A determinação do presidente Lula (PT) de evitar eventos oficiais em memória dos 60 anos do golpe militar levou o Ministério dos Direitos Humanos, comandado por Silvio Almeida, a cancelar uma solenidade marcada para 1º de abril.
De acordo com pessoas próximas a Almeida, o evento organizado pela pasta ocorreria no Museu da República, em Brasília, e estava previsto um discurso do ministro. A cerimônia exaltaria a luta de militantes e perseguidos pelo regime de exceção comandado pelos militares.
Auxiliares do ministros dizem que agendas paralelas à data do golpe, como reuniões ordinárias da Comissão de Anistia para julgamento de processos, devem ser mantidas.
A decisão de Lula de proibir atos alusivos ao golpe, revelada pela coluna Painel, da Folha, é mais um aceno do petista aos militares, classe com quem o governo manteve uma relação de atritos desde antes da posse.
Ainda de acordo com aliados do presidente, prevaleceu o argumento conciliador de que os militares estão melindrados com avanço das investigações sobre os ataques às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Nas palavras de um ministro, as feridas não foram cicatrizadas e não seria recomendável reabrir suas "casquinhas" para evitar sangramentos. Além disso, pesou a avaliação de que uma cerimônia oficial vistosa poderia provocar uma reação negativa da caserna, reacendendo uma crise só recentemente debelada.
Aliados do presidente afirmam que Lula também desencorajou manifestações das Forças Armadas celebrando o golpe —como ocorreu, por exemplo, durante o governo Jair Bolsonaro (PL), saudosista da ditadura.
Mesmo com o veto presidencial aos eventos em alusão ao aniversário do golpe, a Comissão de Anistia deve julgar, em 20, 21 e 22 de março e 2 de abril, uma série de processos sobre o período da ditadura militar.
As reuniões são ordinárias e fazem parte do cronograma do colegiado. Os membros da Comissão de Anistia, porém, querem aproveitar a semana do golpe militar para julgar processos considerados históricos em 2 de abril.
Dois deles envolvem reparações coletivas para os povos indígenas Krenak e Guyraroka, que foram alvo de militares durante a ditadura. Os processos foram abertos a pedido do MPF (Ministério Público Federal).
O regime militar (1964-1985) teve uma estrutura dedicada a tortura, mortes e desaparecimento.
Os números da repressão são pouco precisos, uma vez que a ditadura nunca reconheceu esses episódios. Auditorias da Justiça Militar receberam 6.000 denúncias de tortura. Estimativas feitas depois apontam para 20 mil casos.
Presos relataram terem sido pendurados em paus de arara, submetidos a choques elétricos, estrangulamento, tentativas de afogamento, golpes com palmatória, socos, pontapés e outras agressões. Em alguns casos, a sessão de tortura levava à morte.
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade listou 191 mortos e o desaparecimento de 210 pessoas. Outros 33 desaparecidos tiveram seus corpos localizados posteriormente, num total de 434 pessoas.
Silvio Almeida é o ministro do governo Lula que mais se empenhou em 2023 a falar sobre o golpe militar. Às vésperas do aniversário de 59 anos da ditadura, ele disse que a "história sombria" dos governos militares deve ser contada.
"A luta de um povo é fundamental para que os aspectos mais sombrios da história possam ser contados, superados e, mais do que isso, que seja passado um recado para as gerações futuras de que isso não será tolerado", afirmou Almeida durante visita ao Museu da Memória, na Argentina, que conta a história da ditadura no país.
Em sua posse no Ministério dos Direitos Humanos, Silvio Almeida disse em discurso que sua gestão iria honrar as pessoas que lutaram pela democracia, para que suas histórias não caíssem no esquecimento.
"Isso significa não esquecer da luta daqueles que foram presos, torturados e mortos pelo autoritarismo do Estado brasileiro, seja no Império, na dita Velha República, que criminalizar todos os aspectos da nossa existência ou na Ditadura Militar, que ceifou os melhores anos dos verdadeiros patriotas que ousaram se levantar contra a covardia dos poderoso", disse.
Procurado, o Ministério dos Direitos Humanos não se manifestou.
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