terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Samuel Pessôa Reavaliação sobre o Minha Casa, FSP

 Na coluna de 22 de agosto de 2020, escrevi que o programa MCMV (Minha Casa Minha Vida) tinha desperdiçado muitas unidades. O motivo é que o enorme esforço de entrega de novas unidades habitacionais pouco contribuiu para reduzir o déficit habitacional.

Minha colega recém-contratada pelo Ibre Laísa Rachter, em sua tese de doutoramento orientada por Cecilia Machado, que ocupa este espaço quinzenalmente às terças, mostrou que o programa teve impactos positivos sobre as famílias que adquiriram as casas. É necessário proceder a uma reavaliação do ponto de vista que defendi na coluna anterior.

Laísa usou características da implantação do programa que permitiram a identificação de relação de causa e efeito entre o acesso à casa própria e melhoras de bem-estar.

Um sorteio decidia o acesso ao MCMV para baixa renda. Algumas pessoas tinham acesso e outras não. Assim, há um experimento, como, por exemplo, o que ocorre com os testes das vacinas: parte da população recebe a vacina e parte o placebo, e as duas populações têm as mesmas características. Qualquer diferença que surge é causada pela vacina.

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Vista aérea de casas padronizadas do programa Minha Casa Minha Vida, no bairro Vida Nova Manacá II, no distrito de Padre Nóbrega, na periferia de Marília, região centro-oeste do estado São Paulo - Alf Ribeiro - 22.abr.19/Folhapress

Laísa mostrou, com dados para o Rio, que no grupo sorteado o acesso à casa própria elevou a renda líquida da família: a redução do gasto com aluguel mais do que compensou o aumento do gasto com transporte —os conjuntos do MCMV ficam mais afastados— e com as contas de água e luz. Não se observou queda da jornada de trabalho pela maior distância do local de trabalho.

Em outro capítulo, Laísa usou do fato de o programa priorizar cidades acima de 50 mil habitantes. Cidades com um pouco menos do que 50 mil habitantes, em tudo iguais às de 50 mil habitantes, receberam muito menos unidades do programa. Entre 2011 e 2017 as cidades com 50 mil habitantes receberam, em média, 300 a 350 unidades habitacionais a mais do que cidades com 49,9 mil habitantes.

Foi possível observar que, em razão dessas unidades a mais, houve elevação do peso das crianças ao nascer de 12 a 16 gramas, em comparação às cidades com pouco menos de 50 mil habitantes.

Também ocorreu redução da mortalidade infantil em um por mil nascimentos nas cidades com 50 mil habitantes em comparação às cidades ligeiramente menores. A redução da mortalidade infantil foi observada somente no primeiro ano de vida e em doenças associadas às primeiras três semanas de vida, chamada de mortalidade perinatal, sugerindo que o canal é a melhora de saneamento básico.

A melhora da saúde no início da vida tem impactos permanentes sobre a aprendizagem e o desempenho no mercado de trabalho. Assim, é possível que os ganhos de longo prazo justifiquem os custos para o Tesouro com subsídios às unidades habitacionais.

Dessa reavaliação duas questões se apresentam. Primeiro, como conciliar essa análise microeconômica com o resultado de que o programa como um todo não concorreu para reduzir o déficit habitacional? É possível que haja problemas de mensuração na série da fundação João Pinheiro.

Ou ainda é possível —me parece uma hipótese mais plausível— que a maior oferta de habitações eleve a demanda. Por exemplo, pode haver antecipação na constituição de novas famílias. Afinal, quem casa quer casa. Se há mais casas, vamos casar! Tema para pesquisa.

A segunda questão é: se há impacto tão importante sobre o bem-estar e, provavelmente, o programa é rentável, por que ele foi pesadamente reduzido?

O programa é rentável para a sociedade. Não gera renda imediata para o Tesouro Nacional. Assim, se o Tesouro estiver muito endividado, com pressão inflacionária e/ou juros elevados, a política pública será desfeita mesmo se for de boa qualidade.

Como diz o ex-governador Paulo Hartung, o primeiro passo para cuidar as pessoas é cuidar das contas públicas.

Samuel Pessôa

Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.


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