Bolsonaro ensaiou, em seu primeiro ano de mandato, um modus vivendi político de governo sem maioria no Congresso. Por algum tempo, talvez até a aprovação da reforma da Previdência, havia alguma expectativa de que o arranjo poderia funcionar. Não foi o caso.
Os sinais de que aquele arranjo não funcionava já vinham de antes da pandemia. Todos se lembram do imbróglio com Orçamento impositivo, da reação destrambelhada à pandemia, no modo improvisado como se definiu o auxílio emergencial, da falta de entendimento mínimo sobre a reforma tributária, paralisia das privatizações. A lista é longa.
O que vimos neste período diz muito sobre o governo Bolsonaro. Governo retórico, vacilante quanto a sua própria agenda, sejam as pautas anticorrupção e de costumes, que nunca foram para lugar nenhum, seja a pauta liberal, da qual a esta altura resta muito pouco.
O que já estava ruim ganhou ares de tempestade perfeita com a chegada da segunda onda da pandemia, o agravamento do quadro fiscal, o fim do auxilio emergencial e a descoordenação no processo de vacinação. As pesquisas passaram a registrar o declínio de Bolsonaro e o fantasma do impeachment entrou pela janela.
É neste cenário que entra a sucessão no Congresso. O governo percebeu que uma vitória de Baleia Rossi tornaria Bolsonaro um pato manco precoce e entrou no jogo com os procedimentos habituais da política brasileira.
Alguém me perguntou se não é uma incoerência em relação ao discurso de campanha. É claro, respondi, supondo que alguém se lembre do discurso de campanha e tenha acreditado que Bolsonaro era algum tipo de condottiere vocacionado a virar ao avesso nossas instituições.
Nunca foi. Sempre foi um político muito mais tradicional e pragmático (“tático”, como li por estes dias) do que a maior parte de nossa crônica política quis reconhecer. Disse aqui algumas vezes que o sistema político iria “enquadrar” Bolsonaro. Pois é. Não só o enquadrou como o próprio Bolsonaro se tornou um ativo jogador, derrotando Rodrigo Maia em seu próprio terreno e pavimentando uma aliança com o centrão que deve servir de base para sua campanha em 2022.
Apoiadores obstinados de Bolsonaro dirão que não, que se trata apenas de um recuo estratégico para finalmente “derrotar o sistema”; seus detratores não menos obstinados dirão que tudo não passa de mais um passo para o “grande golpe” que finalmente nos levará à Alemanha nos anos 1930.
Imaginação fértil à parte, o que temos é mais do mesmo: varejo político, centrão dando as cartas e a habitual inércia brasileira para enfrentar a agenda difícil que de fato deveríamos encarar.
A pergunta que importa: o novo arranjo governista produzirá resultados? Fará avançar a agenda de reformas? Ninguém sabe. Meu colega Carlos Pereira costuma dizer que nosso modelo político foi pensado para produzir inclusão e certa estabilidade, não eficiência. Temos um sistema feito para acomodar interesses e processar demandas da elite política e corporativa com acesso a Brasília.
Em seu primeiro encontro com Lira e Pacheco, Bolsonaro entregou uma lista de 35 prioridades, que vão da privatização da Eletrobras, passando pela reforma tributária (sabe-se lá qual), autonomia do Banco Central, até o “homeschooling” e o aumento da pena para abuso sexual de menores.
Perfeito retrato do governo. Quem tem 35 prioridades não tem, no fundo, prioridade nenhuma. O governo deveria aproveitar o fôlego que obteve com a repactuação política e focar em um ajuste estrutural das contas públicas, que passa pela PEC Emergencial em sua versão não desidratada, uma reforma administrativa mais ampla e um redesenho fiscalmente sustentável dos programas sociais.
Talvez seja muito para a atual elite política do país, mas a verdade é que há uma janela de oportunidade, em um ano não eleitoral, para que o Congresso retome algum fôlego reformista que apresentou entre 2016 e 2019. Com um detalhe: em um cenário no qual o governo não terá mais como terceirizar responsabilidades e dizer que a culpa é do Rodrigo Maia se as coisas não acontecerem.
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