08 Outubro 2018 | 03h00
A agenda de reformas está posta desde 1994. Mas avança aos soluços e ao sabor das circunstâncias e da imensa dificuldade de obter consenso. A dificuldade de reformar o Brasil decorre do fato de haver duas frentes de interesses simultâneas que lutam entre si e contra a cidadania.
Uma é a da defesa dos interesses das corporações e oligarquias, que não abrem mão de seus privilégios; é o Brasil da estabilidade trabalhista; é o Judiciário dos penduricalhos, dos incentivos e benefícios fiscais, entre muitos outros privilégios. A defesa de privilégios não tem cor ideológica e apenas uma vítima: a cidadania.
A outra frente é a tentativa de setores ditos progressistas consolidarem um regime conservador de esquerda no Brasil. Digo conservador por se ancorar em fórmulas há muito abandonadas no restante do mundo. Atuam para barrar as reformas, já que o fortalecimento das instituições e o seu melhor funcionamento são um empecilho à tomada do poder. Daí existir uma campanha quase que permanente de enfraquecimento dos Poderes e das instituições. Reformá-las é fortalecer um regime que deve ser derrubado.
A agenda, porém, está posta. A Previdência está quebrada e o sistema tributário, caótico. Como promover as reformas de que o País necessita? É preciso dizer que o Brasil é uma obra em construção que não está dando certo. Seu modelo de Estado, grande, intervencionista e estatizante, deixou de funcionar há tempos. E, ao invés de buscar a reinvenção, o Estado segue a cartilha dos puxadinhos, que resolvem temporariamente parte dos problemas e adiam o confronto final.
Apenas as crises tendem a empurrar o Brasil para o enfrentamento da agenda de reformas. E se dependemos de crises para avançar, a que temos nos dias de hoje pode ser o vetor de grandes transformações.
Um Brasil quebrado pelo regime João Goulart resultou nas reformas da dupla Otávio de Bulhões e Roberto Campos. A inflação alta gerou o Plano Real, em 1994, que, por sua vez, levou às reformas constitucionais promovidas por Fernando Henrique Cardoso. A crise de 1998 flexibilizou o delírio cambial do Real I e produziu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Em 2003 Lula se “reinventou” e foi prudente em manter os fundamentos do Plano Real, surfando no boom da credibilidade e das commodities e deflagrando um ciclo virtuoso. O ciclo de virtudes terminou na explosão fiscal de Dilma Rousseff, que mergulhou o País, melancolicamente, na pior recessão de sua História.
Em 2014 surgiu outro vetor de reinvenção do País: a Operação Lava Jato. Com repercussões políticas, econômicas e sociais, as investigações contra a corrupção no meio político, institucional e empresarial abalaram o capitalismo tupiniquim. Com isso se aprofundou a judicialização da política, mudaram-se regras eleitorais e partidárias, fortaleceram-se as práticas do compliance. Como efeito colateral, instalou-se um ativismo judiciário que nem sempre é legal e muitas vezes é perverso.
Mais uma vez, a reinvenção do Brasil decorreu de uma crise. Paralelamente aos efeitos da Lava Jato, a implosão política da gestão Dilma provocou outro surto de “reinvenção”, com a PEC do Teto dos Gastos, a reforma do ensino médio, as novas regras do pré-sal, a Lei da Terceirização, a reforma trabalhista e a Lei das Estatais, entre outras medidas. Empurrado pela crise fiscal, o governo de Michel Temer abandonou a fórmula “samba-canção” de fazer reformas e impôs uma espécie de reformismo de alto impacto, cujo mérito ainda será reconhecido.
Refletindo sobre nossos eventos históricos, comprovamos que as reformas no Brasil, além de só se concretizarem quando empurradas por crises, são dosadas pela resistência das corporações e dos interesses específicos. O modelo tem de correr o risco de entrar em default para ser reformado. Passado o calor da crise, o ímpeto decresce e a resistência antirreformista volta a predominar. Agora, por conta de nossas fragilidades estruturais, a agenda de reformas deve prosseguir em 2019. Os vetores da renovação estão postos na coleção de desafios que temos pela frente: políticos, econômicos e sociais. O novo presidente da República e o novo Congresso Nacional vão se deparar, fatalmente, com a necessidade de continuar o processo de reformas reiniciadas.
Em considerando que a reinvenção vai continuar, temos o desafio adicional de fazer boas reformas. E em tempo hábil. Mas como fazer?
Sem a participação das lideranças verdadeiramente progressistas do País as reformas vão continuar sendo “puxadinhos”. É hora da participação efetiva, visando à construção de um sistema econômico que nunca existiu no País: livre de amarras burocráticas, com menos riscos jurídicos, com um sistema tributário justo e com distribuição de renda de forma consistente.
Não há outro caminho a não ser com a participação qualificada da sociedade civil, que deve pautar de forma assertiva o mundo político e o mundo jurídico. O debate eleitoral deixará de ser fator de adiamento das decisões e o novo governo, revigorado pela força das urnas, deverá retomar o debate inconcluído. Porém somente a participação vertical e continuada da sociedade servirá como vetor de inovação, reformismo e reinvenção. Não há outro caminho.
Após as eleições, creio eu, uma nova maioria deve ser formada a favor das reformas. Da mesma maneira que acreditei que a maioria emergiria das cinzas do governo Dilma e avançaria numa agenda relevante. Foi o que aconteceu.
A qualidade do debate será ditada pela participação das forças verdadeiramente progressistas, que desejam um País voltado para o trabalho e a produção de riquezas.
ADVOGADO, MESTRE EM CIÊNCIA POLÍTICA E DOUTOR EM SOCIOLOGIA PELA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB), É PROFESSOR ADJUNTO DA UNIVERSIDADE COLUMBIA (NEW YORK)
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