O presidente Jair Bolsonaro acertou com o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, uma reunião de cúpula a ser realizada possivelmente em março para discutir a flexibilização do Mercosul. Esta coluna se dedica a analisar o que é esse passo, o que significa e seu principal obstáculo.
O Mercosul está comprometido pelos tratados a ser uma união aduaneira. É a segunda fase de uma integração econômica entre países.
A primeira é a criação de uma área de livre comércio entre eles. É a situação em que mercadorias e serviços, com as exceções devidamente acertadas, podem circular livremente entre os membros do bloco, sem cobrança de taxas alfandegárias.
O segundo estágio de integração é a união aduaneira. Além do livre-comércio, numa união aduaneira os países sócios mantêm a mesma política de comércio exterior em relação aos países de fora do bloco. É uma situação que implica a adoção de uma Tarifa Externa Comum (TEC), ou seja, implica vigência da mesma tabela de impostos alfandegários para mercadorias (e serviços), e o mesmo tratamento comercial em relação aos países de fora do bloco.
Nenhum membro do Mercosul pode fechar acordos comerciais unilaterais com outros países, pois, nesse caso, estaria sabotando a política comercial comum e a tarifa comum. Se essa política comum não fosse observada, poderia haver triangulações de mercadorias. Se o Brasil, por exemplo, pudesse importar carros a uma tarifa rebaixada, poderia prejudicar a produção e as exportações da Argentina.
Um dos problemas do Mercosul é o de que os países membros (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) se comprometeram a observar essa segunda fase de integração sem que a primeira tenha sido completada.
A TEC está cheia de furos, combinados ou não. Tarifas que já foram unificadas deixaram de ser observadas. Basta que um dos membros entre em crise para que passe a impor restrições ao comércio, como acontece hoje com a Argentina. O acordo automotivo não é outra coisa senão a vigência de restrições ao livre-comércio de veículos e autopeças. Por trás das restrições está o fato de que, nas atuais condições da economia argentina, a indústria perdeu competitividade.
Se deixar suas fronteiras livres para a entrada de veículos ou de máquinas do Brasil, provavelmente a indústria argentina não conseguiria sobreviver. Sufoco provoca mais sufoco. Para dar escala a sua indústria, Brasil e Uruguai têm de fechar acordos comerciais com outros países.
No entanto, as cláusulas da união aduaneira proíbem esses arranjos. Se fossem feitos, seriam ilegais. O projeto de flexibilização pretende contornar essas regras. O mais recomendável seria o retorno do Mercosul às condições mais simples de área de livre-comércio. Se isso acontecesse, cada país-membro estaria livre para negociar tratados comerciais com outros países ou blocos econômicos. A flexibilização pode permitir graus, nuances e prazos que precisariam fazer parte de um acordo.
O principal obstáculo para esse movimento é a Argentina. As sucessivas crises fiscais, o alto endividamento do setor público e seu histórico de calotes produzem permanente fuga de dólares, alta das cotações da moeda estrangeira, aumento de custos de produção e inflação – que vem em seguida. A enorme instabilidade política é, ao mesmo tempo, causa e resultado disso.
A questão diplomática no bloco consiste em convencer a Argentina de que a flexibilização é necessária. E não está clara a posição do Paraguai.
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CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
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