Gonzalo Vecina*, O Estado de S.Paulo
05 de fevereiro de 2021 | 05h00
Existe no ar uma sensação que determinadas ações somente servem para impedir que consigamos atingir o que parece estar ao alcance da mão. O caso recente da fosfoetanolamina foi clássico. Era tanta a certeza que ele curava o câncer que tivemos até uma lei que foi aprovada no Congresso e se comprovou que ela era inócua. No caso dos medicamentos atuais é pior, pois eles têm efeitos colaterais.
Mas dessa discussão vem a voragem de enfraquecer a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por que ela teima em nos afastar da nossa cura? Por que não aprovar logo todas as vacinas?
A Anvisa opera uma das funções da saúde publica que é garantir que tudo que consumimos seja seguro; e, se propuser algum benefício, que este seja entregue. Neste espaço não conseguirei discutir o que entendemos por ser seguro nem o que é um benefício do ponto de vista da saúde pública. Mas a vigilância sanitária não foi criada no Brasil. Todos os países do mundo têm uma vigilância sanitária. E, de preferência, sua ação de garantir a segurança e a eficácia de produtos e serviços à disposição da população deve ser desempenhada como uma função de Estado e não de governo.
Isso significa que a troca de governos não altera a realização das atividades e que ela deve ter defesas adequadas para se proteger de interferências políticas. Estas atividades de garantir a segurança, eficácia e qualidade dos produtos entregues a população é uma importante função do Estado. Mas essa atividade não é auditada? Não tem controle? Sim, tem contínuo controle das estruturas de Estado como o Ministério Público, o Tribunal de Contas, as auditorias internas e externas que controlam essa atividade continuamente. Além de um conjunto de ações, como a realização de seções públicas para tomar as decisões, como ocorreu para decidir sobre os registros das duas vacinas já à disposição da sociedade brasileira através da ação exemplar da Fiocruz e do Butantan.
As regras de registro de vacinas do Brasil são as regras de todos os países desenvolvidos, não são mais nem menos. Mas sempre existem os que chegam depois e querem ter situações exclusivas e podem dar a noção que existe uma solução milagrosa. São visões, e é isso que se está oferecendo para a sociedade agora, visões de que na esquina existe um pote de vacinas melhores. Não é verdade e os que fazem estas propostas não serão capazes de cumpri-las.
A Anvisa e seu corpo de servidores e diretores deram um exemplo de excelente trabalho a nação. Ao exigir a realização de estudos de fase 3 garantiu a participação de nossos pesquisadores na realização de complexos estudos que, sim, temos que dominar em nosso País. E ao propor que aceitemos agora estudos realizados fora do país acerta novamente! É hora de atrair novos fornecedores que por não terem sido contatos no tempo de negociar devem ter bem pouco a nos oferecer, mas vamos ver.
Mas temos que preservar a Anvisa e fortalecer sua capacidade de cuidar da segurança e eficácia de tudo que a sociedade brasileira consome para manter sua saúde. E, para finalizar, temos que entender que a ação da Anvisa interfere diretamente na atividade econômica. Ela cria exigências de condições adequadas de produção e exige investimentos em condições de boas práticas de produção e com isso melhora o funcionamento do mercado. A produção industrial do Brasil na área da saúde deu um fantástico salto com a criação da agência. Um melhor mercado com uma regulação que todos devem seguir permitiu um importante crescimento desses setores e esse crescimento é visível na base industrial hoje presente no Brasil. Queremos destruir esse ambiente? É isso que os industriais e o povo querem?
Um governo que não governa pode querer, mas nós, o que queremos do futuro?
*FUNDADOR E EX-PRESIDENTE DA ANVISA, EX-SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SP E PROFESSOR DO MESTRADO PROFISSIONAL DA EAESP/FGV E DA FSP
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