, desde então, venderam essas empresas para outras como Zynga. Outros ainda uniram-se a novatas como RockYou, um site de jogos que, na época, estava entre os apps mais bem sucedidos do Facebook.
A Classe Facebook mudou a vida de De Lombaert. O aplicativo atraiu usuários e dinheiro mais depressa do que qualquer outro da classe. E seu sucesso chamou a atenção dos investidores.
O Facebook não participou ativamente da classe de Stanford, mas alguns dos seus engenheiros frequentaram as sessões. "A plataforma Facebook estava decolando e havia uma sensação de corrida do ouro", disse Mike Maples Jr., um investidor que frequentou algumas aulas e acabou apoiando uma das novatas.
A Classe Facebook foi criação de B. J. Fogg, que dirige o Laboratório de Tecnologia Persuasiva em Stanford. Fogg pensou que a plataforma Facebook seria uma boa maneira de testar algumas de suas teorias. Criar um novo modelo de empreendedorismo estava longe de suas intenções.
"Os alunos fizeram um trabalho incrível, colocando coisas no mercado", diz Michael Dearing, professor associado do Instituto de Design em Stanford.
"Love Child" -filho do amor. Parece um nome improvável. Mas Johnny Hwin e sua equipe em Stanford decidiram construir um app com esse nome, que permitiria que dois usuários criassem e educassem criança virtual. Não deu certo. "Fomos ambiciosos demais", diz Hwin.
Ver que seus colegas de classe faturavam com ideias mais simples foi uma lição valiosa. Em 2009, Hwin começou a trabalhar no Damntheradio.com [maldito rádio], ferramenta de marketing no Facebook que ajudou bandas e músicos no contato com os fãs on-line. Ele foi inaugurado em junho passado e adquirido em janeiro pela FanBridge, onde Hwin é vice-presidente, por alguns milhões de dólares, segundo ele. Hwin, que tem 26 anos e também é músico, vive em um loft no bairro Mission em San Francisco.
Baker diz que a plataforma Facebook é um ímã para jovens desenvolvedores, embora o tipo de aplicativo simples que era o foco de sua classe em Stanford enfrente grandes obstáculos. O Facebook dificultou o desenvolvimento de apps de sucesso ao controlar como eles se espalham. Mas Fogg diz que para os que estavam no lugar certo na hora certa -no final de 2007- as coisas foram diferentes. "Houve um período em que você podia chegar e encontrar ouro", diz.
quinta-feira, 9 de junho de 2011
quarta-feira, 8 de junho de 2011
Depois do açougue, antes da banca
ANTONIO PRATA , na Folha de S. Paulo
SE TEM uma coisa que o brasileiro gosta é de ensinar um caminho. Pode reparar: você encosta o carro no meio fio, diz "ei, amigo, p'favor, sabe onde fica a rua Fulano de Tal?", e, passado aquele sustinho inicial, o patrício se entrega, de corpo e alma, ao discurso e à gesticulação.
Por ser a informação no trânsito, entre nós, quase um ritual, segue um elaborado protocolo. Começa com a análise do pedido: o sujeito ouve o nome da rua, endireita a postura, limpa a garganta e repete, com a cabeça levemente erguida, os olhos semicerrados, vasculhando os mapas da memória: "Rua Fulano de Tal...
Rua Fulano de Tal...". Abre então os olhos, enche o peito, apoia uma mão no carro, a outra, com o indicador fazendo jus ao nome, aponta o horizonte e, com método e seriedade, começa a explanação: "Amigão, cê vai ter que fazer o seguinte...". Terminado o colóquio, ele te toma a lição, repetindo os pontos mais traiçoeiros: "Cê entendeu, né? O cotovelo é depois do açougue, antes da banca, tá? Não tem erro!".
Ouso dizer, sem querer desmerecer-nos tampouco falar mal dos outros, que nos países ditos "desenvolvidos" não se encontra essa genuína alegria auxiliatória. Não é que no "primeiro mundo" todos sejam antipáticos. Muito pelo contrário. Já perguntei caminhos nos EUA, na Inglaterra e na Holanda e fui muito bem tratado. Mas lá onde a grama é verde e os ônibus passam na hora marcada, você repara que a gentileza é uma imposição da cultura sobre o mau-humor natural do indivíduo: no fundo, o cidadão preferia não ter sido importunado em sua caminhada. Afinal de contas, qual o propósito de todo o processo civilizatório, com seus exércitos e carimbos, constrangimentos e premiações, senão garantir que as pessoas não encham muito o saco umas das outras, que cada um possa tocar a sua vida como queira, sem esbarrar nas arestas alheias? Aí vem um sujeito desgovernado, "Hello, monsiuer, s'il vous plaît, dónde está la estación?" e pronto, bagunça-se o coreto.
