segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Medo de caça às bruxas e ações de radicais são os primeiros desafios do novo comandante do Exército. Marcelo Godoy OESP

 O medo de uma caça às bruxas no Exército e a necessidade de contenção de extremistas são ameaças que o novo comandante, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, vai enfrentar. Após a demissão do general Júlio César de Arruda, integrantes da ativa continuam a fazer críticas ao governo. Contê-los será um desafio. Ao mesmo tempo, setores petistas defendem a degola de outros oficiais, além do afastamento do tenente-coronel Mauro César Cid do comando do 1.º Batalhão de Ações de Comando (1.º BAC).

O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que foi nomeado no sábado por Luiz Inácio Lula da Silva
O novo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, que foi nomeado no sábado por Luiz Inácio Lula da Silva 

Trata-se aqui de um erro. Há fatos suficientes contra militares que compareceram ou incentivaram os eventos do dia 8, a intentona bolsonarista, como os coronéis Adriano Testoni e José Placídio. Eles devem ser punidos. Mas não há provas que comprometam, por enquanto, os integrantes do Comando Militar do Planalto (CMP). Foi por iniciativa do general Geraldo Henrique Dutra Menezes, comandante do CMP, que três subunidades do Batalhão da Guarda Presidencial estavam de prontidão no dia 8.

Foi ainda por ordem do general que os dois primeiros contingentes extras para proteger o Palácio do Planalto foram enviados contra os extremistas, antes de serem solicitados pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Este sim dispensou reforço no prédio 20 horas antes da invasão. Aqui se deve indagar por quê. Falha houve na inteligência. E seus culpados devem ser procurados no Centro de Inteligência do Exército (CIE), nos órgãos de inteligência federais e nos das polícias do governo do Distrito Federal.

Sem as informações corretas, Dutra e outros não tinham como dispor dos meios adequados no terreno a fim de defender a sede do Poder Executivo. A caça às bruxas se alimenta ainda do clima que tomou conta das Forças Armadas, logo após a eleição presidencial. Esta mal havia acabado quando o coronel de um dos Batalhões de Polícia do Exército (BPE), do Comando Militar do Leste (CML), resolveu gravar dois áudios e compartilhá-los no grupo de sua turma de Academia das Agulhas Negras (Aman).

“Ora, senhores, será que ninguém viu o que aconteceu? Será que ninguém viu que as eleições foram ganhas com uma diferença de 1 milhão e 800 mil votos?” O oficial prossegue, levantando suspeitas sobre a lisura da votação no Nordeste, área que deu ampla vitória a Luiz Inácio Lula da Silva: “Será que ninguém viu que muitos desses votos foram comprados com dinheiro apreendido em rodovias? O monte de transporte de gente, que é comum no Nordeste? Meus amigos que serviram no Nordeste podem confirmar isso”.

Depois, o coronel criticou as decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tirou do ar perfis de redes sociais que espalhavam notícias falsas sobre as urnas eletrônicas. “Será que ninguém viu que isso mudou as eleições, que todos os apoiadores foram cerceados, que não puderam falar, tiveram seus canais bloqueados, jornalistas afastados? Será que ninguém viu que um preso foi solto? Será que vamos ficar à mercê de uma parcela que não representa a maioria? Vamos ser governados por aquela equipe toda que apareceu na televisão, aquele cara lá que apareceu com dinheiro na cueca? Será que ninguém viu isso?”

O oficial pergunta aos colegas o que eles pensam do silêncio do então presidente Jair Bolsonaro, criticando o que lhe parece ser a omissão dos chefes. “É por isso que queremos ouvir o que vocês acham, porque até agora o presidente não se pronunciou. Ninguém tá vendo o que está acontecendo não?” Ele então conclui: “Se ninguém viu, eu vou dizer para vocês: existe dúvida sobre a legitimidade desse processo. Existe dúvida sobre a legitimidade do que ocorreu”. Os áudios do coronel do BPE mostram a penetração do radicalismo nos grupos de aplicativos de mensagens de oficiais do Exército nos dias que antecederam a posse de Lula.

Lula recebe o general Tomás em Brasília, após nomeá-lo comandante do Exército, no sábado
Lula recebe o general Tomás em Brasília, após nomeá-lo comandante do Exército, no sábado 

Em outro grupo, um capitão de mar e guerra do quadro técnico da Armada escreveu, ao ver Lula discursando no parlatório do Palácio do Planalto: “Hora do sniper”. Um coronel do quadro de Material Bélico do Exército mandou mensagem nesse mesmo dia a um colega que sugeriu um atentado: “Esse é o momento”. Os dois oficiais da ativa fizeram os comentários no momento em que Lula já havia prestado o juramento constitucional e tomado posse como presidente. E como comandante em chefe das Forças Armadas.

Foram comentários em um grupo privado de militares. Representariam uma impropriedade, se fossem obra de cidadãos comuns. Mas ditas por militares que portam armas com a responsabilidade de defender a Constituição e os Poderes da República as frases soam como uma ameaça desleal e incompatível com a farda. A coluna teve acesso às mensagens. Como os áudios do coronel do BPE, elas ajudam a compreender os muitos militares que simpatizavam com as pessoas na frente dos quartéis e, assim, se mantiveram sem perceber a escalada de radicalização que se seguiu entre os acampados, levando até a atos terroristas.

Erro de avaliação – além da simpatia – foi responsável em parte pelo apagão da inteligência militar diante dos extremistas. Mas não só. Havia oficiais no CIE que trabalhavam em dezembro com o cenário de que um golpe estava sendo preparado. Um deles alertou um interlocutor civil. Foi nessa época que o então ministro da Justiça Anderson Torres recebeu a minuta de decreto de Estado de Defesa, apreendida em sua casa. Preparava-se um golpe em Brasília. Disso a maioria do Alto Comando do Exército não tem mais dúvida.

O tenente-coronel do Exército, Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro durante cerimonia no Palácio do Planalto
O tenente-coronel do Exército, Mauro Cesar Barbosa Cid, ajudante de ordens do presidente Jair Bolsonaro durante cerimonia no Palácio do Planalto 

Até porque os generais se recusaram a virar a mesa, como era desejado pelos bolsonaristas que acampavam nos quartéis. E pelos oficiais da ativa e da reserva que se manifestavam publicamente ou de forma reservada em redes sociais. Militares e bolsonaristas montaram uma campanha de assédio aos generais contra a vitória de Lula. Inconformados com o fracasso, passaram difamar integrantes do Alto Comando que julgavam tê-los traído. Passaram a designá-los como melancias, caso dos generais Tomás, Richard Nunes e Valério Stumpf.

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