quinta-feira, 21 de abril de 2016

Com regras discutíveis, Supremo Tribunal Federal ganha projeção, por IVAR HARTMANN, FSP



03/04/2016  02h05
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RESUMO O Supremo Tribunal Federal ganhou projeção com o julgamento do mensalão. Oscilando entre ser protagonista ou coadjuvante na crise, o STF assume comportamentos ambíguos e contraditórios. A ausência de regras e mecanismos de contrapeso favorece decisões individuais que valem como se fossem da corte.
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"Eu acho que a decisão do ministro Teori Zavascki foi uma decisão tecnicamente correta, juridicamente adequada aos padrões legais. O ministro Teori é um grande jurista."
Em tom solene e buscando mostrar a imparcialidade esperada de um ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello comenta a decisão do colega para a câmera. Zavascki havia decidido, não mais que dois dias antes, que as investigações sobre Lula deveriam subir para o STF. Ocorre que o ministro está olhando para uma câmera de celular. Vestindo uma polo Lacoste bordô. Em um shopping.
A cena, além de insólita, ilustra muito bem que existem dois papéis possíveis para o Supremo. O papel oficial, necessário. E o que os próprios ministros querem e conseguem desempenhar, em parte influenciados por determinadas expectativas da população.
Dias depois da entrevista, Celso de Mello se reuniu aos demais dez ministros e ministras para confirmar a decisão de Zavascki. Se adiantar para a imprensa o voto que irá proferir em um caso, um ministro do Supremo, como qualquer juiz brasileiro, viola a Lei Orgânica da Magistratura. Mas Celso de Mello não afirmou categoricamente que iria referendar a decisão. Adotou tom neutro, limitou-se a elogios protocolares. O ministro fez um esforço calculado para não buscar protagonismo.
Pedro Ladeira - 12.nov.2015/Folhapress
O ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki
É isso que o Supremo quer com sua atuação durante a crise: consagrar-se coadjuvante. "Nesse Fla-Flu o Supremo não tem lado", lembra o ministro Luís Roberto Barroso. Foi dele o voto condutor que definiu em dezembro as regras para o rito de impeachment –mas sem entrar no mérito. Querendo ou não, o tribunal mudou radicalmente a velocidade e as chances do impeachment. Quão coadjuvante e técnico em seus julgamentos o Supremo consegue se manter, ainda que tente?
Compare-se o tribunal que o Supremo quer ser com o aquele que os brasileiros querem que seja. Esse Supremo reservado e judicioso não é o que pede a população. Ela não quer mais um Judiciário passivo. Uns querem que o tribunal seja enérgico no combate à corrupção. Outros querem que ele seja enérgico no combate a um golpe. Todos querem que os ministros arregacem as mangas. Comportem-se como líderes, talvez. Como humanos, no mínimo. E não como sacerdotes de manto preto.
Quando a audiência é a classe média, nada humaniza mais que ser filmado por um smartphone, trajando uma polo em um shopping. Ou na saída de um restaurante, em traje de passeio, como o ministro Dias Toffoli ao garantir que impeachment não é golpe.
Gilmar Mendes acusou a ilegalidade da nomeação de Lula como ministro –no julgamento sobre o rito do impeachment. Atendeu os anseios da população por liderança ou os seus próprios? O certo é que adiantou ilegalmente o voto que seria provocado a manifestar depois. Outros ministros, como Rosa Weber e Edson Fachin, não fazem questão de ficar em evidência.
A atitude importa. Em uma democracia a salvação máxima não pode vir do Judiciário. O papel que a população ontem atribuiu a Joaquim Barbosa e hoje delega a Moro não é saudável.
Mas há uma diferença entre ser colocado no pedestal e galgar seu caminho até ele. O juiz paranaense não concede entrevistas quase diariamente, como Marco Aurélio e Mendes. Não fala sobre aspectos concretos de futuras decisões suas à imprensa, como fazem eles.
MENSALÃO
No conjunto, o Supremo só foi descoberto pelos brasileiros com o julgamento do mensalão. Coincidiu com uma mudança no relacionamento com políticos. Desde então, os ministros sabem que condenar um ex-ministro da Casa Civil, ordenar a prisão preventiva de um senador ou abrir processo criminal contra o presidente da Câmara dos Deputados não cria instabilidade institucional. Isso é bom. Mas é preciso considerar que essas escolhas nem sempre são feitas de forma visível e transparente para os brasileiros.
