O contêiner está apinhado de mulheres. Umas vestem o colete cor verde limão. Outras conversam com o capacete debaixo do braço. De lá, elas vão a outro espaço, para se certificarem diante do espelho se estão felizes com o reflexo.
A caminhada a seguir, em fila indiana, é de cerca de 300 metros, às margens do Rodoanel, em Osasco, para o canteiro de obras.
São oito engenheiras e técnicas comandando o trabalho de uma centena de homens na construção de faixa adicional do Rodoanel Mário Covas, entre os quilômetros 15 e 20 da pista externa. Projeto que também passa pelas cidades de Carapicuíba e Barueri, na Grande São Paulo.
No pico das obras, a expectativa é que sejam usados 120 profissionais da construtora FBS, contratada pelo Grupo CCR, concessionária das rodovias dos Bandeirantes e Anhanguera. A previsão é que tudo esteja finalizado em outubro de 2025.
"A gente não leva em conta o fato de ser mulher. Na hora do trabalho, fazemos o serviço com eficiência. Pouco importa se somos homens ou mulheres. A gente sabe se impor", afirma Cecília Gallo, engenheira, gerente de contrato e responsável pela obra.
Elas dizem que, apesar de não ser algo grandioso, é complexo. Serão construídos viadutos a serem erguidos no vão entre outros dois já existentes. Um dos canteiros é ao lado do terminal de ônibus municipal de Osasco, que continua em funcionamento. O tráfego de caminhões do Rodoanel é constante.
O ambiente da construção civil é historicamente masculino, e elas reconhecem isso. Todas têm histórias de barreiras superadas no decorrer dos anos —e após muita insistência. Não são apenas olhares atravessados (isso elas já estão acostumadas), mas desafios reais à autoridade.
"Já aconteceu de eu chegar na obra e perguntarem: ‘Onde está o engenheiro?’", relembra Fernanda Charette Tokuyama, 47, engenheira e coordenadora de planejamento da faixa adicional.
"Ouvi uma vez dizerem que não iam fazer o que eu estava dizendo. Achavam que não sabia o que dizia. Você tem de ganhar pelo argumento. Mostra que conhece do tema e tudo fica bem", acrescenta a engenheira de produção Agatha Pego Lopes, 30.
É algo comum entre elas. Cecília sorri ao pensar o que faria, hoje em dia, se lhe acontecesse algo semelhante. A tentação é grande de responder, com seu jeito direto de tratar a todos, que demitiria o subordinado no ato. Mas, depois de pensar por alguns segundos, repete que também mostraria com conhecimento técnico o motivo para ter dado a ordem.
"A gente passou por muita coisa. Eu faço isso há 23 anos", completa.
Pular de canteiro de obra em canteiro de obra, de projeto em projeto, faz com que Cecília não crie raízes. Nessas mais de duas décadas, ela morou em 25 cidades. Algo parecido ao que acontece com Agatha, que conta nos dedos os lugares que já viveu.
"Vou uma vez por mês ver minha família em Navegantes [Santa Catarina]. Poderia viajar em outros fins de semana, mas podem precisar de algo aqui na obra", diz.
Quem pode ter mais dor de cabeça, entre elas, é Daiane Lopes do Monte, 37. Não é nada pessoal. É pela natureza da sua função: supervisora de segurança do trabalho. É quem precisa alertar o tempo inteiro sobre situações inseguras.
"Eles escutam, porque entendem o sentido do que fazemos. Nem sempre é agradável, porque às vezes temos de mudar padrões que estão acostumados a fazer há anos. Mas faz parte. Hoje é bem mais fácil do que foi no passado", diz.
Há mais de uma década, era difícil encontrar botas de tamanhos menores ou equipamentos de segurança. Banheiro feminino nos canteiros era algo inexistente.
"Eu li na Folha uma matéria sobre as dificuldades das mulheres que trabalham no Porto de Santos. Não existiam banheiros para elas. Lembrei muito do que já passamos", diz Cecília.
Na obra da faixa adicional do Rodoanel, além do banheiro, há o contêiner com espelho para que possam se arrumar e chuveiros íntimos.
A relação com os homens é cordial, de brincadeira às vezes. O tempo de elas serem desafiadas ficou no passado. Dizem, de fato, que atualmente é muito mais difícil lidar com as demandas de clientes e de outros executivos homens do que com os operários.
"Você não pode ser tímida, ficar esperando que alguém vá perguntar a sua opinião. Se tem algo a dizer, diga", afirma Cecília.
"Ninguém vai te entregar nada de mão beijada", afirma Fernanda.
Todas são assertivas. Há uma empreitada a ser finalizada, fundações a serem colocadas de pé, porque o contratante quer saber "por que a obra não está andando", mesmo que tudo esteja dentro do cronograma acertado.
Com as mulheres reunidas no contêiner, Cecília agradece a todas e diz nunca ter trabalhado com uma equipe tão boa.
Um homem entra no espaço ocupado por elas. "Sua braguilha está aberta", avisa Agatha. "Desculpe."
O tom de voz não carrega nenhum tom de galhofa e ninguém ri. É pura seriedade e 100% praticidade. "Vamos lá. Agora, ao trabalho", ela pede depois de o "problema" estar resolvido.
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