Ao
realizar uma viagem nas proximidades de Perito Moreno na Argentina conheci um
senhor que mantinha fácil e simples comunicação com todos aqueles que visitavam
aquela galáxia - uma das mais belas do mundo. Perguntei se não poderia me
revelar uma frase para que pudesse levar para o Brasil. Respondeu
afirmativamente, declamando:
“Se
os homens parassem de atirar pedras eu gostaria de ser pássaro, mas, se os
homens parassem de atirar pedras eu gostaria de ser homem”.
A
frase transmite uma reflexão não apenas binária, mas especialmente universal, ou
seja, “os homens não apenas atiram pedras nos pássaros, mas também em outros
homens”. Assim não basta desejar que pedras não sejam atiradas apenas contra
pássaros, mas, também contra outros homens, para que haja paz. O tema autoriza
concluir que há homens que atiram pedras e quase sempre contra outros homens. E
seguramente esta é a ideia conclusiva que encontro no discurso sintético feito
pelo meu amigo que vive no meio das geleiras de Perito Moreno.
Ampliando
minha viagem pelos caminhos platinados, acabei adquirindo as Obras Completas do
extraordinário autor argentino Jorge Luis Borges que, sobre ser cego, era a
principal autoridade da Biblioteca de Buenos Aires, segundo se retira das
publicações autorizadas. O livro, muito extenso, é composto tanto por poemas,
como por reflexões muitas delas filosóficas. Ali se encontra “Uma nova
refutação do tempo” que frequentemente ressuscita em minha memória.
Jorge
Luís Borges, já pelo título, transmite o que muito outros autores, antes dele,
negaram a existência do tempo, levados por caminhos tão diversos que são
identificados pelas suas patentes diferenças. Talvez porque o tempo deve ter
tantas e inúmeras faces que impede ser identificado através de qualquer uma
delas!
Suponho
que tenho compreendido a reflexão de Borges para dela extrair que podemos- ou
até devemos – negar a existência do tempo que passa sob a nossa caminhada. Mas
não podemos jamais negar a existência da “memória” onde depositamos pedaços dos
tempos que ou encantaram a nossa vida ou a mergulharam em dores inesquecíveis.
A “memória” é o arquivo do “tempo” que desaparece ao trilhar as voltas que
damos ao caminhar.
Neste
sentido dizia o grande poeta espanhol Antônio Alberto: “caminante, no hay
camino, se hace el camino al andar, al andar se hace el camino, y al volver la
vista atrás, se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar”."Caminhante, não há caminho, o caminho se faz andando, o caminho se faz andando, e quando você olha para trás, vê o caminho que nunca mais deve ser trilhado."
Retorno
a Borges na sua refutação do tempo. Registra o grande literato que, muito
embora cego, ao passar por determinada esquina de Buenos Aires, sente bater no
seu peito a dor resultante da perda de um grande amor. Mas se sente ainda a perda
de um grande amor, como negar a existência do tempo?
O
tempo não existe porque o caminhar esfumaça a sua concretude. Portanto, a perda
ou a conquista de um grande amor no passado permanecem presente na memória e
não mais no tempo que já evaporou. Insinua o grande mestre que nem o amor e nem
o desespero permanecem no tempo, mas sim na memória de cada um. Marca a sua
obra concluindo que “nunca se perde aquilo que um dia se teve”. O tempo não
mata o amor ou o sofrimento que permanecerão para sempre na memória do
caminhante especialmente daquele que não mais joga pedras nem nos pássaros e
nem nos homens.
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