A França tornou-se o primeiro país do mundo a instituir na Constituição o direito ao aborto, que já havia sido legalizado lá nos anos 1970.
Com o anúncio, centenas de mulheres em manifestações públicas comemoraram. Como cada vez mais países seguem o caminho da liberação, cenas do tipo tornam-se comuns e irritam opositores: "Por que celebrar o assassinato de bebês?"
Entendo o questionamento. Se alguém acha que um embrião é uma pessoa, a consequência lógica é ver no aborto um homicídio. Logo, a indignação é legítima, mas a opinião que a sustenta não é unânime.
Para muitas das que celebram, o aborto não se refere a bebês. A legalização impõe limites que, no geral, variam entre 12 e 20 semanas de gravidez. Para elas, e para vários pesquisadores, o feto faz parte do corpo da mulher até que seja capaz de sobreviver fora dele. A mulher não é um mero jarro no qual uma planta se desenvolve sozinha, é o corpo da mulher que desenvolve a planta.
Pode-se criticar esse ponto de vista, claro, mas não faz o menor sentido concluir dele que defender a legalização é defender assassinatos.
Do mesmo modo, não se deve tachar de misoginia a oposição, dado que esta advém não do ódio ao sexo feminino, mas da consideração de que um embrião é um ser humano.
Mas esse é um erro de estratégia discursiva que muitas feministas cometem ao debater com alguém que é contra a legalização, assim como dizer que homens não podem opinar sobre o tema —o único homem proibido num debate livre de ideias é o ad hominem.
O que se comemora, portanto, é a autonomia sobre o próprio corpo e a garantia de que a interrupção da gravidez não será penalizada.
No caso da França, o Legislativo foi além, ao colocar a liberação na Carta Magna. Um feito inédito também digno de ser festejado. A partir de agora, o direito fica ainda mais protegido de oscilações ideológicas do Congresso e do Judiciário.
Este último, especialmente, está mais sujeito a variações (é mais difícil derrubar uma lei do que uma decisão judicial), como mostra a caso recente da Suprema Corte dos EUA, que em 2022 revogou seu entendimento de 1973 a favor da legalização.
E os motivos para comemorar não param aí. Proibir ou limitar excessivamente o aborto é comum em países de baixa renda ou autoritários. Exceto a europeia Polônia, todos estão na América Latina, na África, no Oriente Médio e no sudeste asiático.
Apenas 16 nações criminalizam em qualquer caso, entre elas, Egito, Iraque, Nicarágua, El Salvador, Laos e Haiti —esses epítomes da democracia e de economia pujante.
Cerca de 40 nações permitem sob rígidas restrições, como estupro e risco para a vida da gestante.
Nos EUA e no México, a lei se diferencia por estado. No restante do mundo, o aborto é legalizado, com variações no tempo de gravidez e outros limites leves. Isso faz com que 60% das mulheres em idade reprodutiva vivam em locais onde podem realizar o procedimento sem medo de serem punidas pelo Estado.
A criminalização mata. Não à toa, de acordo com a OMS, 97% dos falecimentos causados por abortos inseguros ocorrem em países de renda baixa e média. Na América Latina, 4 em 5 são assim.
Ou seja, a cada legalização, não se celebra o assassinato de bebês, mas uma medida de saúde pública capaz de reduzir de modo considerável a morte de mulheres, principalmente as mais pobres —o que não deveria causar espanto ou indignação.
Como parte da inic
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