Uns anos atrás eu andava sozinho na bela praia de Imbassaí, na Bahia. Era a primeira hora da manhã, eu recebia as primeiras luzes do dia. Nos meus pés, as primeiras ondas. Na minha cabeça, o pensamento: "Isto aqui é meu".
Sim, eu me sentia dono daquela praia, não porque havia comprado um pedaço dela e podia então mesquinhamente aproveitar aquele espaço só para mim. Imbassaí, naquelas manhãs de inverno de 2023, era muito minha, porque o mundo é meu.
E é também de todos, diga-se. Nada nos faz pertencer tanto a esse mundo como a possibilidade de explorá-lo, de andar por um chão, seja de pedra, terra, areia, asfalto e pensar: "Aqui eu me pertenço".
Claro que a experiência turística não se resume a lugares por onde podemos circular livremente. De museus a prédios históricos, de parques privados a centros culturais, pagar para visitar algo construído pelo homem faz parte do pacote de qualquer viajante. Mas as praias?
Escrevo isto ainda ligeiramente indignado com a possibilidade absurda de nossas praias se tornarem propriedades privadas. A incipiente PEC quer tirar nosso direito de circular quando quisermos por um dos litorais mais belos do planeta: o do nosso Brasil.
Além dessa alvorada em Imbassaí, lembrei-me de outras areias que tão bem me receberam em todo o território nacional, das falésias de Beberibe (CE) ao contorno de Galinhos (RN). Das cores de Pajuçara, em Maceió, ao descompromisso da praia do Rosa (SC).
É tudo muito lindo para que a oportunidade de qualquer um visitar esses horizontes seja diminuída pelo preço de um ingresso. Mais: é revoltante a chance de que um direito ancestral do ser humano seja tolhido por uma vil especulação imobiliária.
Minha indignação cresceu, nos últimos dias, conforme eu ia me lembrando das possibilidades que a tal PEC teria o potencial de nos tirar. Carneiros, em Pernambuco; Carnaubinhas, no Piauí; Porto Seguro, na Bahia; São Miguel dos Milagres, em Alagoas; Barra do Sahy, em São Paulo.
E ainda lembrei de outras praias que vi pelo mundo, nenhuma tão linda quanto as nossas —talvez a que visitei nas Maldivas. Mas todas inquestionavelmente são espaços abertos; na Tailândia, no Vietnã, em Bali, Belize, Moçambique... Nem vamos começar a falar do Mediterrâneo.
Me lembro ainda de um dia andando por uma surpreendentemente estranha costa na Índia, mais especificamente em Goa. Lá comecei a pensar na ligação que aquele lugar tinha com o Brasil, que devemos, claro, a Portugal.
Goa, a improvável colônia portuguesa em território indiano, dá ao visitante brasileiro a curiosa sensação de estar visitando um enigmático canto do nosso litoral. Mas, se a arquitetura colonial nos ilude, quando olhamos para aquele mar temos certeza de estar em território desconhecido.
O que o oceano Índico me oferecia ali eram águas turvas, de um tom marrom, que me fez pensar na distância entre a Índia e o Brasil. E em como aquelas águas nos aproximavam: Palolem, uma das praias da costa goesa, e Copacabana inesperadamente conectadas.
E nas duas eu podia me imaginar andando tranquilo, como em Imbassaí, esperando o dia começar, o ar te renovar, o coração bater. Porque não há lugar para se sentir mais livre do que em uma praia.
Essa é uma certeza tão grande quanto a de que a tentativa de tirar o acesso público à nossa costa é apenas uma ideia absurda, que quer mais desviar a atenção do discurso político carregado do que, de fato, mudar alguma coisa.
Mas nada muda o mar. E ninguém tira meu pé desta areia.
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