Eloísa Machado de Almeida
A indicação de Sergio Moro como ministro da Justiça no governo do presidente Jair Bolsonaro suscita uma relevante questão constitucional: há limites para a participação de juízes em governos?
A Constituição Federal de 1988 estabelece um amplo sistema de garantias ao exercício da função jurisdicional. Ao Poder Judiciário, como um todo, é garantida a autonomia administrativa e financeira. Aos juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores, por sua vez, são garantidas a inamovibilidade, a vitaliciedade e a irredutibilidade de subsídios.
Todas estas garantias institucionais e funcionais existem para preservar o Judiciário e os juízes de sofrerem ingerência indevida em sua atuação. Mas, sozinhas, não são capazes de atingir seu objetivo.
É por isso que a própria Constituição traz vedações aos juízes: eles não podem exercer atividade político-partidária; não podem receber custas em processos nem auxílios ou contribuições (quer de pessoas físicas ou empresas); precisam aguardar quarentena de três anos para advogar no mesmo juízo ou tribunal e, por fim, não podem “exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério”, como previsto no artigo 95 da Constituição.
Analisadas conjuntamente, as garantias buscam preservar a independência, ao passo que as vedações exigem imparcialidade.
É por este motivo que quando um juiz decide assumir um cargo político deve se exonerar, ou seja, sair definitivamente do Poder Judiciário. Essa questão já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 388, que tratava da indicação de membros do Ministério Público a cargos em governo. Mesmo tratando de carreira distinta, os ministros consideraram também ser o caso de juízes. Afinal, as vedações para promotores e juízes são análogas e ambas proíbem a atuação em outra função, mesmo em disponibilidade.
Quem melhor explicou as perniciosas relações na indicação de promotores e juízes a cargos políticos foi o ministro [Luís Roberto] Barroso, ao alertar que poderia se criar “um incentivo para agirem politicamente, para agirem com considerações políticas na sua função de proteção do interesse público, inclusive, eventualmente, para conquistar a simpatia do chefe do Executivo e obter determinado cargo público”. O pior, prossegue o ministro, seria supor que promotores possam estar “tendo qualquer tipo de atuação, inclusive e sobretudo em matéria criminal, que possa estar conectada a qualquer tipo de interesse político”. Se a decisão do Supremo, como afirmado pelos próprios ministros, trata das mesmas vedações impostas a juízes, é preciso ter as mesmas cautelas.
A simples exoneração, assim, parece não colocar ponto final da questão. O problema é mais amplo, já que a atuação quer de promotores ou juízes pode ter sido influenciada pela possibilidade de integrar um governo. Está em questão se os atos judiciais praticados pelo Sergio Moro juiz serviram, de alguma forma, para agradar a um determinado projeto político e tornar Sergio Moro ministro.
Advogados de réus da Operação Lava Jato foram os primeiros a alegar suspeição do juiz Moro, por agir indevidamente em desfavor de alguma parte. Afinal, Sergio Moro, enquanto juiz, atuou para a prisão do rival político de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, que pretende lhe fazer ministro. A pecha de juiz político ronda Moro há anos e agora se intensifica.
Eloísa Machado de Almeida
Professora e coordenadora do Supremo em Pauta da FGV Direito SP
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