Por Micaela Santos
As fontes renováveis de energia são o presente e, ao mesmo tempo, o futuro. A urgência no combate às mudanças climáticas e a crise energética, agravada com a guerra da Ucrânia, mostram que o planeta precisa caminhar em direção à energia 100% limpa. Rapidamente. Segundo a previsão da Agência Internacional de Energia (AIE), a energia renovável em geral se tornará a maior fonte de geração global de eletricidade até 2025. Entre os tipos de fonte, a solar vive seu grande momento. No mundo, a energia gerada a partir da luz do Sol deve superar o uso do carvão até 2027. No Brasil, o setor brasileiro também está em franca expansão. Mas os benefícios financeiros de quem faz essa transição estão mudando. E podem inibir esse crescimento.
A instalação de painéis solares para fugir da conta alta de energia elétrica tem sido um fator decisivo para o interesse do consumidor comum, como eu e você, em gerar sua própria energia solar, em casa ou no comércio. Só que esse painéis são caros. E uma série de isenções em taxas na “devolução” da energia excedente para a rede elétrica fazia esses custos compensarem. Foi assim que a energia solar fotovoltaica atingiu 23,9 gigawatts (GW) de capacidade instalada no Brasil, ultrapassando a energia eólica e tornando-se a segunda maior fonte de geração do Brasil, atrás da hidrelétrica, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Foram mais de R$ 45,7 bilhões em investimentos no setor em 2022, um recorde e um crescimento de 64% em relação ano anterior.
Desses 23,9 GW, 16,2 GW são da geração distribuída —essa de instalações domésticas ou em pequenas empresas. E a procura por painéis solares tem sido tão forte que cresceu 64% em menos de um ano no país. É justamente uma alteração nesse setor que pode tornar a modalidade menos atrativa.
O marco legal da geração distribuída
A geração distribuída significa, na prática, gerar nossa própria energia elétrica. Essa energia é gerada no local de consumo ou próximo a ele, sendo válida para diversas fontes de energia renováveis, como a hídrica, a eólica e a solar. A fonte de energia é conectada diretamente à rede de distribuição local convencional e pode ser compartilhada. Isso permite consumirmos energia elétrica quando está escuro. Além disso, o consumidor recebe um crédito na sua conta pelo saldo positivo de energia gerada e inserida na rede.
Nos últimos 10 anos, o setor de geração distribuída no Brasil vinha se organizando por meio de resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Até que dois anos após o início das discussões, em janeiro do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou o marco legal da geração própria de energia, microgeração e minigeração distribuída por meio da lei nº 14.300/22.
“Antes do marco, havia uma instabilidade muito ruim para o setor. As resoluções poderiam ser alteradas a qualquer momento sem um debate amplo. Estamos falando de um setor com grande volume de investimentos por vários anos, que até então era regulado por uma resolução fraca e sem segurança jurídica", explica Guilherme Chrispim, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída.
De modo geral, quem tem placa solar ou outra fonte de energia renovável abastece a unidade consumidora, no caso a residência, e o excedente é conectado numa rede de distribuição de uma concessionária. E é aí que o novo marco legal entra, para estruturar esse segmento. A distribuidora agora vai cobrar para permitir que a energia possa ser injetada na rede de dia e depois utilizada quando não estiver sol. Até então, esse sistema de compensação não tinha custo para o consumidor.
Segundo o texto aprovado, os consumidores que produzem a própria energia passarão por uma transição que permite a eles pagar a tarifa sobre a distribuição da energia própria gerada. Isso se dá por meio da tarifa TUSD Fio B, ou Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição.
Taxação do Sol
Esse novo modelo gerou conflitos no setor. Afinal, é dinheiro no bolso das distribuidoras e um novo encargo para o consumidor. Para o presidente da ABGD, não se trata de “taxação do Sol”, mas sim do pagamento de um tributo feito pelo consumidor pelo serviço fornecido pelas distribuidoras. “É uma relação justa. À noite, quando a instalação não gera mais energia a partir do Sol, quem vai fornecer energia elétrica para o consumidor? As distribuidoras. É justo que elas sejam remuneradas.”
O Movimento Solar Livre, um dos que agregam consumidores contrários à taxação, fez um levantamento que aponta que 96% da geração distribuída da classe residencial atende a consumidores das classes C, D e E e apenas 4% atende as classes A e B. Embora favorável ao marco legal, o MSL diz que os cálculos favorecem os lucros das distribuidoras. A entidade lutou para que o prazo para o fim da isenção nas taxas fosse prorrogado.
Um consumidor costuma pagar pela energia consumida, pelo custo da transmissão e pelos investimentos que uma distribuidora faz para montar a rede de distribuição. Com o novo marco, o consumidor tinha um prazo para solicitar a instalação de placas solares com a isenção na taxa de distribuição de energia: até 6 de janeiro. A isenção de quem solicitou até essa data é válida até 2045. Agora, quem solicitar passa a pagar uma taxa gradual de 4,1% na energia que for injetada na rede para custear a infraestrutura elétrica. Em 2030, essa taxa chega a 27%.
Para Márcio Takata, conselheiro da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), a redução dos custos de instalação das placas solares e ampliação no número de empresas no setor permitiram que a energia solar fosse cada vez mais uma alternativa para a redução dos custos de energia elétrica das grandes concessionárias. Mesmo com o fim da isenção, a geração própria de energia ainda tem sua atratividade, seja do ponto de vista econômico ou ambiental. "O que deve acontecer é uma redução parcial da atratividade, mas que não será tão impactante a ponto de desestimular o modelo de geração distribuída no Brasil”, acredita Takata.
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