JOSÉ MARIA TOMAZELA E CLAUDIA MULLER
ENVIADOS ESPECIAIS / ROSANA - O ESTADO DE S.PAULO
10 Abril 2016 | 05h 00 - Atualizado: 10 Abril 2016 | 05h
00
Com
redução dos investimentos emusina, distrito de Rosana foi abandonado
Pátio de
manobras de aviões de Rosana está tomado pelo mato
A impressão de quem chega ao distrito de Porto Primavera, no
município de Rosana, é de estar entrando numa cidade fantasma. Dezenas de
casas, lojas e pontos comerciais estão fechados, com placas de vende-se, ou
simplesmente abandonados. Na região central, prédios de grande porte estão
ociosos e sem utilidade. Num hotel de luxo com mais de 100 apartamentos, os
vigias se revezam apenas para evitar invasões. Fora do centro, buracos nas
ruas, mato alto e casas sem moradores formam um cenário de desolação. Até um
aeroporto, com capacidade para receber aviões de grande porte, foi invadido
pelo mato.
A cidade, no Pontal do Paranapanema, extremo oeste paulista, é
uma das “órfãs” da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). A vila de Porto
Primavera foi planejada e construída pela estatal para os trabalhadores da
construção da barragem e os funcionários que operariam a Usina Hidrelétrica
Sérgio Motta, ou Porto Primavera, no Rio Paraná. Iniciada em 1980, ainda no
regime militar, a construção só chegou ao estágio atual em 2003, com a
instalação da 14.ª turbina. Na época, a Cesp mantinha 8 mil pessoas trabalhando
em três turnos e o distrito de Porto Primavera, distante 13 km, tornou-se maior
e mais rico do que a sede do município, concentrando 90% do comércio.
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De dez anos para cá, a estatal reduziu os investimentos,
culminando por transferir, em 2013, as 1.277 casas que havia construído no
distrito para a prefeitura. Um grande hospital erguido para atender os
funcionários foi repassado para o Estado. O número de empregados diretos na
usina caiu para 103. A situação se complicou em 2015, com a lei federal que
mudou o sistema de remuneração pela energia. O valor recebido pelo megawatt
caiu drasticamente e os repasses de ICMS para a prefeitura minguaram, agravando
a crise e o êxodo. A população, ao invés de aumentar, reduziu de 19.691, em
2010, para 18.459 em 2015, segundo o IBGE.
Asfalto. O
aposentado Gilberto Batista Maldonado, de 62 anos, relembra dos tempos áureos
com saudades. “Caía uma folha no chão e o pessoal de limpeza da Cesp já
recolhia, não se via um buraco no asfalto. Neste pátio do hotel, era só carrão
e a vila bombava.” Eletricista, ele se mudou para Porto Primavera em 1982 para
trabalhar na barragem. “Fiz minha vida aqui, casei, formei família, mas a
cidade está acabando. Meu filho foi embora para Cubatão (SP) há um ano e meio
porque não conseguia emprego.”
A dona de casa Sandra Rodrigues Claro, de 34 anos, é uma das
chamadas “viúvas” da Cesp. O marido, o operador de máquinas Ivan Claro, teve de
se mudar para Telêmaco Borba, no Paraná, por falta de emprego em Rosana. “Ele
mora no trabalho e só vem a cada dois meses”, conta. Sandra cuida sozinha dos
filhos Maria Eduarda, de cinco anos, e Ivan Junior, de dois. Há dezenas de
famílias como a dela, por isso a prefeitura pensa em projetos para trazer os
maridos de volta. “Em novos empreendimentos a prioridade é contratar as pessoas
que mantêm vínculos com a cidade”, diz a diretora de relações governamentais,
Maria Láurea.
Fonseca
trabalhou 14 anos na Cesp
O coletor de lixo José Claudio da Fonseca, 51 anos, trabalhou 14
anos na Cesp e está desempregado. Ele cuidava do aterro sanitário que, há dez
anos, foi repassado para a prefeitura. O local virou um lixão a céu aberto.