Já em nossa "pátria tão despatriada", é diferente. Aqui, a civilização nunca desfez as malas. Vamos por aí meio assustados, uma mão na frente e outra atrás, a desconfiança no canto dos olhos, esperando a bala perdida, o sequestro relâmpago, a enchente, o insulto.
Quando surge, portanto, um "ei, amigo, p'favor", não encaramos co-mo um desvio na organização, um imprevisto atrapalhando nosso bem traçado plano. É o contrário: uma proposta de parceria no meio desta barafunda. Um ponto de inflexão no desmantelo. Enquanto estamos ali, dizendo ou ouvindo "direita", "esquerda", "segundo farol, faz o contorno", abrimos uma tênue brecha na guerra de todos contra todos, escrevemos, por linhas tortas, um rascunho de contrato social.
Se tudo der certo e minha sociologia de botequim estiver correta, não está longe o dia em que o brasileiro, bem alimentado, educado, assistido e organizado, deixará de dar informações com tanto júbilo. Não lamentemos. Talvez a perda da espontaneidade seja um efeito colateral inseparável do desenvolvimento, e é aceitável um pouco de mau-humor, se cada um puder escolher o seu próprio caminho.
Não está longe o dia em que o brasileiro deixará de dar informações de trânsito com tanto júbilo |
SE TEM uma coisa que o brasileiro gosta é de ensinar um caminho. Pode reparar: você encosta o carro no meio fio, diz "ei, amigo, p'favor, sabe onde fica a rua Fulano de Tal?", e, passado aquele sustinho inicial, o patrício se entrega, de corpo e alma, ao discurso e à gesticulação.
Por ser a informação no trânsito, entre nós, quase um ritual, segue um elaborado protocolo. Começa com a análise do pedido: o sujeito ouve o nome da rua, endireita a postura, limpa a garganta e repete, com a cabeça levemente erguida, os olhos semicerrados, vasculhando os mapas da memória: "Rua Fulano de Tal...
Rua Fulano de Tal...". Abre então os olhos, enche o peito, apoia uma mão no carro, a outra, com o indicador fazendo jus ao nome, aponta o horizonte e, com método e seriedade, começa a explanação: "Amigão, cê vai ter que fazer o seguinte...". Terminado o colóquio, ele te toma a lição, repetindo os pontos mais traiçoeiros: "Cê entendeu, né? O cotovelo é depois do açougue, antes da banca, tá? Não tem erro!".
Ouso dizer, sem querer desmerecer-nos tampouco falar mal dos outros, que nos países ditos "desenvolvidos" não se encontra essa genuína alegria auxiliatória. Não é que no "primeiro mundo" todos sejam antipáticos. Muito pelo contrário. Já perguntei caminhos nos EUA, na Inglaterra e na Holanda e fui muito bem tratado. Mas lá onde a grama é verde e os ônibus passam na hora marcada, você repara que a gentileza é uma imposição da cultura sobre o mau-humor natural do indivíduo: no fundo, o cidadão preferia não ter sido importunado em sua caminhada. Afinal de contas, qual o propósito de todo o processo civilizatório, com seus exércitos e carimbos, constrangimentos e premiações, senão garantir que as pessoas não encham muito o saco umas das outras, que cada um possa tocar a sua vida como queira, sem esbarrar nas arestas alheias? Aí vem um sujeito desgovernado, "Hello, monsiuer, s'il vous plaît, dónde está la estación?" e pronto, bagunça-se o coreto.
Já em nossa "pátria tão despatriada", é diferente. Aqui, a civilização nunca desfez as malas. Vamos por aí meio assustados, uma mão na frente e outra atrás, a desconfiança no canto dos olhos, esperando a bala perdida, o sequestro relâmpago, a enchente, o insulto.
Quando surge, portanto, um "ei, amigo, p'favor", não encaramos co-mo um desvio na organização, um imprevisto atrapalhando nosso bem traçado plano. É o contrário: uma proposta de parceria no meio desta barafunda. Um ponto de inflexão no desmantelo. Enquanto estamos ali, dizendo ou ouvindo "direita", "esquerda", "segundo farol, faz o contorno", abrimos uma tênue brecha na guerra de todos contra todos, escrevemos, por linhas tortas, um rascunho de contrato social.
