Prezado senhor,
Escrevo-lhe porque vi que, depois de se meter numa briga com os judeus, o senhor se explicou dizendo que nunca falou no Holocausto. Indo-se à literalidade de suas falas, a razão está consigo. Recapitulo.
Em Adis Abeba, o senhor disse o seguinte: "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus".
Dias depois, ao se explicar, o senhor esclareceu: "Não tentem interpretar a entrevista que eu dei. Leiam a entrevista e parem de me julgar a partir da fala do primeiro-ministro de Israel. [...] Primeiro que não disse a palavra Holocausto. Holocausto foi interpretação do primeiro-ministro de Israel. Não foi minha. A segunda coisa é a seguinte, morte é morte".
Senhor presidente, desse jeito, tudo se resumiu a cinco palavras: "Hitler resolveu matar os judeus". O senhor realmente acha que eu resolvi matar os judeus e disso resultou uma máquina que exterminou 6 milhões de pessoas?
Mataram-se judeus antes e depois de Hitler, mas só durante meu governo houve o que hoje se chama de Holocausto. Não há um sem o outro.
Durante todo o tempo que governei o Reich, persegui os judeus e tudo o que lhes aconteceu teve o meu estímulo e aprovação, mas lhe escrevo para esclarecer que nada do que aconteceu deveu-se apenas ao Hitler.
De novo, recapitulo, atendo-me ao período posterior à chegada dos europeus à terra que o senhor governa.
Na Páscoa de 1506, 2.000 judeus foram massacrados em Lisboa. Em 1647, foi queimado vivo no Terreiro do Paço Isaac de Castro, que havia vivido em Pernambuco e na Bahia. Em 1739, foi a vez de António José da Silva Coutinho, um judeu que nasceu no Rio e escrevia coisas para o teatro.
Aqui onde estou, convivo com vários papas, mas eles pedem que não os mencione. Eu tinha cinco anos de idade quando Edgar Degas, esse grande pintor francês, expulsou uma jovem do seu ateliê ao suspeitar que ela fosse judia.
No início do século 20, quando comecei a denunciar os judeus, não estava sozinho. O imperador da Alemanha, Guilherme 2º, vivia no exílio e dizia que, para aqueles "parasitas [...], acredito que o melhor tratamento seria o gás".
Eu, Adolf Hitler, nunca estive sozinho. Acho que os judeus devem ser expulsos da Palestina e, novamente, não estou sozinho. A guerra de Gaza prova isso.
Quando o senhor diz que resolvi matá-los, exagera. Transformar-me em bode expiatório é fácil, mas inútil. Veja o caso desse Adolf Eichmann. Ele deportou centenas de milhares de judeus para os campos de extermínio. Depois que os judeus o capturaram na Argentina, disse que não era antissemita, mas cumpria ordens minhas.
É verdade que cumpria ordens, mas veja a lista de presença na reunião que estruturou a burocracia da Solução Final, ordenada por mim. Ela se deu em Berlim, em 1942, com 15 participantes, inclusive ele. (Eu tinha mais o que fazer.)
Terminada a guerra, vim para cá e começou o despejo das responsabilidades para cima de mim. Dos 15, 2 já tinham morrido, 1 matou-se, 3 foram executados e outros 2 sumiram. Restaram 7. Todos pegaram penas leves. Um deles, depois de cumprir a pena, conseguiu um emprego público. Voltou a ser julgado e, em 1951, foi condenado a pagar uma multa de uns US$ 100 em dinheiro de hoje.
Boa sorte e Heil Hitler!
Adolf
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