As movimentações nos principais cargos da Polícia Civil de São Paulo, realizadas nos primeiros dias do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), indicam a falta de espaço na gestão do novo secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, aos delegados tidos como desafetos da Polícia Militar.
Na lista de novos diretores da instituição, por exemplo, chama a atenção a ausência de delegados que ocupavam cargos de relevo na polícia havia anos, como o antigo delegado-geral Ruy Ferraz Fontes e a adjunta, Elisabete Sato, ambos com históricos de desavenças com os militares.
No início do mês, também perdeu a titularidade da seccional centro o delegado Roberto Monteiro, que ganhou projeção em 2022 com as operações de combate ao tráfico de droga na região da cracolândia, mas também gerou um mal-estar com policiais militares por uma série de declarações.
As mudanças agradaram a integrantes da cúpula da PM que há muito tempo tentavam afastar alguns desses delegados, tidos como vozes críticas da corporação.
Segundo a Folha apurou, oficiais da PM chegaram a montar, em 2018, um dossiê contra Ferraz Fontes e entregaram as informações ao governador eleito João Doria (então no PSDB), para tentar demovê-lo da intenção de indicá-lo à delegacia-geral. O dossiê trazia dúvidas sobre a integridade do policial.
A iniciativa acabou não surtindo efetivo, porque o delegado era homem de confiança do então secretário-executivo da Polícia Civil, Youssef Chahin, braço direito do secretário da Segurança à época, general João Camilo Pires de Campos, e ligado ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
Atualmente, Fontes está licenciado da polícia. Aceitou o convite para ser secretário de Administração na Prefeitura de Praia Grande (litoral paulista) e deve ser aposentar ao final do prazo da licença.
A colegas Fontes disse ter recebido convites para assumir alguma posição de destaque na polícia, até de diretoria, mas declinou. Disse ter decidido pedir afastamento ao tomar conhecimento da indicação de Derrite para o comando da Segurança. Não queria ser chefiado por um oficial da PM tido como bolsonarista raiz.
Assim, Derrite não teve desgaste para afastar o delegado.
Já Elisabete Sato, por sua vez, considerada uma das mais importantes delegadas de São Paulo, perdeu o comando do DHPP (homicídios) e foi nomeada para uma função burocrática na Academia da Polícia Civil.
O tratamento dispensado pela gestão Derrite à delegada foi visto por membros da polícia como injusto, até pela história da policial. Ela merecia, segundo eles, uma posição de cúpula. A própria delegada, segundo a Folha apurou, esperava mais reconhecimento.
O histórico de mal-estar de Sato com a PM vem de longa data. Em 2017, durante evento público ao lado de oficiais da PM, Sato afirmou, conforme relato de investigadores, que nem mesmo a Rota (tropa de elite da PM) estava conseguindo entrar na favela de Paraisópolis, na zona sul da capital, em razão do domínio do crime.
Na tarde do mesmo dia, integrantes da PM realizaram uma grande operação na favela para demonstrar que a versão da delegada estava errada.
Apesar de pouco tempo com cargo de destaque na capital, Roberto Monteiro conseguiu desagradar a muitos policiais militares no ano passado, segundo a Folha apurou, durante os trabalhos de combate ao tráfico de drogas na região conhecida como cracolândia, por meio da Operação Caronte.
O delegado-seccional não teria reconhecido o trabalho da PM durante entrevistas, e, ao mesmo tempo, não economizava críticas à corporação quando falava de problemas no policiamento preventivo. O desgaste avançou a ponto de Monteiro passar a receber apenas apoio da GCM (Guarda Civil Metropolitana) nas operações.
Após a saída do delegado, a PM voltou a atuar fortemente na região.
Monteiro também assumirá um cargo burocrático, no DAP (Divisão de Planejamento e Controle do Departamento de Administração e Planejamento).
Fontes, Sato e Monteiro foram procurados pela Folha, não quiseram comentar o assunto.
Em nota, a Secretaria da Segurança informou que as trocas na Polícia Civil foram feitas por critérios técnicos.
"A Polícia Civil do Estado de São Paulo é uma instituição centenária, composta por homens e mulheres vocacionados à causa pública, essenciais à Justiça e à segurança pública paulista. Todas as movimentações da Polícia Civil, incluindo as da cúpula, são baseadas em critérios técnicos, na experiência e capacidade dos profissionais indicados."
Em entrevista à Folha na semana passada, Derrite disse que as trocas são de responsabilidade do novo delegado-geral, Artur Dian, que teria recebido "carta-branca" para indicar todos os cargos. Sobre Ruy Ferraz Fontes, disse que não o reconheceria se cruzasse com o delegado pela rua.
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