Se tudo der certo e minha sociologia de botequim estiver correta, não está longe o dia em que o brasileiro, bem alimentado, educado, assistido e organizado, deixará de dar informações com tanto júbilo. Não lamentemos. Talvez a perda da espontaneidade seja um efeito colateral inseparável do desenvolvimento, e é aceitável um pouco de mau-humor, se cada um puder escolher o seu próprio caminho.
terça-feira, 7 de junho de 2011
Após retomada, energia nuclear patina
Acidente de Fukushima escancara questão da segurança, põe em xeque opção por plantas atômicas e acirra debate sobre política energética
05 de junho de 2011 | 0h 00
Jamil Chade - O Estado de S.Paulo
A radiação liberada da usina nuclear de Fukushima no Japão pode ter tido um impacto geográfico limitado. Mas suas implicações políticas atravessaram fronteiras e o que parecia uma tecnologia consolidada e em plena expansão agora volta ao centro da agenda política e energética de vários países.
O debate, que envolve a questão da segurança e também o futuro do abastecimento de energia no planeta, ganhou nesta semana uma nova dimensão quando a Alemanha anunciou que vai fechar todos seus 17 reatores nucleares até 2022, revertendo uma posição política que parecia sólida há apenas nove meses. Na Alemanha, 23% da energia vem dessas plantas.
Agora, o anúncio da chanceler Angela Merkel foi considerado como uma vitória do "lobby verde", que começa a ganhar poder e influenciar eleições. Mas não são apenas os votos que entram na equação - parte da decisão está vinculada à promoção de um novo setor industrial. A indústria de energia renovável na Alemanha é responsável por 13% do abastecimento do país e deve chegar a 35% em 2020. O país tem as maiores empresas de energia solar e eólica do mundo. A Siemens, por exemplo, prepara um plano ambicioso para captar energia solar no deserto do Saara e abastecer a Europa.
No total, 17 bilhões foram investidos pela Alemanha em 2009 no setor, que em dez anos deverá empregar 500 mil pessoas. Hoje, seriam 300 mil funcionários, quase dez vezes mais que a mineração.
A Europa parece ter se transformado em um campo de testes políticos a céu aberto para a discussão do futuro da energia nuclear. O governo da Suíça apresentou a mesma proposta do alemão, ainda que tenha colocado a meta do fechamento das usinas na década de 2030 - o país vai buscar nos próximos 20 anos um substituto para a energia nuclear, hoje responsável por 40% do abastecimento do país. Em julho, será a vez da Suécia debater o fim da energia nuclear, enquanto a Itália colocará a questão em um referendo, no dia 12 de junho.
Considerações políticas e econômicas também fazem parte dos cálculos de outros países, mas de uma maneira diferente, principalmente entre os que precisam importar energia. As crises na Líbia e no Oriente Médio fizeram os preços de petróleo e gás explodirem, fortalecendo inclusive o lobby pró-nuclear.
A França se transformou no maior exemplo da dependência de toda uma economia em relação à energia nuclear. Hoje, mais de 70% da eletricidade do país vem de plantas atômicas. Não por acaso, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, sequestrou parte da agenda do G-20 e do G8 que ele mesmo lidera, para insistir em debater a segurança nuclear - e não sua exclusão. O governo tem grande parte das ações na Areva, uma das maiores indústrias do setor nuclear no mundo.
Vendas. A aposta na energia nuclear parece também fazer as empresas manter o otimismo. Mesmo com a as iniciativas alemã e suíça, uma das principais fabricantes de tecnologia para usinas nucleares, a japonesa Mitsubishi, estima que suas vendas podem dobrar no mundo até 2014, chegando a US$ 7,4 bilhões. Isso graças à proliferação de planos de construção de usinas em mercados emergentes.
Em pouco mais de 50 anos, a energia nuclear ganhou um espaço sem precedentes. Dados da Associação Nuclear Mundial apontam que existem 440 reatores em uso em 47 países - 14% de toda a energia gerada no mundo vem de plantas nucleares, um total de 2,6 trilhões de quilowatts. Antes de Fukushima, as estimativas apontavam que o número de plantas aumentaria em 50% em poucos anos.
"Não estamos vendo o fim da era atômica", adverte Duane Bratt, da Universidade de Calgary, no Canadá. Ele lembra que até a Ucrânia anunciou a construção de novas usinas, mesmo depois da experiência de Chernobyl. No Japão, o governo insiste que não está pensando em abandonar a opção nuclear.
"A decisão não terá uma implicação mundial", acrescenta Steve Kerekes, do Instituto de Energia Nuclear dos EUA. Segundo ele, apenas a China tem 87 reatores em construção, um número quase cinco vezes maior de usinas que a Alemanha fechará.
Se a decisão de Berlim e Berna são relativamente modestas diante do avanço dos demais programas, ambientalistas admitem que os anúncios na Europa pelo menos mostram que já não existe um consenso de que a energia nuclear é a única saída. A esperança, agora, é de que grupos de ambientalistas de outros países recoloquem na agenda política a mesma discussão.
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