Bastante, e isso, caros leitores, dizemos nós, economistas do Por Quê?, muitas vezes classificados como "neoliberais" (seja lá o que isso signifique) ou talvez coisa pior. Um sinal de credibilidade para a tese aqui defendida, cremos. A tese de que temos de investir mais em reduzir a desigualdade, e sempre de modo inteligente.
Muita gente se pergunta se há um conflito entre combate à desigualdade e crescimento de longo prazo. Não, não há. Ao combater a desigualdade com mais vigor, estamos minando os pilares da meritocracia? Não, ao contrário: a diminuição da desigualdade estimula a meritocracia, aumenta as chances. As pessoas nascem em condições muito diferentes umas das outras. Isso é o óbvio ululante, como diria Nelson Rodrigues, mas tem consequências graves.
O papo de que muita gente que nasceu na miséria subiu na vida pelo trabalho e esforço tem uma parcela de verdade –uma parcela bem pequena, pois é muito difícil escapar da barreira que a primeira infância impõe impiedosamente a quem nasce pobre. É dificílimo recuperar as capacidades cognitivas e não cognitivas depois dos 7 anos, e quando isso acontece é à custa de muito sangue, suor e lágrimas.
Nesse momento sempre aparece um conservador e grita: "Vocês estão desmerecendo o sujeito que nasceu sem nada, estudou, trabalhou e subiu na vida!". Nada disso. Na verdade, o que estamos dizendo é que ele é um herói, uma raridade, alguém para ser muito admirado mesmo. E que não é representativo. Estatisticamente falando, é quase um alienígena.
A desigualdade é ruim para o crescimento de longo prazo. Pense assim: um monte de potenciais médicos, engenheiros, cientistas, artistas, advogados, que não serão nada disso, na verdade. Porque é quase impossível para alguém sem recursos, com pais analfabetos etc., conseguir terminar uma faculdade nessas áreas.
Suponha um arranjo assim: tiro um pouco de vocês e uso para melhorar o treinamento da professora da creche da periferia, ou para pagar mais para os professores. Daqui a 20 anos haverá mais cientistas e artistas capacitados por aí. Asseguro. Você perdeu um pouco, o Brasil ganhou um tanto –e aquela pessoa ganhou uma enormidade.
E, enquanto os 20 anos não chegam, eu tiro de vocês de novo para dar na mão do desprovido, estilo Bolsa Família, para aliviar. Você se entristece? Um pouco, somente, pois o valor marginal (traduzindo para o português, "adicional") do dinheiro é menor para quem já tem muito (quanto é muito no Brasil? Uma família de quatro pessoas com renda acima de R$ 10 mil por mês já é bastante privilegiada).
Você se sente desmotivado para trabalhar, poupar, inventar porque seu imposto subiu de 27% para 30% para que seja possível dar um incentivo financeiro para o bom aluno da escola pública? Não posso responder por você exatamente, mas não é o que aparece nos dados. Não nesse nível de taxação. Precisa ser muito mais. A eficiência, os incentivos, que os economistas gostam tanto de alinhar –com razão, vejam bem!– quase não vão se mexer. Parem também de falar que as pessoas terão mais filhos porque recebem uma Bolsa Família que dá alguns reais a mais por filho adicional. Ou que se geram assim multidões de preguiçosos. Isso não acontece. É fábula, enganação.
A desigualdade é ruim para a segurança de todos. A América católica é o lugar mais desigual do mundo. A América católica é o lugar mais violento do mundo. Uma sociedade desigual demais gera ressentimentos, desconfiança, sensação de não pertencimento, de ter sido deixado para trás, trapaceado. Isso é ruim para os ricos também. Certamente a insegurança tem outras causas, como a ineficácia policial ou jurídica, mas também é afetada pela desigualdade.
Isto não é uma defesa de todas as políticas ditas de esquerda –ainda mais das esquerdas latino-americanas, que acham bonito coisas como construir navios por aqui mesmo, mesmo que milhões de reais sejam assim jogados no mar. Ou que comercializar com os Estados Unidos e a Europa é ruim.
Além disso, terá razão quem reclamar deste texto, porque teme que ao pagar mais imposto o dinheiro termine alimentando a corrupção. Foram muitos casos nos anos recentes. Corrupção aumenta a desigualdade, a indústria naval aumenta a desigualdade, o fechamento das importações aumenta a desigualdade, o conteúdo nacional aumenta a desigualdade, o crédito para grandes empresas aumenta a desigualdade.
Mas, por favor, o bebê não pode ser jogado fora com a água do banho. Gastar inteligentemente para combater a desigualdade é bom para todos.
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