Devemos à internet o fato de, apesar de estarmos há mais de ano sob a sobra da pandemia, conseguirmos preservar uma vida com alguma normalidade. Ela nos propiciou formas de trabalho remoto, de interação com discussão em grupo, além de continuar a nos prover acesso rápido e ilimitado a informações de todos os tipos, desde aquelas críticas para o nosso dia a dia, até abundantes boatos e futricas, sem falar do expressivo número de variadas “teorias conspiratórias”. Isto, entretanto, não ofusca a constatação do continuado desconstruir que a rede provoca, e a irrefreável mudança, às vezes assustadora. Essas convulsões que vem com a disseminação da rede não são novas e nem deveriam ser motivo de espanto.
Lembro, com alguma nostalgia, de tempos em que, por exemplo, para se buscar transporte bastava ir à rua, levantar o dedo e apanhar um taxi – era questão de minutos! Hoje, ou se tem um app para solicitar o serviço, ou arrisca-se a ficar plantado por horas sem que nenhum taxi apareça. A velha tirada do Millôr, “livre como um táxi!”, perdeu muita da força. Neste janeiro, atribuiu-se à rede outra ação de ruptura, agora em área inusitada.
Estamos habituados a ver modelos tradicionais de negócios serem significativamente afetados, se não destruídos, pela internet, mas a tempestade vai muito além, assombrando todas as áreas da sociedade, da ética à política, da acomodação à insurreição, da informação organizada ao caos. Quanto à área política, por exemplo, tivemos as tais “primaveras” que acometeram alguns países. Aliado a circunstâncias locais, foi também o poder de mobilização e de coordenação pela internet que tornou viáveis as “primaveras”.
A notícia agora foi a inesperada ação de “outsiders” em negócios com ações. Na imagem de um amigo, tratou-se da “primavera das bolsas de valores”. O que se viu foi tradicionais empresas operadoras desses mercados serem confrontadas por uma maré de simplórios compradores, que se auto-organizaram via aplicativos. Por sinal, um deles com o sugestivo nome de “Robinhood”. A onda de intrusos avolumou-se causando perdas e estragos de monta aos atores oficiais de plantão. Afinal, sempre que um leigo pensava em investir seus caraminguás em ações, recorria prudentemente aos especialistas nessa área. Hoje ele se arroga a iniciativa… Não tenho a menor competência para analisar o funcionamento do “mercado futuro” e os riscos de quem fica “comprado” ou “vendido”, mas lembro de uma discussão sobre o tema há uns 20 anos, época da maciça migração dos serviços de cotações em tempo real para a internet. Discutia-se se haveria como a internet competir em velocidade com as redes próprias dos serviços de disseminação das cotações. A par de buscar como contornar o problema da velocidade na transmissão via internet – que então era muito menos poderosa – levantei uma questão de leigo: a universalização das informações de mercado poderia representar um risco ao seu próprio funcionamento? Afinal, em ambientes especulativos, o poder reside em se ter rapidamente informação privilegiada. A assimetria de informação é a alavanca principal para a geração de lucro.
Ora, se com a internet todos souberem sobre tudo, em pouco tempo essa assimetria diminui. Talvez seja isso parte da explicação do que aconteceu em janeiro nos Estados Unidos, especificamente com algumas ações, e que pode se repetir em outros países agora que o “gênio saiu da garrafa”. Segue outra boutade do mesmo amigo: “faz-se necessário democratizar os ‘memes’ de produção”. Internautas do mundo, uni-vos!
*É ENGENHEIRO ELETRICISTA
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