quinta-feira, 1 de junho de 2023

Os que invadem terras no Brasil não estão em barracas do MST, FSP

 

Bruno Stankevicius Bassi

Pesquisador e coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas, que documenta as impressões digitais do agronegócio nos conflitos agrários e no lobby político em Brasília

Existe no Brasil um surto de invasão de terras. Todo ano, milhares de hectares são tomados por criminosos —muitas vezes utilizando de violência e ameaça à vida. Não raro, com apoio explícito do Estado brasileiro.

Segundo a narrativa imposta pelos líderes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) —a face institucional por trás do lobby político de latifundiários e megacorporações agrícolas—, a grande ameaça para a segurança pública brasileira são as ocupações de fazendas improdutivas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e por outras organizações do campo. Junto à ala bolsonarista da Câmara, a FPA criou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sob medida para perseguir os movimentos de luta pela terra, equiparando sua ocupação ao crime de terrorismo.

Mas quem realmente invade terras no Brasil não são os sem-terra. Tampouco indígenas e quilombolas, também na mira da criminalização pela CPI.

Em 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, o observatório De Olho nos Ruralistas publicou o relatório "Os Invasores", revelando, com base nos dados fundiários do Incra, os nomes de pessoas físicas e jurídicas responsáveis por 1.692 fazendas incidentes em 213 terras indígenas (TIs) homologadas ou em processo de homologação pela Funai.

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Placa indicando estrada vicinal dentro da Terra Indígena Apyterewa (PA) com marcas de tiro e um adesivo de apoio a Bolsonaro - Lalo de Almeida - 20.jul.20/Folhapress

Ao todo, as áreas de sobreposição de imóveis privados em TIs somam 1,18 milhão de hectares —do tamanho do Líbano. Considerando apenas as áreas incidentes em TIs com processo de demarcação concluído, são 53,6 mil hectares —o equivalente à área urbana do Rio de Janeiro. O registro de imóveis rurais sobrepostos a TIs homologadas constitui crime federal.

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Entre os beneficiários diretos e indiretos da espoliação estão megainvestidores, como Jorge Paulo Lemann, o novo "dono" da Eletrobras, que herdou um conflito histórico com o povo avá-canoeiro, em Goiás, uma das seis TIs homologadas em abril deste ano. Também compõem o estudo nomes de destaque do agronegócio, como José Maria Bortoli, sócio do grupo Bom Futuro, terceiro maior produtor de soja do país e fornecedor premium da Cargill. Bortoli foi doador de campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro e é proprietário de uma fazenda sobreposta à TI Enawenê-Nawê, em Mato Grosso, regularizada desde 1996. Há ainda subsidiárias das multinacionais Bunge e Syngenta, donos de espaços culturais badalados, madeireiros, exportadores de frutas e políticos.

O mesmo Brasil que ignora as invasões dos territórios tradicionais é aquele que fecha os olhos para o roubo de terras públicas pelo agronegócio.

Em São Paulo, o governador Tarcísio Freitas (Republicanos) resolveu premiar grileiros da região do Pontal do Paranapanema, no Oeste do estado, concedendo um desconto de até 90% para quem quisesse "regularizar" suas terras, usando uma lei aprovada pelo antecessor, João Dória (PSDB), e que pode ser derrubada nas próximas semanas pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo noticiado pela Folha, o presidente do Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), Guilherme Piai, convocou fazendeiros a agilizarem seus processos "antes que a lei caia".

Novamente, os principais beneficiários não são acampados do MST. Entre os donos de terras no Pontal figura Jovelino Mineiro, sócio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em empreendimentos de pecuária bovina, conforme exposto no livro "O Protegido: por que o país ignora as terras de FHC" (Autonomia Literária, 2019), do jornalista Alceu Luís Castilho. A esposa de Jovelino, Maria do Carmo Abreu Sodré, é herdeira do clã que domina a região —um império formado majoritariamente através da grilagem de terras.

O filho do casal, Bento Mineiro, é amigo íntimo de Ricardo Salles (PL-SP), relator da CPI do MST. Juntos, eles formaram a Rural Jovem, uma divisão da Sociedade Rural Brasileira. Esta, por sua vez, é uma das financiadoras —através do Instituto Pensar Agro— do lobby ruralista encabeçado pela FPA no Congresso.

Como sempre, o ciclo da invasão recai sobre os mesmos atores. E nenhum deles está em um barracão do MST.


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