O rio Pinheiros (zona oeste de SP) sofreu sucessivas intervenções e agressões ao longo do século passado. Foi retificado e teve as margens tomadas por pistas para automóveis. Suas águas tiveram o sentido invertido e viraram esgoto a céu aberto.
A possibilidade de transformar um ambiente hostil em um cartão postal próximo do coração financeiro da cidade de São Paulo é uma das principais apostas de João Doria (PSDB) como marca de governo até 2022.
Até lá, quando pretende concorrer à Presidência da República, o governador quer revitalizar toda a região do rio Pinheiros, com obras que superam os R$ 3,5 bilhões. Isso inclui a tentativa de sucesso onde gestões tucanas sucessivamente falharam: concluir a despoluição do rio.
A região é uma fixação de Doria desde quando ele era prefeito. Ainda em 2017, ele anunciou o muro de vidro da USP —projeto problemático, que, em vez de melhorar, trincou a imagem do tucano.
Doria, porém, manteve o foco na região após ser eleito governador em 2018.
O projeto batizado de Novo Rio Pinheiros inclui um parque linear, ciclovias reformadas e uma área inspirada em Puerto Madero, bairro de Buenos Aires qu se tornou badalado e visitado após a revitalização. Tudo ao longo de um eixo que, mesmo cortado por um rio sujo, é um dos mais valorizados da cidade.
A aposta para viabilizar os projetos passa pelo uso de concessões à iniciativa privada, a última delas assinada neste mês, para a criação de um parque. O consórcio responsável investirá R$ 30 milhões para construir o espaço.
Com obras iniciadas neste mês, a previsão é que o primeiro trecho, de 8,2 km na margem oeste, fique pronto até fevereiro do ano que vem. O local terá praça de alimentação, ciclovia e passarelas (uma delas flutuante, ligando as margens do rio).
Outra parte do projeto urbanístico depende da ação da iniciativa privada. No ano passado, o governo concedeu a Usina São Paulo, antiga Usina Traição, onde pretende criar a versão paulistana de Puerto Madero.
A usina foi inaugurada em 1940, com objetivo de aumentar a capacidade de geração de energia elétrica. Também foi responsável pela inversão do fluxo do rio.
O consórcio escolhido para implementar a remodelação do espaço de 29.804 m² terá de gastar R$ 300 milhões em melhorias. A ideia é erguer ali prédios de escritórios, espaços para cafés, bares, restaurantes, lojas, academia e museu.
A maior atração deve ser um cinema ao ar livre, o maior do gênero na América Latina.
O sucesso de todo projeto, porém, passa por concretizar a missão mais difícil: a despoluição do rio Pinheiros até o 2022.
A cargo da tarefa, o secretário de Infraestutura e Meio Ambiente, Marcos Penido, diz que a escolha pelo rio Pinheiros se deu pela possibilidade de realizar um projeto até o fim. O rio Tietê tem mais de 1.100 km, enquanto o Pinheiros tem apenas 25 km.
“O Pinheiros é factível, traz o conceito da utilização das margens e é um projeto com começo, meio e fim, que servirá de modelo a ser replicado”, diz Penido.
Segundo ele, a localização privilegiada, que corta o coração econômico da cidade, também ajuda a atrair dinheiro privado. “A questão de onde ele está faz com que seja viável implantação das parcerias”, diz.
Penido nega, porém, que projeto se restrinja a bairros ricos da cidade. Debaixo da superfície está o tratamento do esgoto despejado por 1,6 milhão de pessoas no Pinheiros e em seus afluentes, o que inclui bairros periféricos e favelas.
A parte mais espinhosa está nas comunidades irregulares, onde, por lei, não é possível fazer a ligação de esgoto sem a regularização fundiária.
“A solução foi criar são mini estações de tratamento que ficam abaixo das comunidades”, diz Penido, acrescentando que também é feito um trabalho de educação ambiental e limpeza nos locais, com colocação de caçambas para evitar que os resíduos vão parar em corregos e, por fim, no Pinheiros.
A água em alguns locais, como o córrego Zavuvus, já está mais cristalina. “Uma senhora falou para nós: pela primeira vez estou sentindo o cheiro da comida que estou fazendo”, relata o secretário.
O objetivo da gestão é tratar 94% da bacia do Pinheiros. Até o momento, chegou a 28%, além do desassoreamento e da retirada de milhares de toneladas de detritos. O grande diferencial, no qual se apoia o governo para terminar as obras é o fato de as empresas privadas que fazem o trabalho receberem por produtividade, contabilizando o metro cúbico de esgoto coletado.
“O Pinheiros final não será para nadar nem para beber água. Será, como Tâmisa e o Sena, um rio urbano, tem ônus e bônus de estar dentro de uma metrópole."
O presidente executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, afirma estar otimista com o projeto, mas vê dificuldades no prazo estipulado pelo governador.
“É um desafio que significa chegar com coleta de tratamento de esgoto aonde nunca se chegou. A cidade é um organismo vivo, áreas [irregulares] nascem do nada. Quando se pensa que resolveu o problema, tem mais 50 moradias onde antes não existiam, que começam a gerar esgoto imediatamente”, diz.
Carlos afirma que exemplos de outras cidades mostram que é possível. “É importante a gente dizer que todo lugar do mundo já teve rio poluído como o Tietê e o Pinheiros, mas há muitas décadas perceberam que não dava para ter um rio poluído no meio da cidade. A diferença está no tempo.”
Durante o processo de limpeza do rio, já foram retiradas mais de 18 mil toneladas de lixo com barcos, redes e boias. Os objetos encontrados vão de garrafas pet a bicicletas.
Mesmo sem o rio limpo, parte das melhorias feitas até aqui já tem atraído ciclistas para a pista ao longo da marginal —segundo o governo, o público mensal na ciclovia passou de 23 mil para 80 mil.
Em dezembro, foi entregue um trecho reformado da ciclovia, com recapeamento, sinalizações de pontos, guaritas, áreas de café, banheiros e segurança permanente. O espaço também tem vending machines, vestiários com chuveiros, acessibilidade e um novo paisagismo.
Pelotões de ciclistas madrugam na via para bikes em treinos de velocidade. Aos finais de semana e ao longo do dia, o público se torna mais amador, que pedala por lazer.
Se o resto das melhorias tiver o mesmo êxito, Doria terá uma vitrine para chamar de sua na capital em que sua rejeição decolou após abandonar a prefeitura e seus projetos prometidos para concorrer ao governo.
Caso contrário, a promessa descumprida pode provocar mais rachaduras à imagem do tucano, a exemplo do muro de vidro da USP.
As placas de vidro constantemente quebradas, na ação da prefeitura com a iniciativa privada, viraram um problema para a universidade, bem visível e no caminho diário de milhares de motoristas paulistanos.
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