O secretário Nacional de Aviação Civil do Ministério da Infraestrutura, Ronei Glanzmann. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil – 3/3/2020
Em meio a mais uma rodada de concessões de aeroportos pelo País, Ronei Glanzmann, secretário da Aviação Civil, defende maior concorrência no setor bem como autorização para que aeroportos privados sejam liberados para operação comercial. “A questão é que aeroportos dessa natureza só podem receber aviões executivos – por causa de um decreto do governo Dilma. E isso cria um problema para os atuais leilões, porque o interessado em Congonhas, Guarulhos ou Viracopos quer saber se vamos abrir esses aeroportos autorizados para a aviação comercial”, destaca. A resposta do secretário, que conta com milhares de horas de voo no setor – entrou na Anac em 2006, passou à secretaria em 2011 e se tornou secretário nacional em 2019 – é… sim.
O homem de confiança do ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, designado para levar o País a outro patamar no setor de aviação, afirma que há muita jabuticaba na aviação civil. É que a fruta – que só existe no Brasil – aparece em lugares mais insuspeitos. A depender do economista, essas jabuticabas estão com os dias contados. E quer evitar novas jabuticabas, como o fim da isenção na importação de peças de aeronaves. “Isso vai ser um desastre para o setor”, avisa. O executivo conversou com a coluna, por videoconferência, de seu gabinete em Brasília, na semana passada. A seguir, trechos da entrevista.
Sobre infraestrutura, como está o calendário de leilões e concessões?
Estamos com a sétima rodada na rua, com dois dos maiores aeroportos do Brasil: Congonhas e Santos Dumont. O leilão deve acontecer no começo do ano que vem, talvez em março ou abril. Temos muita demanda por esse leilão, demanda internacional inclusive. Por isso, estamos investindo no aumento da capacidade de Congonhas. São R$ 122,5 milhões para passar de 32 para 44 movimentos por hora na aviação comercial (entre pousos e decolagens). Trata-se de um sistema tecnológico inédito na América Latina, que “segura” o avião caso ele saia da pista. É uma espécie de concreto líquido que prende o avião sem danificá-lo.
E os outros dois aeroportos de São Paulo, Viracopos e Guarulhos?
Viracopos está sendo relicitado, porque houve devolução da concessão por parte da Aeroportos Brasil (a crise econômica gerou uma dívida de quase R$ 3 bilhões); e Guarulhos, que é uma concessão da Invepar (da qual o Estado é sócio), também está sendo vendido. Ao mesmo tempo, estamos recebendo muita demanda em relação aos chamados aeroportos autorizados.
Como o que a JHSF tem em São Paulo, o Catarina?
Exato. O Catarina, inclusive, já é internacional. A questão é que aeroportos dessa natureza só podem receber aviões executivos – por causa de um decreto do governo Dilma. E isso cria um problema para os atuais leilões do setor, porque o interessado em Congonhas ou em Guarulhos ou Viracopos quer saber se vamos abrir esses aeroportos autorizados para a aviação comercial.
Porque se tornariam concorrentes.
Faz todo o sentido. E a resposta para essa pergunta é “sim”, nós vamos abrir esses aeroportos para a aviação civil. Vamos mexer nesse decreto, mas faremos uma consulta pública, porque isso impacta nos outros aeroportos. Vamos abrir esse mercado um pouco agora e, daqui há uns três anos, abriremos geral. Mas vamos sinalizar essa iniciativa para o mercado, para ele se programar. Não seria justo vender esses aeroportos agora e, depois de vendidos, abrir o mercado dos autorizados.
E o Campo de Marte, em São Paulo?
Também está nesta sétima rodada de concessão. Continua como aeroporto, mas limitado, por ser de pequeno porte. Para aviação executiva e helicópteros, por exemplo, funciona perfeitamente.
O governo brasileiro não deveria ter ajudado mais na pandemia, como ocorreu nos EUA, por exemplo, onde as empresas áreas receberam US$ 50 bilhões a fundo perdido?
Bom, sabemos que no mundo inteiro as margens de lucro do setor são baixas. No Brasil, isso se soma a questões históricas, como a cobrança de ICMS no combustível de avião, o câmbio. Em um ano normal, no Brasil, essa margem fica entre 3% e 4%. O ponto é que o cobertor do governo é curto. No começo da crise da Covid, houve uma tentativa de se conseguir crédito junto ao BNDES. Mas dar dinheiro para companhia aérea em meio à pandemia? Não tem comitê de crédito que aprove uma coisa dessas. O próprio banco chegou a se movimentar para conseguir algum crédito para o setor, mas não conseguiu. Acabou que o mercado arrumou soluções por conta própria. A Azul fez captação a mercado, a Gol conseguiu renegociar a dívida também a mercado e a Latam, agora com o Chapter 11, está conseguindo.
