quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Trigo chega ao Nordeste com alta produtividade e custos mais baixos, FSP

Viviane Taguchi
SÃO PAULO

Produzir trigo, cultura típica de locais frios, na região mais quente do país, ou frutas tropicais em áreas de cerrado, com clima seco. Há cinco anos, tais práticas eram excentricidade, mas hoje são uma realidade que vem conquistando produtores nas regiões do Matopiba (confluência dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

expansão das fronteiras agrícolas forma novos polos e mostra que tecnologias como o melhoramento genético de sementes, técnicas de cultivo e mecanização podem reduzir a demanda pela importação e realizar combinações agrícolas que ajudam no combate de pragas e doenças.

Foi o que ocorreu nos anos 1980 com a emigração de soja da região Sul para o Mato Grosso. Na década de 1990, a cultura se espalhou por outros estados do Matopiba e, a partir de 2010, para a região de Sealba (Sergipe, Alagoas e Bahia). Agora são os cultivos de inverno e frutas que se movimentam.

Ceará, Maranhão, Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte surgem como potenciais produtores de trigo, enquanto a região oeste da Bahia se transforma em um novo polo para a fruticultura irrigada.

Colheitadeira em lavoura de trigo
Cultivo do trigo ganha espaço em regiões do Nordeste. Primeira colheita na cidade maranhense de Balsas foi realizada no início de outubro - Gil Correia/Folhapress

Em Balsas (MA), sob o sol forte e em terras de baixa altitude, o empresário Alexandre Salles plantou, na segunda quinzena de julho, 100 hectares com as sementes BRS 264 (trigo pão), da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). A colheita da primeira lavoura de trigo já cultivada no estado foi concluída no início de outubro.

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“Fui chamado de louco por querer produzir trigo no Nordeste e coisas que nem posso dizer, mas depois que deu certo, a notícia correu o mundo”, disse o empresário.

A experiência teve início em 2019, quando Salles plantou trigo no Ceará em parceria com produtores de frutas. Começou com meio hectare, aumentou para cinco em 2020 e, em 2021, cultivou 30 hectares do cereal na entressafra do melão. A sua plantação “correu o mundo” por um bom motivo: a produtividade foi alta e o ciclo de produção, curto.

“Duas variedades apresentaram ciclo de 75 dias e produtividade média de 5.300 kg de trigo por hectare, e outra variedade, produtividade de 6.000 kg por hectare em um ciclo de 90 dias”, afirmou Salles.

Os resultados obtidos nas lavouras do Nordeste foram até 140% acima da média das plantações da região Sul.

“A média de produtividade das lavouras de trigo no Sul é de 2.500 kg por hectare, com ciclos de 140 a 180 dias”, comparou o empresário. “O trigo produzido mostrou uma qualidade superior, boa para panificação.” Salles é proprietário do Moinho Santa Lúcia, em Fortaleza (CE), e absorveu toda a produção.

Para 2022, ele e os parceiros pretendem aumentar a área cultivada no Maranhão para cerca de 300 hectares. No Ceará, haverá expansão para 100 hectares, e há planos para chegar a regiões como a Chapada do Apodi, no Rio Grande do Norte, e ao Piauí.

Os estados da região Sul respondem por 85% da produção nacional de trigo. Em 2020, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o país produziu 6,25 milhões de toneladas de trigo e, para atender a demanda de consumo interno, importou 5,88 milhões de toneladas, principalmente da Argentina.

O cereal é importado para produzir pão, que exige o tipo com força de glúten (w) acima de 250. O trigo brando, com w inferior a 250 e abundante no Brasil, é usado para produzir massas e biscoitos.

Osvaldo Vasconcelos Vieira, da Embrapa Trigo de Passo Fundo (RS), diz que, com o avanço da fronteira agrícola, será possível produzir o cereal para panificação no cerrado e ainda criar outros polos na região Nordeste, em Minas Gerais, Goiás e São Paulo.

“O trigo está começando a trilhar um caminho semelhante ao do milho, que era importado no passado e hoje o Brasil é o terceiro maior produtor e exportador do mundo”, disse Vieira. “O mais importante é que as variedades que estão sendo cultivadas apresentam uma qualidade excepcional e podem fazer frente ao trigo argentino.”

O trigo tropical desenvolvido pela Embrapa para o cerrado pode, no futuro, encerrar o ciclo de importações do cereal para suprir a demanda interna. “Considerando a área de trigo de sequeiro [sem irrigação], há mais de 2 milhões de hectares com capacidade para o cultivo no cerrado”. A meta, segundo Vieira, é alcançar um milhão de hectares cultivados até 2025.

O representante da Embrapa foi um dos pesquisadores responsáveis por desenvolver duas variedades cultivadas no Nordeste, a BRS 264 e a BRS 404. A tecnologia que permitiu a tropicalização do trigo veio do México.

“Com o melhoramento das sementes para o clima seco e quente que já desenvolvemos há 10 anos a partir de material do México e um ajuste na irrigação e adubação, a região pode ser a nova fronteira para o trigo”, disse Vieira.

As áreas cultivadas com trigo no cerrado somam 204 milhões de hectares (5% do potencial total para a cultura) e abrangem diferentes estados. A região do Planalto Central abriga a maior parte das lavouras, mas Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, e Rondônia também têm plantações irrigadas e de sequeiro.

De acordo com a Embrapa Trigo, em lavouras de sequeiro, a produtividade média é de 3.000 kg por hectare e em lavouras irrigadas, de 8.000 kg.

O trigo cultivado nas novas fronteiras agrícolas pode ter vantagens financeiras, disse Vieira, com a possibilidade de colheitas antecipadas.

“O cerrado é a primeira região a iniciar a colheita, no período seco, quando os moinhos têm pouco ou nenhum estoque”, explicou. “O produtor consegue melhores preços pela produção e facilidade na comercialização.”

Como o cerrado é mais próximo dos centros consumidores (São Paulo, Rio e Minas Gerais), o produto fica mais barato que o trigo do Sul e da Argentina, devido ao frete.

Na região oeste da Bahia, o trigo conquistou produtores de grãos porque, além da alta produtividade, promoveu benefícios como ganhos de qualidade de solo e melhorias no desempenho das lavouras tradicionais da região (soja, milho e algodão).

Oziel de Oliveira, diretor-geral da Adab/BA (Agência de Defesa Agropecuária da Bahia) e produtor de soja na região, explicou que a triticultura tropical proporcionou aos agricultores locais inúmeras vantagens. “O trigo surgiu como alternativa para a rotação de cultura das lavouras irrigadas da região”, afirmou. “Todas as lavouras tradicionais da região cultivadas na palhada do trigo tiveram produtividades mais elevadas”.

Segundo Vieira, a cultura promoveu quebra do ciclo de doenças que atacam a soja, reduziu o aparecimento de plantas daninhas na área cultivada e diminuiu a infestação de nematoides.

“Os produtores da região estão acostumados a utilizar todas as tecnologias de ponta para cultivar grãos e estão levando essa cultura para outras atividades, como a triticultura e a fruticultura, que também está se destacando na região”, diz o especialista da Embrapa.

6.000 kg
É a produtividade atingida por hectare em um ciclo de 90 dias do cultivo de trigo na cidade de Balsas (MA)

1 milhão
Quantidade de hectares que devem receber plantações de trigo no cerrado até 2025

85%
Percentual do trigo consumido no Brasil que é produzido na região Sul. País também importa o cereal da Argentina

 

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