Marcelo Toledo
Depois de ficar exposta por 47 anos numa praça na região central de Ribeirão Preto, onde acumulou lixo e ratos e serviu como banheiro para moradores de rua, uma centenária locomotiva, importante para contar parte da trajetória econômica no início do século passado no interior paulista, está praticamente restaurada.
Fabricada em 1912 pela alemã Borsig, a maria-fumaça estava exposta desde 1973 sobre cerca de 30 m de trilhos na praça Francisco Schmidt, onde sofreu todos os tipos imagináveis de vandalismo nas décadas seguintes, como furtos de peças de cobre, ferro e aço. Seu péssimo estado a transformou num símbolo da destruição do patrimônio ferroviário.
Repleta de lixo, restos de comida, roupas estragadas e preservativos usados, a locomotiva precisou passar por um processo de completa desinfecção para que pudesse deixar Ribeirão e ser levada para Campinas, onde está sendo restaurada desde julho do ano passado. Dezenas de ratos moravam na maria-fumaça e foi preciso abrir a lataria dela com um maçarico para que todos fossem expulsos.
Ribeirão Preto, uma das mais importantes cidades do interior do país, cresceu devido à ferrovia: muito antes da cana-de-açúcar que hoje domina a paisagem em toda a região, o município desenvolveu sua economia a partir da segunda metade do século 19 com suas grandes lavouras de café, que utilizaram os trilhos principalmente da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro para transportar o produto até o porto de Santos.
Com isso, surgiram barões do café como Henrique Dumont (1832-1892), pai do aviador Alberto Santos Dumont (1873-1932), e Francisco Schmidt (1850-1924), que dá nome à praça em que a locomotiva estava abandonada.
A maria-fumaça de número 8 é uma das três remanescentes da marca alemã no país. Pertenceu à Estrada de Ferro Araraquara, foi comprada pela Usina Amália e, posteriormente, foi doada ao município pelas Indústrias Matarazzo.
A restauração —é o primeiro bem ferroviário recuperado na cidade— custou R$ 749 mil aos cofres públicos e está sendo feita pela ABPF (Associação Brasileira de Preservação Ferroviária), que tem oficina para a manutenção e restauração de carros de passageiros e locomotivas na estação Carlos Gomes, em Campinas.
“O estado dela era lamentável, um dos piores que já vi”, disse o diretor administrativo da associação, Helio Gazetta Filho.
Segundo ele, a maria-fumaça foi recuperada inteiramente na cor grafite escuro, fosca, pintura que remete à origem da locomotiva.
A previsão é que ela seja entregue a Ribeirão Preto em novembro. A prefeitura deve expor a locomotiva no parque Maurilio Biagi, próximo ao local em que ela esteve nas últimas décadas, mas que tem segurança e horários para abertura e fechamento.
Ela deverá ser usada de forma estática pela prefeitura, ou seja, não será utilizada para passeios, embora sua restauração permita —será necessário trocar apenas os tubos da caldeira para que isso seja possível.
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