O "timing" das decisões do plenário é um elemento decisivo e pouco conhecido pela sociedade. O Supremo pode decidir uma liminar em 20 horas (ADI 4.698) ou em 18 anos (ADI 1.229). Não há qualquer regra sobre isso. Não há nenhum mecanismo de freio ou contrapeso. Atualmente, o tribunal pode escolher se irá decidir o pedido de afastamento de Eduardo Cunha na semana que vem ou no final do ano.
Uma análise mais detalhada revela um tribunal que tem os meios e a vontade de protagonismo, mas que, ao mesmo tempo, tenta permanecer discreto. Diz que não tem lado no Fla-Flu, mas apressa-se em avaliar o mérito de uma das acusações centrais contra a presidente. Faz questão de afirmar que impeachment não é golpe, mesmo sem ser acionado formalmente.
Em parte, essa é a crise de identidade entre o tribunal da tese e o da prática. Mas há outro fator que colabora para tal crise. Existem comportamentos deliberadamente diferentes de ministros diferentes. Uma fragmentação.
Dados do projeto Supremo em Números mostram que, entre 2009 e 2013, 98% das decisões de mérito e liminares foram individuais. Assim foram as decisões monocráticas de Gilmar Mendes e Teori Zavascki sobre a questão do foro competente para julgar Lula. Separadas por quatro dias e aparentemente conflitantes. Ambas garantindo que, por algum tempo, a posição pessoal do ministro se torne a posição oficial do Supremo. A de Zavascki foi confirmada. Quando será a de Gilmar?
O que poderia fazer o presidente da corte, o ministro Ricardo Lewandowski? Nada. Cada ministro dispõe de um conjunto de prerrogativas que lhe permite fazer todo o Supremo pender ora para o holofote, ora para a sombra.
Zavascki e Mendes, autores de liminares possivelmente conflitantes sobre onde Lula deve ser julgado, podem levá-las ao juízo de seus colegas quando bem entenderem. Segurar o processo e não permitir que colegiado avalie se mantém ou derruba a decisão liminar é um tipo de veto. Permite ao ministro escolher, sozinho, entre um Lula articulador em um governo com novas chances e um Lula sem carteira assinada em um governo ainda mais desmoralizado.
O poder de veto individual pode ser exercido também por meio dos pedidos de vista, como meu colega Diego Werneck e eu explicamos em artigo naFolha em abril do ano passado. Mendes usou um pedido de vista para suspender por mais de um ano o julgamento sobre financiamento de campanhas eleitorais, do qual sequer era relator.
Há outros exemplos de vetos individuais. Em setembro de 2014 o ministro Luiz Fux decidiu sozinho que os 16 mil juízes brasileiros devem receber R$ 4.377 reais mensais de auxílio-moradia. Nunca levou sua liminar para avaliação dos colegas. Até agora, Fux custou R$ 1,25 bilhão aos cofres públicos. Nenhum deputado ou senador é capaz de impactar o orçamento unilateralmente nessa magnitude.
Com esse tipo de poder, é difícil dizer que um ministro do Supremo seja coadjuvante na política nacional. Nenhum ministro irá confirmar a existência e uso desse poder, é claro. Isso não seria compatível com a imagem oficial do Supremo.
Há outro exemplo de prerrogativa pouco conhecida, porém de grande utilidade. Os ministros comparecem às sessões de julgamento quando querem.
Pesquisa do Supremo em Números mostra que, entre 1992 e 2013, grande quantidade de ministros faltou a 15% ou mais das sessões. Um ficou perto de 30%. O plenário só estava completo em uma de cada seis sessões de julgamento. A normalidade das faltas permite grandes coincidências. Gilmar Mendes não poderia levar ao plenário sua liminar sobre Lula na semana passada por estar em um evento acadêmico em Portugal. Qualquer ministro pode evitar uma sessão de julgamento que o coloque numa situação delicada.
Esse é o Supremo que chancela decisões da Lava Jato. Que decidiu e decidirá novamente sobre o rito do impeachment. Que atualmente avalia, inclusive, nomeações de ministros do governo federal. Um grupo de juízes que por vezes vota unido, mas que utiliza poderes peculiares para administrar escolhas individuais e gerenciar seus respectivos custos políticos. Um tribunal que perde cada vez mais seu pudor institucional.
Mais do que em outras épocas, hoje o STF sabe e faz a hora, não espera acontecer.

IVAR HARTMANN, 31, doutorando em direito constitucional na UERJ, é professor da Fundação Getúlio Vargas no Rio. 

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