O resultado das eleições assusta, mas não tem nada de misterioso. Jair Bolsonaro não é um fenômeno isolado. Basta dar uma olhadinha nas listas dos deputados mais votados —estaduais e federais— para saber do que se trata.
Destaca-se o número de delegados, em quase todas as unidades da federação.
Em Goiás, há o Delegado Waldir (PSL). No Amazonas, o Delegado Pablo, também do PSL, fica em segundo lugar entre os federais, e o Delegado Péricles, do mesmo partido, está entre os mais votados para a Assembleia Legislativa.
Pernambuco? Há a delegada Gleide Ângelo (PSB). Paraná? Delegado Francischini (PSL). Em São Paulo, o Delegado Olim (PP) é o nono mais votado para a Assembleia.
Mas a concorrência é forte, porque temos o Coronel Telhada (PP) e o Major Mecca (PSL) —e, entre os deputados federais, a Policial Katia Sastre (PR), o Capitão Augusto (PR), o Tenente Derrite (PP) e o Coronel Tadeu (PSL). Sem falar do Major Olímpio (PSL), que tirou a vaga de Eduardo Suplicy (PT).
Saúde, desemprego ou educação parecem ter sido menos decisivos na onda bolsonarista. O que mais conta, sem dúvida, é a segurança pública, a promessa de tratar os bandidos na bala.
A impaciência com qualquer discurso em favor dos direitos humanos, a sensação de que o “politicamente correto” é desculpa para a inatividade do Estado e o gosto pelo fuzilamento sumário puderam se manifestar sem nenhuma autocensura.
É como se a exacerbação vivida nas redes sociais, já há bastante tempo, viesse finalmente a encontrar seus representantes na política.
Os partidos tradicionais, a imprensa, a TV, os marqueteiros e o próprio financiamento empresarial impunham variados filtros ao processo político, fazendo com que as atitudes mais radicais da população não se traduzissem diretamente no resultado das urnas.
O Facebook e o WhatsApp permitiram aos simpatizantes de Bolsonaro escolher exatamente quem queriam para o Legislativo; ainda que Tiririca tenha ficado em quinto lugar, não estamos mais diante daquela situação tradicional, em que ninguém sabia direito em quem votar para deputado e levava tudo meio na brincadeira. Para a Câmara, o Senado e as Assembleias, o voto no PSL e aliados resultou de uma opção consciente e clara do eleitor.
É tiro, porrada e bomba. Numa conjunção especialíssima, o “outro lado” tem a particularidade de contar com seu principal líder, Lula, dando orientações e conselhos a partir de uma cela na cadeia.
Não poderia haver maior presente para Bolsonaro. Associa-se a esquerda à delinquência, juntam-se corrupção e tráfico de drogas numa coisa só, a ser destruída numa espécie de Lava Jato com metralhadora.
A confiança do PT na força de Lula foi a única coisa que se tinha a apresentar. Não se percebeu, desde 2013, a necessidade de se refundar o partido.
A defesa das minorias e dos direitos humanos nunca lhe deu muitos votos. Contrabalançava-a a memória de uma prosperidade econômica que, talvez, nem os próprios petistas se consideram capazes de reeditar.
É estranho, mas o desemprego e a recessão, que se prolongam há anos, deixaram de ser temas relevantes na disputa política. Propostas a esse respeito são vagas; as pessoas simplesmente não têm paciência para ouvi-las.
Identificam-se os culpados: a economia vai mal porque houve muita roubalheira. A solução é simples. Morte à petralhada.
Morte à sem-vergonhice: eis outro conceito capaz de englobar tudo, dos ministros do STF aos transexuais, dos artistas de vanguarda aos professores da escola pública, dos advogados criminalistas bem pagos aos miseráveis que vivem do Bolsa Família.
O desejo é de destruição. Talvez, se o juiz Moro ou o ex-ministro Joaquim Barbosa tivessem se candidatado, o impulso em favor da Lava Jato e contra o PT encontrasse uma tradução mais civilizada.
Mas isso não bastaria para exprimir tudo o que se quer. No Rio de Janeiro, nem mesmo uma intervenção militar foi capaz de trazer um mínimo de tranquilidade à população. Sem poder acreditar na paz, a maioria do eleitorado passa a acreditar na guerra. Em geral, as pessoas acabam se arrependendo disso —mas aí é tarde demais.
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