A Folha publicou na semana passada uma ótima série de reportagens sobre os caminhos para o Brasil sair da miséria.
Os números não são animadores. Mais da metade da população sofre algum tipo de insegurança alimentar; quase 20 milhões de brasileiros declaram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer.
A questão fica ainda mais lamentável quando se constata que o país despreza as melhores armas do combate à pobreza.
A última década mostrou que políticas como o Bolsa Família ajudam, mas não atacam a raiz do problema.
Como disse o economista Ricardo Paes de Barros em entrevista de 5 de outubro, “sem estabilidade, crescimento econômico e produtividade, não existe política social que possa fazer com que a remuneração dos trabalhadores aumente sistematicamente”.
A produtividade é o melhor exemplo de arma que deixamos de lado. Basta um palestrante pronunciar o termo para bocejos se multiplicarem na plateia.
Políticos e intelectuais que se consideram defensores radicais dos pobres raramente a mencionam; seria estranho alguém, numa passeata na Paulista, exibir o cartaz “exigimos aumento da produtividade!”.
Mas, se hoje temos ao nosso redor coisas que décadas ou séculos atrás eram reservadas a milionários, é em grande parte graças a esse fenômeno.
Em 6 de janeiro de 1937, a Folha da Manhã sorteou aos leitores uma geladeira a gás que custava 15 contos (milhões) de réis, ou 62 vezes o valor do salário mínimo que seria instituído em 1940. Hoje 98% dos brasileiros moram em casas com geladeira, segundo o IBGE.
Considere uma empregada doméstica que sonha em aprender inglês e decide ter aulas com um professor. Se o preço da aula aumentar 30%, ele sai ganhando, mas ela perde. Sem aumento da produtividade, o jogo é de soma zero: o ganho de um resulta no prejuízo do outro.
Mas se o professor encontrar outros alunos para o mesmo horário, poderá cobrar menos de cada um e ganhar mais no fim do mês. Se não houver queda da qualidade da aula, a mágica da produtividade faz um pagar menos enquanto outro ganha mais.
Por que então desprezamos algo tão importante? Talvez porque a luta contra a miséria ainda seja vista como uma luta de classes. Muita gente acredita que a pobreza existe por causa da riqueza; portanto para beneficiar os pobres seria preciso prejudicar os ricos.
Passa longe dessa visão a ideia de que o crescimento da economia e a redução da pobreza demandam bom ambiente de negócios, previsibilidade jurídica, segurança para investidores e produtividade.
Essas palavras soam como uma conversa de homens de negócio tentando encontrar formas mais eficientes de explorar a população.
Além da visão ideológica, há o problema dos grupos de pressão em busca de privilégios.
Um país costuma se tornar mais produtivo quando abre a economia ao comércio internacional, explica o economista Marcos Mendes no livro “Por que o Brasil cresce pouco?”.
Enfrentando concorrência externa, empresas nacionais são obrigadas a inovar e dinamizar processos de produção. A abertura econômica facilita o acesso a tecnologias e insumos e leva o país se especializar no que produz com mais facilidade.
Mas os grupos de pressão não deixam o Brasil abrir os portos às nações amigas. Profissionais, empresas e setores improdutivos preferem continuar assim a enfrentar concorrentes.
Pressionam o governo a manter alíquotas de importação altas o suficiente para barrar concorrentes estrangeiros. Esse protecionismo impede o aumento da produtividade e a redução da pobreza.
Pior ainda, muitas vezes o Estado prolonga a existência de atividades pouco produtivas. Semanas atrás, o deputado Kim Kataguiri propôs acabar com a proibição do autoatendimento em postos de gasolina.
É uma medida básica para aumentar a produtividade e diminuir o custo dos combustíveis. Mas Kim foi acusado por integrantes tanto do PSOL quanto do PSL de querer desempregar meio milhão de frentistas em plena crise econômica.
Ora, então não seria o caso de criar uma lei exigindo dois ou três frentistas para cada atendimento no posto? Ou proibir tratores e enxadas, obrigando agricultores a arar a terra com colheres?
Essas medidas criariam milhões de empregos –mas empregos pobres, que gerariam um custo enorme a todos e impediriam os trabalhadores de rumar a atividades mais produtivas e bem pagas.
Na última década, a população brasileira cresceu mais que a economia, enquanto a produtividade e o comércio exterior ficaram estagnados. Não à toa, foi uma década perdida para o combate à pobreza no Brasil.
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