sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Risco administrativo e improbidade, Sergio Avelleda, FSP


Absolvido na Justiça, antes fui execrado como fraudador


Sergio Avelleda
Imagine se os acionistas de uma empresa privada de alta complexidade, preocupados com custos, desperdícios ou mesmo ilegalidades, baixassem a seguinte diretriz: quem tomar uma decisão que um fiscal externo considere equivocada responderá com o seu patrimônio pessoal pelos custos adicionais e multas, perderá o emprego, ficando impossibilitado de atuar no mercado de trabalho, e ainda será exposto publicamente como desonesto. 
Essa ficção, claro, nada tem a ver com empresas bem geridas, nas quais os executivos são estimulados a inovar e a tomar riscos com prudência. Os erros são admitidos como possíveis, sempre com a presunção de boa-fé —até prova robusta em contrário. 

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O especialista em transportes e ex-presidente do Metrô Sergio Avelleda - Keiny Andrade - 22.jan.18/Folhapress
As divergências de prioridades administrativas não são consideradas erros execráveis. Essa, entretanto, é a realidade na administração pública, na qual o risco de decidir está insuportável, levando a mais completa paralisia os gestores probos e que prezam sua dignidade. 
Tomar decisões é realizar escolhas entre alternativas possíveis, vencer dilemas. Na administração pública, possível é o que seja legal e eficiente. O problema é que esses conceitos são quase sempre sujeitos a interpretações. Escolher uma vai contrariar as interpretações diversas, o que não deveria ser considerado uma desonestidade. 
O regime de responsabilização dos administradores públicos é regido, principalmente, pela Lei de Improbidade Administrativa, um avanço no sistema de controle dos atos públicos. A interpretação corrente dessa lei, no entanto, tem tido dois efeitos nefastos: 1 - considera ato de improbidade, até prova em contrário a ser produzida em processos que duram muitos anos, todos os atos de gestão de que o Ministério Público discorde; 2 - em consequência, tem afastado da administração pública todo aquele que não queira se sujeitar ao sério risco da execração. 
O próprio nome da lei demonstra que a intenção do legislador era a necessária repressão da desonestidade, sinônimo de improbidade. Tratar como falta de honestidade as divergências de opinião quanto às prioridades de gestão, ou mesmo os erros técnicos, contraria o propósito da lei, paralisa e engessa a administração pública e afasta talentos que não aceitem correr graves riscos. 
A isso se acresce o nefasto costume de paralisar toda obra que sobre a qual exista suspeita de improbidade. Há casos em que a paralisação é necessária, há outros em que fazê-lo só multiplica os prejuízos do Estado. 
O Tribunal de Justiça de São Paulo acaba de me absolver por unanimidade de uma condenação superior a R$ 1 bilhão, além da perda de direitos políticos e de não poder exercer função pública por cinco anos.
E qual era acusação? Corrupção, enriquecimento ilícito? Nada disso. Eu, como então presidente do Metrô de São Paulo, e a diretoria da empresa não seguimos a recomendação de um promotor para suspender as obras da linha 5-Lilás.
Hoje, milhares usam a linha todos os dias. As empresas acusadas de formação de cartel, do qual não participei nem fui acusado de participar, estão condenadas a pagar indenização ao Metrô. Por oito anos fui execrado na TV como se estivesse envolvido em uma fraude milionária. Meus filhos passaram uma vergonha que não mereciam. Perdi o emprego, tive que trabalhar fora do Brasil. 
Das minhas feridas, cuidarei eu. Mas o país precisa encontrar um sistema em que a busca por eficiência na administração pública não implique o risco de ser rotulado como bandido.
Sergio Avelleda
Advogado, ex-secretario de Mobilidade e Transportes da Prefeitura de São Paulo (gestões Doria/Covas) , ex-presidente do Metrô (gestões Serra e Alckmin) e ex-presidente da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos; gestão Alckmin)
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