03/04/2016 02h05
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RESUMO O Supremo
Tribunal Federal ganhou projeção com o julgamento do mensalão. Oscilando entre
ser protagonista ou coadjuvante na crise, o STF assume comportamentos ambíguos
e contraditórios. A ausência de regras e mecanismos de contrapeso favorece
decisões individuais que valem como se fossem da corte.
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"Eu acho que a decisão do
ministro Teori Zavascki foi uma decisão tecnicamente correta, juridicamente
adequada aos padrões legais. O ministro Teori é um grande jurista."
Em tom solene e buscando mostrar
a imparcialidade esperada de um ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de
Mello comenta a decisão do colega para a câmera. Zavascki havia decidido, não
mais que dois dias antes, que as investigações sobre Lula deveriam subir para o
STF. Ocorre que o ministro está olhando para uma câmera de celular. Vestindo
uma polo Lacoste bordô. Em um shopping.
A cena, além de insólita, ilustra
muito bem que existem dois papéis possíveis para o Supremo. O papel oficial,
necessário. E o que os próprios ministros querem e conseguem desempenhar, em
parte influenciados por determinadas expectativas da população.
Dias depois da entrevista, Celso
de Mello se reuniu aos demais dez ministros e ministras para confirmar a
decisão de Zavascki. Se adiantar para a imprensa o voto que irá proferir em um
caso, um ministro do Supremo, como qualquer juiz brasileiro, viola a Lei
Orgânica da Magistratura. Mas Celso de Mello não afirmou categoricamente que
iria referendar a decisão. Adotou tom neutro, limitou-se a elogios
protocolares. O ministro fez um esforço calculado para não buscar protagonismo.
Pedro Ladeira - 12.nov.2015/Folhapress
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O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki
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É isso que o Supremo quer com sua
atuação durante a crise: consagrar-se coadjuvante. "Nesse Fla-Flu o
Supremo não tem lado", lembra o ministro Luís Roberto Barroso. Foi dele o
voto condutor que definiu em dezembro as regras para o rito de impeachment –mas
sem entrar no mérito. Querendo ou não, o tribunal mudou radicalmente a
velocidade e as chances do impeachment. Quão coadjuvante e técnico em seus
julgamentos o Supremo consegue se manter, ainda que tente?
Compare-se o tribunal que o
Supremo quer ser com o aquele que os brasileiros querem que seja. Esse Supremo
reservado e judicioso não é o que pede a população. Ela não quer mais um
Judiciário passivo. Uns querem que o tribunal seja enérgico no combate à
corrupção. Outros querem que ele seja enérgico no combate a um golpe. Todos
querem que os ministros arregacem as mangas. Comportem-se como líderes, talvez.
Como humanos, no mínimo. E não como sacerdotes de manto preto.
Quando a audiência é a classe
média, nada humaniza mais que ser filmado por um smartphone, trajando uma polo
em um shopping. Ou na saída de um restaurante, em traje de passeio, como o
ministro Dias Toffoli ao garantir que impeachment não é golpe.
Gilmar Mendes acusou a
ilegalidade da nomeação de Lula como ministro –no julgamento sobre o rito do
impeachment. Atendeu os anseios da população por liderança ou os seus próprios?
O certo é que adiantou ilegalmente o voto que seria provocado a manifestar
depois. Outros ministros, como Rosa Weber e Edson Fachin, não fazem questão de
ficar em evidência.
A atitude importa. Em uma
democracia a salvação máxima não pode vir do Judiciário. O papel que a
população ontem atribuiu a Joaquim Barbosa e hoje delega a Moro não é saudável.
Mas há uma diferença entre ser
colocado no pedestal e galgar seu caminho até ele. O juiz paranaense não
concede entrevistas quase diariamente, como Marco Aurélio e Mendes. Não fala
sobre aspectos concretos de futuras decisões suas à imprensa, como fazem eles.
MENSALÃO
No conjunto, o Supremo só foi
descoberto pelos brasileiros com o julgamento do mensalão. Coincidiu com uma
mudança no relacionamento com políticos. Desde então, os ministros sabem que
condenar um ex-ministro da Casa Civil, ordenar a prisão preventiva de um
senador ou abrir processo criminal contra o presidente da Câmara dos Deputados
não cria instabilidade institucional. Isso é bom. Mas é preciso considerar que
essas escolhas nem sempre são feitas de forma visível e transparente para os brasileiros.
