quarta-feira, 3 de outubro de 2018

‘Os canais de renovação de ideias na política estão entupidos’, diz sociólogo Sergio Abranches, OESP

Autor de artigo acadêmico que, há três décadas, cunhou o termo “presidencialismo de coalização”, o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, de 68 anos, considera que o presidente eleito nas eleições 2018 terá de fazer alianças “grandes e heterogêneas” e terá “dificuldade para governar”. “O futuro democrático está em jogo porque estamos com todos os canais de renovação de liderança e de circulação de novas ideias entupidos”, diz Abranches, ao Estado. O sociólogo acaba de lançar o livro Presidencialismo de Coalização – Raízes e Evolução do Modelo Político Brasileiro, no qual faz uma radiografia do sistema de governo brasileiro. Abaixo, os principais trechos da entrevista.
Em quase três décadas, dois de quatro presidentes eleitos (Fernando Collor e Dilma Rousseff) sofreram impeachment. Isso não mostra uma falha do presidencialismo de coalização?
O impeachment não revela uma falha do sistema. Acho muito mais grave termos eleito apenas quatro presidentes (neste período). O impeachment é um mecanismo traumático para resolver um problema inerente ao presidencialismo de coalizão. Mas isso também seria problema no parlamentarismo. Dificilmente um presidente teria maioria com seu partido, tanto no presidencialismo ou parlamentarismo. Aqui o presidente tem todo o poder financeiro, inclusive para financiar questões dos municípios e Estados. As trocas se dão em torno de recursos para atender grupos de interesses e bases eleitorais. Então, há um incentivo enorme a uma troca puramente clientelista e à corrupção.
Qual o balanço do presidencialismo de coalização nesses últimos 30 anos?
Conseguimos fortalecer instituições que garantem a governabilidade e a persistência da democracia. O presidencialismo de coalizão é capaz de resolver crises que ele próprio cria, derivadas da dissolução da coalizão presidencial que provoca desestabilização. Mas ele foi perdendo a qualidade na produção de políticas públicas. Para atender à dinâmica da coalizão, os presidentes começaram a baixar o nível de expectativa em relação à qualidade e profundidade das políticas que promoveram. Outro aspecto é que não podemos ter no impeachment a única forma de afastar presidentes que perdem apoio majoritário ou popularidade.
O sr. cita a reeleição como um dos dilemas do presidencialismo. Por quê?
A reeleição prejudica terrivelmente o processo de renovação. Fernando Haddad tem dificuldade de se impor como liderança nova pela sombra de Lula. O Alckmin, pela sombra de FHC e por ter disputado o tempo todo com líderes regionais do partido. A reeleição agrava a oligarquização e a concentração em poucas lideranças. Ela impede a renovação. Em um sistema com tantos incentivos ao clientelismo, a reeleição é praticamente a regra. Em geral governadores e prefeitos nas grandes cidades conseguem se reeleger, o que agrava o processo. Se ao longo do mandato o presidente faz concessões para se reeleger, o grau de concessões clientelistas é infinitamente superior ao que tinha no primeiro mandato. 
Seja qual for o vencedor, como o próximo presidente irá governar o País se ele, além de formar minoria no Congresso, vai ter de enfrentar a polarização na política e na sociedade?
Vai ter que fazer coalizão. Vai depender muito do resultado das eleições parlamentares. Como a distribuição de recursos privilegiou cinco ou seis maiores partidos, isso vai dar a eles um colchão de recursos suficiente para que façam bancadas numerosas. As coalizões serão grandes e heterogêneas. Terão dificuldades para governar.
Qual futuro o sr. enxerga para o País após as eleições levando em consideração o tamanho da crise política brasileira?
Acho que estas eleições são muito peculiares. Elas coincidem com uma crise geral do sistema partidário brasileiro e com um esgotamento das lideranças partidárias. O desafio no próximo mandato presidencial é promover realinhamento e renovação partidária. É uma questão que vai ser difícil porque os partidos são muito oligárquicos – e a maneira pela qual os recursos foram distribuídos reforçou a tendência de concentração de poder nos partidos. O futuro democrático está em jogo porque estamos com todos os canais de renovação de liderança e de circulação de novas ideias entupidos e engarrafados.
O sr. disse que a democracia representativa está em xeque em o todo o mundo. Quais são as peculiaridades do caso brasileiro?
No Brasil, isso coincide com uma crise econômica muito grave, uma crise política de esgotamento das lideranças, de envelhecimento dos partidos, de fragmentação partidária. E as velhas estruturas se fragmentam, mas criam filhotes iguaizinhos. São vários filhotes do MDB e do DEM disputando agora como legendas independentes. Por outro lado, não fizemos um processo adequado de renovação da nossa estrutura econômica, não acompanhamos o processo científico-tecnológico mais recente. O Brasil acumulou déficits que terão de ser supridos em curto prazo para enfrentar os desafios do século 21 a contento. O sistema político vai precisar dar respostas rapidamente.
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