Renato Sérgio de Lima
A lei que criou o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) completou três anos em junho, mas só no último dia 29 o governo federal se deu conta de que ela existe ao “atualizar” a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS). O que seria enfim uma boa notícia é, na verdade, a comprovação da falta de compromisso e da descontinuidade das políticas públicas na área.
O Susp foi a forma encontrada para dar mais eficiência à segurança. Ele reorganiza, numa perspectiva de repactuação federativa de compromissos e metas comuns, o trabalho de diversos órgãos e esferas de governo. A exemplo do SUS (Sistema Único de Saúde), o Susp funcionaria a partir de normas definidas por instâncias tripartites (União, estados e municípios) de deliberação e avaliação. Esse esforço conjunto é um dos poucos consensos que unia policiais e não policiais, sejam de direita, centro ou esquerda.
No plano político, o presidente Jair Bolsonaro não está preocupado com eficiência técnica do trabalho policial. Ao contrário, tem estimulado a ampliação de padrões operacionais pautados no confronto e na guerra, como a ampliação do excludente de ilicitude e elogios a operações como a do Jacarezinho, no Rio. Bolsonaro também estimulou o confronto com governadores (apoiou o motim da PM no Ceará, em fevereiro de 2020) e a radicalização política e ideológica de policiais (como a tentativa de usá-los no 7 de Setembro).
Já no plano da gestão, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro simplesmente abandonou o Susp. André Mendonça, de forma sempre muito cortês com secretários, policiais e governadores, transformou o Susp em uma prateleira de produtos e soluções tecnológicas financiadas pelo governo federal. Mas não avançou na repactuação da relação federativa, principal objetivo da lei.
Anderson Torres, que assumiu a pasta, não muda a forma de implementação do Susp. Tido como pré-candidato a cargo eletivo em 2022, Torres tem dedicado boa parte de sua agenda à tentativa de transformar as prioridades do governo federal nos novos consensos da área. Só que, nesse movimento, o Susp também foi se transformando no cavalo de Troia do bolsonarismo.
A gestão Bolsonaro está aproveitando o seu alinhamento ideológico com policiais e o temor que os governadores têm de suas polícias para tentar fazer de seu projeto político sinônimo de modernização “técnica” da segurança. Ela concentra poderes (produz dossiês de inteligência contra policiais e professores que pensam diferente e/ou tenta adquirir softwares espiões que monitoram alvos selecionados) e não coloca em prática as novas instâncias deliberativas previstas por lei, que democratizariam a forma de se implementar políticas de segurança pública.
Mais do que isso, a nova PNSPDS centraliza no Ministério da Justiça e Segurança Pública a definição de quase todas as regras e/ou indicadores de monitoramento e governança. Ela invisibiliza ocorrências como feminicídios e mortes decorrentes de intervenções policiais, temas que desagradam a base radicalizada do presidente. E faz com que estados e municípios percam autonomia e apenas cumpram o que foi decidido pelo governo federal.
A boa notícia é que, enquanto o governo faz uma PNSPDS à sua imagem e semelhança, opaca e que restringe participação, algumas polícias militares, como as de São Paulo e Santa Catarina, inovam e reforçam mecanismos de “compliance” e controle, como as câmeras corporais.
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