Como conseguiram crédito?
O Brasil é um dos poucos países do mundo que reúnem o que a gente chama de “os três ingredientes básicos da aviação civil”. A aviação civil próspera, onde existe extensão territorial, grande população e renda. Já estivemos melhor em termos de renda, mas ainda temos uma renda respeitável.
Esse trio é o que melhor explica a retomada do mercado agora?
Sem dúvida. Porque ainda temos muitas fronteiras internacionais fechadas, algumas começando a reabrir, mas com muita limitação (tem de fazer teste PCR, precisa ter carteira de vacinação, fazer quarentena). Já internamente, o cenário é outro. Os números desta semana indicam que estamos com 80% de retomada do mercado, em média. Alguns aeroportos já estão performando mais do que no pré-pandemia. Por exemplo, Recife, está performando 105% comparado a antes da pandemia.
Os brasileiros estão viajando pelo País…
Eles têm trocado Miami, Buenos Aires e Santiago do Chile, por exemplo, por Porto de Galinhas, Maragogi, Recife, Maceió, Fortaleza, Natal e Porto Seguro, que são os destinos turísticos consagrados do Brasil. Toda crise traz oportunidade. Estamos em uma crise grande agora no mercado internacional, então o mercado doméstico desponta.
O mercado de aviação civil no Brasil tem três grandes players. O senhor não acha que deveria haver mais competição?
Pode parecer pouco, mas é importante notar que esses três players são muito competitivos, brigam o tempo inteiro. Digo isso porque, do outro lado, temos o mercado de distribuição de combustível de aviação, que também tem três players (BR Distribuidora, que agora se chama Vibra; Raízen, do Grupo Cosan; e British Petroleum). E ele é um marasmo, ninguém mexe em preço, todo mundo pratica o mesmo. Já no mercado de aviação, a Azul está toda hora espetando a Latam, que toda hora espeta a Gol, que espeta a Azul, o que é muito bom.
O que fazer em relação ao setor de combustíveis?
Esse mercado é todo verticalizado. Os dois grandes postos de combustível de aviação do Brasil ficam em Guarulhos e no Galeão. Guarulhos domina 60% do combustível de todo o Brasil; e o Galeão, cerca de 25%. Uma grande questão é que a Petrobras só entrega o produto nesses locais por meio de dutos. Isso quer dizer que, se alguém quiser comprar combustível de aviação da Petrobras, tem de ter um duto ligado na refinaria.
Não há possibilidade de mandar de caminhão? Isso parece uma típica jabuticaba brasileira.
A maior jabuticaba do mundo. E ainda temos um outro problema, que é a questão da tributação do ICMS, que é mais uma jabuticaba. Porque você tem a tributação para o mercado doméstico, mas não tem para o internacional. Agora, os estados estão criando programas de incentivo: se distribui mais para determinado Estado, reduz a alíquota do ICMS. Então, combustível é uma agenda super estratégica. Além disso, existe um segredo no Brasil, que ninguém abre, que é a margem de lucro da distribuição, que tem a ver com a formação de preço o combustível. As distribuidoras afirmam que essa margem é muito baixa, não passa de 5%, uma mixaria. Mas alguns estudos mostram que essa margem pode chegar a 30%. A gente vive brigando com as distribuidoras, porque esse mercado é muito concentrado. Estamos trabalhando para aumentar o número de distribuidores, para facilitar a entrega do produto. É preciso facilitar a entrada de mais players, até porque a infraestrutura já existe.
E em relação ao combustível propriamente dito, o que está sendo em feito?
A ANP vai liberar um combustível de aviação novo no mercado, porque, no Brasil, só usamos o JET A-1, que é um combustível premium, utilizado para rotas interpolares. Ou seja, é usado onde você tem problema de congelamento de combustível. Por algum mistério da história brasileira, a Petrobrás só produz o JET A-1, cujo litro custa 2 centavos de dólar a mais do que o normal, o JET A. Como o normal é muito mais abundante no mundo, a gente pode importar o JET A e não depender do refino da Petrobrás, por exemplo. Nos EUA é tudo JET A, o mais barato. Na Europa também. É outra jabuticaba brasileira. Outra jabuticaba da nossa produção de combustíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário