Nesta quarta-feira (10/7), terminou a votação da regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados. A criação de um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) alinha o Brasil às melhores práticas internacionais com mais de três décadas de atraso. A não-cumulatividade e a simplificações do sistema tributário aumentarão a produtividade e desonerarão as exportações.
A reforma substitui cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ISS e ICMS) pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), destinada à União, e pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), para estados e municípios. A alíquota final será repartida entre os dois novos tributos para manter os níveis de arrecadação de cada esfera de governo. Seu valor depende, contudo, da quantidade de exceções à nova regra.
Os descontos na alíquota do IVA deveriam atender aos interesses da população, mas acabaram se tornando disputa entre grupos econômicos. Foram criados dois regimes intermediários. Advogados, médicos e profissionais liberais e... planos de saúde para pets terão corte de 30% na alíquota; já alimentos e medicamentos terão desconto de 60% no IVA.
Como a reforma prevê manter a atual carga tributária, quanto mais produtos e serviços forem agraciados com a isenção ou o desconto do IVA, maior será a alíquota final que incidirá sobre todos os bens e serviços do regime geral. Neste ponto, o avanço da reforma foi limitado por privilégios injustificados, como os da bancada BBB (bala, boi, bíblia).
Além da PEC 5/2023 (ainda em tramitação), que amplia a imunidade tributária das igrejas, o agronegócio já havia obtido a inclusão das proteínas animais na alíquota reduzida, mas isso era insuficiente. Na disputa sobre os itens da cesta básica —que conta com alíquota zero—, o agronegócio fez forte pressão e foi bem-sucedido. Com o reforço da fala do presidente Lula, foi aprovada a emenda que isenta todas as carnes, queijos e sal. Manteve-se a regressividade do modelo atual, em que itens de luxo são isentos, com a desculpa de serem bens "básicos" de consumo.
Seria mais justo manter as carnes na alíquota cheia e focalizar a isenção diretamente nas pessoas mais pobres, via estorno imediato de tributos no caixa (o chamado cashback) para as pessoas inscritas no Cadastro Único (CadÚnico). São mais de 70 milhões de brasileiros (1/3 da população) que teriam acesso a este benefício. Para que os churrascos no Leblon e nos Jardins fiquem mais baratos, a alíquota geral ficará maior do que poderia ser. Mesmo assim, já é algum progresso substituir a desoneração de jet ski e games pela da carne.
A reforma onerará setores que produzem efeitos negativos sobre a saúde e o meio ambiente. O imposto seletivo incidirá sobre cigarros, bebidas alcoólicas e mineração, dentre outros, e a alíquota varia de acordo com o dano gerado pelo setor. Ao longo das discussões, as montadoras de carros a combustão conseguiram incluir os veículos elétricos no imposto seletivo, alegando que a produção de baterias implica danos ao meio ambiente. Prato cheio para o negacionismo climático que já grassa sem coleira no Congresso.
O texto final também retirou as armas de fogo e munições do imposto seletivo. Com isso, a tributação prevista sobre estes itens cairá de 90% para perto de 25%, ignorando a opinião de 70% dos brasileiros que rejeitam facilitar o acesso a armas como medida de segurança pública. Os socialmente letais alimentos ultraprocessados também escaparam do imposto do pecado.
Nos últimos minutos do segundo tempo da prorrogação, o bloco da Bala, Boi e Bíblia (BBB) assegurou descontos na alíquota entre 60% e a isenção total. Dois golaços que garantiram a vitória do atraso em meio à marcha para o desenvolvimento. A indústria e os serviços sofisticados pagarão mais impostos para que o agronegócio e a indústria de armas prosperem. Selva!
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