O município de Ubatuba, no litoral norte paulista, deve iniciar em breve estudos técnicos avançados para a instalação de uma planta de produção de hidrogênio verde (conhecido como H2V) em parceria com a ISCM Foundation, instituição belga sediada em Bruxelas.
A unidade deve envolver até 4 bilhões de euros (R$ 21,6 bilhões) em investimentos da ISCM —grande parte já captada. A organização sem fins lucrativos foi criada em 2012 por banqueiros europeus para desenvolver projetos, muitos deles em países emergentes, que remunerem seus investidores e levantem recursos para a ISCM coordenar ações de sustentabilidade e educação onde atua.
Segundo o holandês Zsolt Nyiri, presidente do conselho de administração da ISCM, a primeira fase do projeto deve estar concluída em 14 meses e inclui a escolha de empreiteiras e local para a instalação da planta de produção.
O objetivo é produzir o H2V e exportá-lo para a União Europeia. O grupo de 28 países, que subsidia fortemente sua transição energética, espera conseguir produzir apenas 50% de sua necessidade de consumo de hidrogênio verde até 2030.
O contrato entre a ISCM e Ubatuba deve vigorar por 30 anos, renováveis por mais 30. O encaminhamento jurídico e político (na Câmara dos Vereadores) já foi concluído, segundo o prefeito do município, Márcio Maciel (MDB).
Segundo Nyiri, o dinheiro envolvido está sendo levantado pela ISCM Investments entre investidores privados e organismos financeiros internacionais, como o Banco Europeu de Investimento, que financia projetos em benefício da UE dentro e fora de suas fronteiras, e o Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento, com projetos em 27 países.
Inicialmente, a produção do H2V se dará pela eletrólise convencional hoje disponível, em que uma fonte de eletricidade limpa (hidráulica, solar ou eólica) quebra a molécula de água (H20), separando o hidrogênio do oxigênio. Mas a ISCM prevê utilizar em Ubatuba mais à frente tecnologia recém-patenteada que aumenta a eficiência da eletrólise em 6,6 vezes, segundo Nyiri.
Pelo contrato, a ISCM ficará com 10% dos resultados comerciais da venda do hidrogênio; e o valor será totalmente revertido para ações de sustentabilidade em Ubatuba, sobretudo na educação.
Segundo Nyiri, logo após o início do projeto, a ISCM destinará 30 milhões de euros (R$ 162 milhões) para ação conjunta com uma universidade brasileira para montar uma escola voltada principalmente ao empreendedorismo em Ubatuba.
Além dos 10% do lucro da operação a serem revertidos em projetos, outra grande vantagem para Ubatuba será a limpeza de um dos rios mais poluídos do litoral de São Paulo, o Acaraú. Ele deságua na orla central do município, o Itaguá, depois de receber resíduos e esgoto não tratado de bairros mais pobres como Sesmaria e Estufa 2.
Parte dessa água despoluída será usada na eletrólise. Com a nova tecnologia a ser utilizada, o empreendimento pode contar com mais de uma planta, e atuar também na limpeza do rio Grande, que deságua no centro.
O custo da despoluição dos rios faz parte do projeto, e não será bancado com os 10% dos resultados recolhidos pela ISCM.
A exportação do H2V será feita após sua conversão em amônia, que depois pode ser reconvertida em hidrogênio. Não está descartada a criação de um terminal para isso, mas o porto de São Sebastião é opção em estudo.
Projeto semelhante, numa área de 20 hectares, foi acordado no ano passado com a cidade mexicana de Matamoros. Neste caso, o contrato é de 25 anos e a água utilizada será a saneada de uma lagoa local, além de captação e dessalinização de água do Golfo do México —algo não descartado em Ubatuba.
Entre as maiores cidades turísticas do litoral norte, Ubatuba é a que tem o menor PIB (Produto Interno Bruto) per capita e sofre há anos com problemas como excesso de lixo e poluição da orla. No ano passado, o município instituiu a TPA (Taxa de Preservação Ambiental, que prevê arrecadar R$ 30 milhões/ano) para veículos que visitam a cidade.
Entre as cidades próximas, é a que menos recebe royalties pela exploração de petróleo e gás em sua costa —R$ 11 milhões em 2023, segundo a Agência Nacional do Petróleo. Ilhabela e São Sebastião arrecadaram R$ 303 milhões e R$ 163,2 milhões, respectivamente.
Nyiri mantém sob sigilo alguns aspectos do projeto, como a identidade de investidores privados. Sobre qual seria a margem de lucro da operação e a quantidade de hidrogênio a ser produzida, afirma que "a capacidade de produção será a necessária para pagar a solução para a despoluição da água em Ubatuba e o projeto".
Segundo Gustavo Medina, representante da ISCM no Brasil, com o projeto em Ubatuba, pode ser natural que outras prefeituras procurem a fundação para acordos. "Nosso desejo principal é que outras cidades e estados saibam que a fundação disponibiliza, sem interesse comercial, ajuda com soluções macro para situações de constrangimento orçamentário", diz.
Na outra ponta, afirma que há demanda para o resultado das parcerias. "A UE sabe que não dá para ter muitas plantas de hidrogênio na Europa por falta de água disponível, exceto em países como Polônia, Holanda e Alemanha. Os números [de eventual oferta e demanda pelo H2V na Europa] não fecham, e vai ser preciso contar com a produção de outros países", diz.
Segundo Maciel, prefeito de Ubatuba, as prioridades do município com o projeto seriam reforçar os sistemas de educação, saúde, proteção ambiental e zeladoria. A prefeitura considera positivo o fato de a ISCM Foundation ficar a cargo da escolha e acompanhamento de projetos em parceria com o município —o que limitaria o uso inadequado de recursos no futuro.
A prefeitura também já anunciou o início de um projeto de educação ambiental em escolas da cidade, com enfoque em energia limpa e hidrogênio verde. O programa prevê um workshop no Teatro Municipal com alunos da rede pública, educadores e a participação de membro da ISCM Foundation para detalhar o projeto ao público.
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