quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Greve geral na França desafia reforma da Previdência de Macron e promete caos, FSP

 Fernanda Mena

TOULOUSE (FRANÇA)

O fantasma de grandes manifestações contra o governo, que os coletes amarelos fizeram ser uma das marcas do primeiro mandato de Emmanuel Macron na França, agora rondam seu segundo governo. O país enfrenta nesta quinta-feira (19) uma greve geral, convocada em reação à reforma da Previdência anunciada no último dia 10 pela primeira-ministra, Elisabeth Borne.

Trata-se da primeira paralisação a unificar as principais centrais sindicais francesas em 12 anos. O presidente, que desde a vitória na eleição de 2022 enfrentou o revés da perda da maioria no Legislativo e os impactos amargos da Guerra da Ucrânia na Europa, agora vê uma articulação que promete gerar uma quinta-feira caótica no país.

Escolas devem fechar, parte dos serviços de transporte e saúde será suspensa e o trabalho dos correios ficará interrompido, bem como o dos setores de energia e petróleo. "Será uma mobilização muito, muito grande", afirmou à rádio France Info o sindicalista Philippe Martinez, secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). "Diante de uma reforma tão séria, é um sinal importante que todos os sindicatos estejam unidos."

Movimentação em estação de metrô em Paris na véspera de greve geral convocada contra reforma da Previdência - Gonzalo Fuentes - 18.jan.23/Reuters

Os indícios de adesão maciça de trabalhadores aos protestos devem marcar o início de uma campanha que pretende continuar até fevereiro —e que tem tudo para ressuscitar as revoltas que geraram convulsão em 2018 depois do anúncio do aumento de uma taxa sobre combustíveis.

Revelados os planos de reforma no dia 10, os coletes amarelos já deram as caras em Paris e cidades como Toulouse, a quarta maior da França, onde uma marcha no último fim de semana fechou ruas do centro sob gritos contra Macron e sua proposta para a Previdência.

Diante de um cenário explosivo, em meio a uma população já enfurecida pela alta nos preços de alimentos e combustíveis, analistas têm sido cautelosos ao avaliar que proporções a greve pode tomar. Na saída da reunião do conselho de ministros, nesta quarta (18), o porta-voz Olivier Véran deu o tom da relação do Eliseu com a frente grevista: "Não se pode confundir manifestação e direito de greve com bloqueio".

Menos ambiciosa do que a proposta defendida por Macron na campanha pela reeleição, a reforma anunciada pelo governo quer aumentar em dois anos a idade mínima para aposentadoria, de 62 para 64 anos, até 2030. Também pretende elevar o tempo exigido de contribuição para ter acesso à pensão completa, de 42 para 43 anos, antecipando essa mudança para 2027 —uma lei de 2014 prevê a medida apenas para 2035. Esta alteração atingiria mesmo trabalhadores que se enquadram em regimes especiais, que deverão ser extintos para os novos ingressantes no sistema previdenciário.

Segundo estimativas do Ministério do Trabalho, aumentar os anos de contribuição pode render um adicional de € 17,7 bilhões ao ano para os fundos previdenciários.

"Quando há mais idosos trabalhando, aumentamos nossa riqueza coletiva, porque há mais impostos", defendeu Borne. "Esses recursos podem ser usados para reduzir nosso déficit orçamentário e para áreas prioritárias da política financeira, como saúde, educação e transição ambiental."

Para Laurent Berger, secretário-geral da Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), o maior sindicato do país, trata-se de "uma reforma para equilibrar o Orçamento [do país] apenas nas costas dos trabalhadores".

A idade de aposentadoria na França é menor do que na maioria dos países europeus. Britânicos, por exemplo, têm acesso ao regime de Previdência aos 66 anos, e os italianos, aos 67.

Macron já havia apresentado uma primeira proposta de reforma do setor em 2019, no primeiro mandato. Na ocasião, enfrentou ruas tomadas por manifestações e a mais longa greve nos transportes da história da França. O início da pandemia de Covid-19, então, o fez colocar os planos de volta na gaveta.

Quase quatro anos depois, o presidente francês afirmou, em seu discurso de Ano-Novo, que a reforma é "essencial para salvar o sistema" previdenciário e equilibrar as contas do Estado. Talvez antevendo ruídos, pediu ainda que a população se mantivesse unida.

Dias depois, a primeira-ministra explicou que, pelo modelo atual, "os membros ativos financiam as pensões dos membros aposentados". E continuou, argumentando em defesa das mudanças que viriam na proposta: "Estamos vivendo cada vez mais tempo, portanto o número de trabalhadores em relação ao número de aposentados está diminuindo constantemente".

Funcionários de loja de Paris instalam tapumes na vitrine para evitar depredação em protestos contra a reforma da Previdência - Alain Jocard - 18.jan.23/AFP

Aos ouvidos dos franceses, no entanto, a fala soou como desculpa para a retirada de direitos. Em um comunicado conjunto, as principais centrais sindicais do país classificaram a reforma como brutal e sem justificativa, alegando que ela vai atingir duramente todos os trabalhadores.

"Se vivemos mais do que nos anos 1950, por outro lado somos muito mais produtivos", rebateu a CGT em outra nota. "Produzimos mais riqueza por meio de nosso trabalho, e ninguém pode contestar isso. Em teoria, temos os meios para financiar a aposentadoria."

Segundo pesquisa encomendada pelo jornal econômico Les Echos, o mais importante na área, 61% dos franceses concordam que alguma reforma da Previdência é necessária ao país, mas 66% discordam da mudança na idade mínima e 60% rejeitam o aumento no tempo mínimo de contribuição.

Para além da pressão das ruas, a proposta da dupla Macron-Borne também uniu os partidos de oposição, embaralhando campos políticos antagônicos. "É uma grave regressão social", disse Jean-Luc Mélenchon, líder da legenda de ultraesquerda França Insubmissa. Do lado oposto, Jordan Bardella, presidente da Reunião Nacional de Marine Le Pen, usou os termos "injusto e brutal" para definir o texto.

Completando o cenário, o presidente centrista aparece com a popularidade em baixa nas pesquisas, o que impõe dificuldades extras aos planos reformistas em um cenário em que não há maioria no Parlamento —perdida apenas dois meses depois de sua reeleição, em 2022.

A proposta deve ser apresentada formalmente ao conselho de ministros no próximo dia 23, para então seguir à Assembleia Nacional, onde Macron espera obter o apoio da direita para aprovar o texto ainda no primeiro trimestre. Durante esse tempo, a união dos sindicatos da França não deve dar trégua.


PRINCIPAIS MEDIDAS DA REFORMA PROPOSTA POR MACRON

  1. Mudar progressivamente a idade da aposentadoria: de 62 anos hoje, chegaria a 64 em 2030. A idade mínima aumentará em três meses por ano a partir de 1º.set.2023
  2. Aumentar o tempo mínimo de contribuição para ter acesso a pensão na íntegra: de 42 anos hoje, passaria a 43 em 2027. O tempo de contribuição aumentará três meses a cada ano
  3. Quem começou a trabalhar cedo, entre 14 e 16 anos, poderá se aposentar ao completar 58 e 60 anos, respectivamente

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