SÃO PAULO
O Governo de São Paulo, durante a administração Geraldo Alckmin (PSDB), indenizou em R$ 22 milhões um consórcio liderado pela Camargo Corrêa pela obra de uma fábrica de remédios populares que, anos depois, a própria gestão tucana afirmou que estava incompleta.
Apesar de essa indenização ter sido paga após o consórcio entrar na Justiça e obter uma decisão favorável de primeira instância, o governo paulista nem sequer apresentou defesa no processo —embora tenha sido citado por duas vezes— e também não recorreu da determinação.
A fábrica, que foi construída em Américo Brasiliense (SP) e atende à estatal Furp (Fundação para o Remédio Popular), é alvo de delações de ex-executivos da empreiteira, que apontam supostos pagamentos de propinas a agentes públicos envolvidos em sua construção.
Os problemas aconteceram na segunda fase da construção da fábrica, quando foram montadas as linhas de produção. Inicialmente orçada em R$ 124 milhões, a obra pulou para R$ 155 milhões após aditivo ao contrato.
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A contratação do consórcio aconteceu em novembro de 2005, no segundo dos quatro mandatos de Alckmin no governo de São Paulo. A fábrica foi inaugurada em 2009, ainda na gestão José Serra (PSDB).
Apesar dessa inauguração, o contrato com o consórcio não havia sido encerrado seis anos depois.
Em setembro de 2013, a juíza Ana Rita de Figueiredo Nery autorizou que as construtoras fossem indenizadas em mais R$ 14 milhões, que, corrigidos, passaram a valer R$ 22 milhões, por um suposto prejuízo que tiveram na obra.
Apesar de não ter contestado a decisão, em agosto de 2015 a gestão estadual se reuniu com representantes do consórcio para listar pendências na fábrica e cobrar a conclusão delas para o encerramento do contrato, segundo email interno da Furp obtido pela Folha.
O governo, segundo esse email, chegou a enviar em 2014 uma notificação extrajudicial às empreiteiras para que resolvessem as pendências, que incluíam a instalação de equipamentos e de um sistema de manipulação de medicamentos.
Esse documento faz parte de arquivos acessados pelos deputados da CPI que investiga eventuais irregularidades na Furp na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Assinado por Ricardo de Lima e Silva, assessor técnico da Furp, a mensagem é a ata da reunião. "Existem diversas pendências técnicas para a instalação e qualificação dos equipamentos do sistema 6, conforme descrito na notificação extrajudicial", diz um trecho da mensagem. "O sistema [de manipulação de injetáveis] instalado pelo consórcio apresentou diversas pendências técnicas", afirma outro trecho.
Em delação premiada firmada com o Ministério Público de São Paulo, mantida sob sigilo, o executivo da Camargo Corrêa Martin Wende afirma que esse contrato não era encerrado pelo governo porque, com o início da Operação Lava Jato, pagamentos de propina supostamente feitos a representantes do governo foram interrompidos.
Tanto Wende como outro executivo, Emílio Eugênio Auler Neto, disseram aos promotores em 2017 que os repasses duraram entre 2008 e 2013, nas gestões Serra e Alckmin. Segundo eles, o ex-secretário de Saúde Luiz Roberto Barradas Barata (morto em 2010) recebeu ao menos R$ 1 milhão, em 2008, pela assinatura do aditivo na obra.
Wende é citado no email que descreve a reunião de 2015. No texto, é dito que ele "abriu a reunião declarando a intenção do consórcio no encerramento do contrato, solicitando ajuda da Furp para finalizar as pendências técnicas remanescentes".
Nesta terça-feira (5), o deputado estadual Alex de Madureira (PSD) irá ler o relatório final da CPI da Furp, que deverá ser votado logo depois pelos outros integrantes da comissão.
Instalada no primeiro semestre, a CPI da Furp tem sido vista vista pelos deputados como um "plano B" para desgastar gestões tucanas após a base do governo João Doria (PSDB) ter conseguido barrar a criação de outra comissão investigativa para apurar suspeitas de irregularidades na Dersa, estatal sob suspeita de corrupção que teve a sua extinção aprovada em setembro.
Em um novo pacote de desestatização, o governo Doria pretende também acabar com a Furp, que é a maior fabricante pública de remédios do país.
OUTRO LADO
A reportagem procurou a Furp e a Secretaria de Saúde de São Paulo, que informaram por meio de nota que a atual gestão da estatal "preza pela transparência e informa que já está em andamento investigação sobre a não assinatura do termo de encerramento do contrato de construção da fábrica de Américo Brasiliense".
Segundo a atual gestão, a obra foi concluída em 2009. "Caso seja constatada qualquer irregularidade, a fundação tomará as providências cabíveis".
"Conforme registros, a Furp pagou somente o que foi executado pelo consórcio contratado para execução das obras. Quanto à solicitação de reequilíbrio econômico-financeiro [da indenização], tal direito foi reconhecido após análises técnicas e pelo Judiciário, resultando em decisão desfavorável à Fundação, que quitou integralmente o valor estabelecido na ação. Essas questões também são objeto de sindicância na Furp."
Ricardo de Lima e Silva não foi localizado pela reportagem. Procurado, o ex-governador Geraldo Alckmin não se manifestou.
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