A condenação dos soldados que fuzilaram o músico Evaldo dos Santos Rosa e o catador Luciano Macedo no Rio de Janeiro, em abril de 2019, recoloca em pauta questão institucional importante.
Muito além da presença perniciosa e temerária de oficiais militares na administração federal, decorrente do desastroso governo de Jair Bolsonaro (sem partido), as Forças Amadas têm sido chamadas constantemente para operações de garantia da lei e da ordem.
A bagunça jurídica está instalada. A Justiça Militar julga soldado que mata ou agride civil e julga civil que desacata ou desobedece militar.
Duas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal tratam do assunto.
A ADI nº 5.901, movida pelo PSOL, aponta a inconstitucionalidade da Lei 13.491/2017, herança do governo Temer, que fixa a competência da Justiça Militar para julgar crimes dolosos contra a vida (de civis) cometidos no contexto de “atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária”.
O parecer da ex-procuradora-geral Raquel Dodge é vigorosamente favorável à tese da inconstitucionalidade e, em setembro de 2019, semanas antes de Augusto Aras assumir a função, pediria prioridade e urgência para o julgamento da ADI. O processo não se moveu.
Já a ADI 5.032, proposta em 2013 pelo procurador-geral da República contra lei complementar de 2010, que ampliou “demasiadamente” a competência da justiça castrense (por “chamar de crime militar aquilo que não o é”), está pronta para ser decidida desde fevereiro de 2019.
O processo entra e sai do calendário de julgamentos do STF. Três ministros votaram: Marco Aurélio e Alexandre de Moraes, pela improcedência do pedido, e Edson Fachin, pela inconstitucionalidade da ampliação.
Justiça Militar deveria ter alcance restrito e excepcional. Existe para julgar delitos praticados por militares contra bens jurídicos próprios da ordem militar. A segurança pública não está entre eles. Militares e policiais militares devem responder perante a justiça comum quando se excedem em função de policiamento.
Quando o fuzilamento brutal do músico e do catador acontece, o Brasil era ameaçado também pela ideia de excludente de ilicitude do pacote anticrime do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, na época absolutamente sintonizado com Jair Bolsonaro e o seu propósito de criar proteções absurdas para o agente policial que mata.
Soldados da 9a. Brigada de Infantaria Motorizada efetuavam patrulhamento irregular para a prisão de um suposto traficante carioca e, gratuitamente, desferiram 257 tiros de fuzil contra pessoas inocentes.
A Agência Pública revelaria, em 2020, a ilegalidade da operação Muquiço, um resquício criminoso, obscuro e não investigado da intervenção federal no Rio de Janeiro, encerrada em 31 de dezembro de 2018.
A condenação aparentemente rigorosa e rápida dos oito soldados que efetuaram os disparos transmite um sentimento enganoso de eficiência.
Dois dos cinco integrantes do conselho especial de justiça militar votaram pela absolvição dos militares ou por uma condenação branda, por crime culposo. Sem a vigilância da opinião pública, o desfecho do caso poderia ter sido diferente.
Mas a circunstância mais reveladora do papel corporativo e tolerante, normalmente desempenhado pela Justiça Militar, é a ausência de oficiais superiores, responsáveis pelo patrulhamento ilegal, no banco dos réus.
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