O "timing" das decisões
do plenário é um elemento decisivo e pouco conhecido pela sociedade. O Supremo
pode decidir uma liminar em 20 horas (ADI 4.698) ou em 18 anos (ADI 1.229). Não
há qualquer regra sobre isso. Não há nenhum mecanismo de freio ou contrapeso.
Atualmente, o tribunal pode escolher se irá decidir o pedido de afastamento de
Eduardo Cunha na semana que vem ou no final do ano.
Uma análise mais detalhada revela
um tribunal que tem os meios e a vontade de protagonismo, mas que, ao mesmo tempo,
tenta permanecer discreto. Diz que não tem lado no Fla-Flu, mas apressa-se em
avaliar o mérito de uma das acusações centrais contra a presidente. Faz questão
de afirmar que impeachment não é golpe, mesmo sem ser acionado formalmente.
Em parte, essa é a crise de
identidade entre o tribunal da tese e o da prática. Mas há outro fator que
colabora para tal crise. Existem comportamentos deliberadamente diferentes de
ministros diferentes. Uma fragmentação.
Dados do projeto Supremo em
Números mostram que, entre 2009 e 2013, 98% das decisões de mérito e liminares
foram individuais. Assim foram as decisões monocráticas de Gilmar Mendes e
Teori Zavascki sobre a questão do foro competente para julgar Lula. Separadas
por quatro dias e aparentemente conflitantes. Ambas garantindo que, por algum
tempo, a posição pessoal do ministro se torne a posição oficial do Supremo. A
de Zavascki foi confirmada. Quando será a de Gilmar?
O que poderia fazer o presidente
da corte, o ministro Ricardo Lewandowski? Nada. Cada ministro dispõe de um
conjunto de prerrogativas que lhe permite fazer todo o Supremo pender ora para
o holofote, ora para a sombra.
Zavascki e Mendes, autores de
liminares possivelmente conflitantes sobre onde Lula deve ser julgado, podem
levá-las ao juízo de seus colegas quando bem entenderem. Segurar o processo e
não permitir que colegiado avalie se mantém ou derruba a decisão liminar é um
tipo de veto. Permite ao ministro escolher, sozinho, entre um Lula articulador
em um governo com novas chances e um Lula sem carteira assinada em um governo
ainda mais desmoralizado.
O poder de veto individual pode
ser exercido também por meio dos pedidos de vista, como meu colega Diego
Werneck e eu explicamos em artigo naFolha em abril do ano passado. Mendes usou um
pedido de vista para suspender por mais de um ano o julgamento sobre
financiamento de campanhas eleitorais, do qual sequer era relator.
Há outros exemplos de vetos
individuais. Em setembro de 2014 o ministro Luiz Fux decidiu sozinho que os 16
mil juízes brasileiros devem receber R$ 4.377 reais mensais de auxílio-moradia.
Nunca levou sua liminar para avaliação dos colegas. Até agora, Fux custou R$
1,25 bilhão aos cofres públicos. Nenhum deputado ou senador é capaz de impactar
o orçamento unilateralmente nessa magnitude.
Com esse tipo de poder, é difícil
dizer que um ministro do Supremo seja coadjuvante na política nacional. Nenhum
ministro irá confirmar a existência e uso desse poder, é claro. Isso não seria
compatível com a imagem oficial do Supremo.
Há outro exemplo de prerrogativa
pouco conhecida, porém de grande utilidade. Os ministros comparecem às sessões
de julgamento quando querem.
Pesquisa do Supremo em Números
mostra que, entre 1992 e 2013, grande quantidade de ministros faltou a 15% ou
mais das sessões. Um ficou perto de 30%. O plenário só estava completo em uma
de cada seis sessões de julgamento. A normalidade das faltas permite grandes
coincidências. Gilmar Mendes não poderia levar ao plenário sua liminar sobre
Lula na semana passada por estar em um evento acadêmico em Portugal. Qualquer
ministro pode evitar uma sessão de julgamento que o coloque numa situação
delicada.
Esse é o Supremo que chancela
decisões da Lava Jato. Que decidiu e decidirá novamente sobre o rito do
impeachment. Que atualmente avalia, inclusive, nomeações de ministros do
governo federal. Um grupo de juízes que por vezes vota unido, mas que utiliza
poderes peculiares para administrar escolhas individuais e gerenciar seus
respectivos custos políticos. Um tribunal que perde cada vez mais seu pudor
institucional.
Mais do que em outras épocas,
hoje o STF sabe e faz a hora, não espera acontecer.
IVAR HARTMANN, 31, doutorando em
direito constitucional na UERJ, é professor da Fundação Getúlio Vargas no Rio.
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