“Fiz concurso para ser readmitido pelo município, mas não fui chamado.” Ele
sobrevive de bicos, como Élcio Escobar, de 44 anos, que trabalhou sete na
construção da barragem, foi demitido e montou uma funilaria informal na garagem
de casa. Marcos Soares da Silva, 46 anos, tenta vender a casa para ir embora.
Desempregado, com quatro filhos, a família vive da renda de um deles, de 15
anos, que recebe R$ 437 por mês de um projeto social. A filha de 18 anos
completou os estudos e não consegue emprego.
‘Tirando o pé’. De acordo
com Maria Láurea, a concessão da Cesp para operar a hidrelétrica vai até 2028,
mas a estatal está “tirando o pé” dos investimentos na cidade. Cerca de 50
casas que não foram repassadas à prefeitura estão à venda, assim como o hotel e
o aeroporto. “A prefeitura pediu a cessão da pista de pouso, mas a Cesp quer
vender”, diz. A maioria das casas está em situação irregular por falta de
escritura. “Quando a Cesp transferiu, muitos pararam de pagar e a prefeitura
vai convocar os ocupantes para uma renegociação.”
Para a gestora, o turismo será a saída para Rosana. “A cidade
caiu do caviar para o ovo frito, mas tem de caminhar com suas próprias pernas”,
diz, numa referência à perda dos recursos da Cesp. O município está entre dois
grandes rios – o Paraná e o Paranapanema –, com ótimos locais para pesca e
lazer. O encontro das águas é um dos pontos mais visitados, mas só se chega de
barco. “Cadastramos e treinamos o pessoal e nossa Secretaria de Turismo está
ensinando inglês para os barqueiros.” A cidade aprovou o plano diretor e pode
se tornar município de interesse turístico, o que resultará em recursos
estaduais para o setor.
Outras cidades do oeste paulista contabilizam prejuízos em razão
das mudanças que afetaram a Cesp. A estatal paulista perdeu a concessão das
usinas de Jupiá e Ilha Solteira e, embora ainda produza energia nessas
unidades, a redução no valor afetou a receita dos municípios. Entre janeiro e
junho de 2015, o valor adicionado da venda de energia pela estatal foi em média
de R$ 76,2 milhões por mês.
A partir de julho, com as novas regras, a média do valor
adicionado, em que incide o imposto, caiu para R$ 19 milhões mensais, segundo a
prefeitura de Castilho. “O péssimo desempenho da venda de energia reduziu
drasticamente o valor adicionado global de 2015. Na comparação com o ano
anterior, a redução foi de quase R$ 400 milhões”, diz o prefeito Joni Buzachero
(PSDB).
Colapso total. Segundo
ele, os efeitos mais severos vão surgir em 2017, quando a prefeitura prevê que
a arrecadação cairá R$ 5,8 milhões, dos R$ 36 milhões previstos para R$ 30,2
milhões. Para evitar o “colapso total” nas contas públicas, o prefeito cortou o
transporte escolar para quem faz faculdade ou cursos em outras cidades. Também
reduziu as bolsas de estudo para cursos técnicos e cortou horas extras dos
servidores. O município de Ilha Solteira contabilizou perda de R$ 5 milhões em
2015. Em Pereira Barreto, a receita prevista teve queda de R$ 12 milhões.
Fonseca
trabalhou 14 anos na Cesp
A Cesp informa que, desde a celebração de um convênio, em
setembro de 2002, que engloba todas as obrigações da empresa com a prefeitura
de Rosana, a estatal já efetuou o pagamento de R$ 52,5 milhões e tem um saldo
de R$ 5,5 milhões até dezembro de 2016. Os imóveis que ainda possui no
município estão à venda. No terreno do aeroporto, estuda-se a instalação de um
projeto de energia fotovoltaica (solar). A Cesp informa ainda que as geradoras
não pagam ICMS aos municípios, que se beneficiam da distribuição da arrecadação
do imposto feita pelo Estado.
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