"Ligaram o maçarico." É o mais irritante dos lugares-comuns do verão carioca. Não falha, sobretudo quando as temperaturas se mantêm acima dos 40 °C, sem dar trégua, e ouvimos aquela velha explicação: "Há uma massa de ar quente atuando na região, e a massa de ar frio não consegue avançar". Os termômetros da estação de Irajá, na zona norte, registraram a sensação térmica de 46,6 °C na semana passada.
A cidade tem sofrido tantas perdas, ao longo dos últimos anos, que até o calor virou motivo de orgulho. No caso de Bangu, na zona oeste, de orgulho ferido. Os moradores de lá não se conformam de terem perdido sua identidade, o título de bairro mais quente do Rio. O campeão agora é Irajá, que fica próximo à avenida Brasil, tem a superfície mais urbanizada (o que acumula energia solar) e poucas áreas verdes.
Imagine esse calorão de queimar o bestunto sem água para se refrescar. Só quem mora em bairros nobres da zona sul, por enquanto, está livre da seca nas bicas, torneiras e chuveiros. O problema voltou a ser crônico, como era em 1965, quando a cidade completou 400 anos, a marchinha "Lata D'Água" ("Lata d'água na cabeça/ Lá vai Maria, lá vai Maria/ Sobe o morro e não se cansa"), de Luiz Antônio e Jota Júnior, lançada por Marlene no Carnaval de 1952, ainda fazia sucesso e a adutora do rio Guandu foi anunciada como "a maior obra do século". O lema da construção era: "Água até o ano 2000".
O prazo expirou faz duas décadas. A água hoje, quando chega, vem fervendo e, de novo, batizada com geosmina, que lhe altera o aspecto, o cheiro e o gosto. Nesse tempo, a Cedae virou um quintal de influência política —o último que desmandou na empresa, Pastor Everaldo, está preso, mas deixou toda uma escola de atuação.
O que não muda é a resposta das autoridades. Continuam a garantir que a população pode beber água podre na boa.
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