É uma vocação perdida num ermo do Judiciário. Reportagem de Josmar Jozino no UOL (30/5) contou a história do policial civil Alan Douglas Silva, da Delegacia Seccional de Presidente Prudente (SP), que há dias lavrou um ousado B.O. em prosa poética. O delito era simples: um ladrão arrombou uma casa, levando uma lavadora de alta pressão, uma tampa de tanque de combustível, 20 litros de gasolina e outros tantos de etanol.
"Na mansidão do silêncio noturno", ele escreveu, "permeada pela penumbra que abraça os segredos da calada madrugada, o vilão de nossa trama, qual sombra furtiva, penetrou na propriedade. Neste ato de profanação, destemido e sorrateiro, desfez a barreira da intimidade alheia e arrebatou os objetos que figuram na relação dos despojos. Na ausência de sentinelas visuais, as câmaras de monitoramento permaneceram omissas, incapazes de registrar os passos furtivos do agente do mal.
"Deixou sua marca indelével, tal o rastro de uma serpente que insinua sua presença. Sobre o lamento do silêncio, testemunhas não surgiram para narrar o ato infame. Ao sabor do destino, este registro serve como crônica dos eventos que se desenrolam na quietude da noite. E assim, como pluma ao vento, se finda o relato, aguardando a justiça como derradeira sentença, na esperança de que a luz da verdade dissipe as trevas que encobrem este capítulo indesejado da existência da vítima."
Louvo o esforço do policial Alan. Só lamento o seu estilo passadista, fora de moda. Ele precisa se atualizar. Se conhecesse Oswald de Andrade, por exemplo, teria escrito: "Só me interessa o que não é meu. A lavadora. A tampa do tanque. 20 litros de etanol. A gasolina é a prova dos nove. Cleptofagia".
Ou, se tivesse lido Guimarães Rosa, sairia: "Totudo. O senhor mire e veja. O diabo não existe. É o que eu digo, se for. Existe é o tanque de combustível, Deus esteja. Há-de-o".
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