quinta-feira, 1 de junho de 2023

O cromossomo Y está sumindo, CIÊNCIA FUNDAMENTAL, FSP

 Rossana Soletti

No último dia de agosto de 2011, duas geneticistas travaram um debate numa conferência internacional em Manchester, na Inglaterra. Enquanto Jennifer Graves defendia que o cromossomo Y dos mamíferos estaria fadado a um desaparecimento gradual — tanto que alguns roedores já sumiram do mapa devido a uma degeneração contínua e rápida desse cromossomo —, Jennifer Hughes, embora concordasse com o histórico degenerativo do cromossomo, argumentava que o fenômeno já estaria estagnado em humanos. Passada uma década, ainda não temos certeza a respeito do destino do cromossomo Y, a despeito de muitas pesquisas apontarem para seu contínuo apagamento.

O sexo dos animais é determinado por fatores ambientais como a temperatura, ou genéticos, por meio da combinação de cromossomos específicos, como o X, Y, Z e W. Entender todos os aspectos que regem a determinação sexual não é simples. O que encontramos nos livros de biologia é que em mamíferos o sexo é estabelecido por cromossomos sexuais, sendo um herdado da mãe (o X) e outro do pai (o X ou o Y).

Arte ilustra uma mulher vestida de mágica segurando uma varinha com uma mão e, com a outra, ela tira da cartola uma letra Y
Ilustração: Julia Jabur - Instituto Serrapilheira

Embora existam exceções, em geral as mulheres têm um par de X e homens um X e um Y. Há milhões de anos, os X e Y dos mamíferos eram muito semelhantes em tamanho e função, mas com o tempo o Y foi ficando para trás. Atualmente, o X humano abriga cerca de mil genes que codificam proteínas com diferentes papéis no organismo, da determinação da genitália ao desenvolvimento cerebral e à cognição. Já o Y ficou com somente cerca de 50 genes, incluindo o SRY, um dos responsáveis por comandar o desenvolvimento dos testículos.

Mas alguns mamíferos seguiram um caminho diferente. Ornitorrincos fêmeas, por exemplo, apresentam dez cromossomos X, e os machos, cinco pares de X e cinco pares de Y. No outro lado do espectro, uma espécie de toupeira da Europa perdeu em definitivo o cromossomo Y ao longo das gerações: machos e fêmeas carregam apenas um X, ou seja, outros cromossomos devem abrigar genes responsáveis pela determinação do sexo.

Além dessa toupeira, sabe-se que outra espécie de roedor, este no Japão, já não tem o antigo Y, o rato Tokudaia osimensis — ele não possui mais o gene SRY, e os genes encarregados da produção de espermatozoides foram translocados para um cromossomo compartilhado por machos e fêmeas. Os pesquisadores encontraram uma diferença entre os sexos no gene SOX9, que é duplicado nos machos. Humanos também possuem SOX9, que é ativado pelo SRY e tem um papel-chave na determinação do sexo masculino. Como os ratos japoneses perderam o Y e também o SRY, a hipótese é que a duplicação do SOX9 seja o botão que leva ao desenvolvimento da genitália nos machos.

Que futuro terá o Y entre os humanos? Estimativas que levam em consideração o surgimento dos cromossomos sexuais há 160 milhões de anos, e o tempo necessário para que o Y perdesse 95% de seu conteúdo, aventam que resta ao Y uma expectativa de vida entre 11 milhões a alguns milhares de anos. A possibilidade de seu fim é um fato, quando então formas alternativas de determinação do sexo tomariam seu lugar. Caso isso aconteça, outra mudança ainda maior pode surgir: se os novos sistemas evoluírem de modo desigual em distintas populações, espécies diferentes de humanos poderão surgir mundo afora...

Enquanto o papel do cromossomo Y segue garantido ao menos na atual geração, evidências recentes sugerem que alguns genes localizados nele podem estar relacionados a aspectos da saúde do homem, influenciando a resposta imune e inflamatória, e aumentando ou diminuindo o risco para certas doenças. Assim, com o desaparecimento do Y surgiriam outros complicadores.

Não sabemos se os homens XY existirão para sempre, mas nas próximas décadas a ciência deverá elucidar parte desse quebra-cabeças. Novos estudos já vêm reforçando a existência de genes relacionados ao desenvolvimento dos ovários e dos testículos que estão fora dos cromossomos sexuais, provando que os mecanismos de determinação do sexo são muito mais complexos e fascinantes do que se imaginava.

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Rossana Soletti é doutora em ciências morfológicas e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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