CLEIDE SILVA - O ESTADO DE S.PAULO
02
Abril 2016 | 18h 00 - Atualizado: 02 Abril 2016 | 18h 00
Dejetos de aves, suínos e bovinos são
matéria-prima para a produção de biometano, combustível mais barato do que
gasolina, etanol e diesel
Antes desprezado ou usado como adubo
sem tratamento, o grande volume de excremento produzido diariamente por 84 mil
galinhas poedeiras da Granja Haacke, no município de Santa Helena, a 110 km de
Foz do Iguaçu (PR), hoje vira combustível para automóveis. Ao participar de um
programa que transforma os dejetos em gás biometano, o proprietário da fazenda
resolveu vários problemas.
“O dejeto tinha cheiro forte,
incomodava, atraía moscas e prejudicava o meio ambiente”, afirma Nilson Haacke.
Ele investiu R$ 700 mil em equipamentos para decompor as fezes até virarem
biogás. Seu parceiro no projeto, o Centro Internacional de Energias Renováveis
(CIBiogás), que tem a hidrelétrica de Itaipu como principal mantenedora, entrou
com R$ 400 mil na instalação de um biodigestor, cuja função é purificar o
biogás e transformá-lo em biometano.
A Itaipu Binacional adquire o gás
veicular de Haacke para abastecer sua exclusiva frota de 43 veículos movidos a
biometano. O produto foi regulamentado pela Agência Nacional de Petróleo há
cerca de um ano.
Por ser combustível verde, o
biometano atrai interesse das montadoras. A Scania iniciou a produção de um
ônibus a gás na fábrica de São Bernardo do Campo (SP), com chassi importado da
Suécia. Uma unidade será testada em São Paulo em maio, mas o grupo já tem
contratos de exportação para Colômbia e México. Um ônibus da marca, também
trazido da Suécia, rodou com biometano no fim de 2014, no transporte de
funcionários de Itaipu e em outros cinco Estados, e comprovou a eficiência do
combustível.
Abastecer a frota não é a única razão
para a usina difundir o novo combustível alternativo. “O Paraná é o maior
produtor de proteína animal e, no processo de confinamento, é gerada enorme
quantidade de dejetos que, se descartada inadequadamente, polui águas, mata
peixes e chega aos reservatórios da usina”, diz Rodrigo Regis Galvão,
presidente do CIBiogás.
Segundo Galvão, as características do
biometano são as mesmas do gás natural, mas a origem é verde (vem de matéria
orgânica), enquanto o GNV é de origem fóssil (vem dos poços de petróleo). Além
das fezes da galinha, o gás pode ser obtido de suínos, bovinos, bagaço de cana
e lixo em geral. Como biogás, é muito usado na geração de energia.
Após separado o gás, o líquido que sobra
pode ir direto para a lavoura como fertilizante natural. “O Brasil importa 90%
do fertilizante químico usado na agricultura”, diz Marcelo Alves de Sousa,
gerente de relações institucionais da CIBbiogás. O centro desenvolve projeto
para transformar o líquido em flocos para ser revendido no mercado.
Com as galinhas, que também fornecem
ovos vendidos na Ceasa local, Haacke consegue produzir 700 m³ por dia de
biometano, que é armazenado em cilindros e levado até Itaipu, onde há um posto
de abastecimento. Ele gera ainda a energia usada na granja durante o dia, por
um motogerador, que resulta em economia mensal de R$ 8 mil na conta de luz.
Também utiliza o fertilizante na plantação de milho e outros produtos.
Haacke começou a produzir biometano
no fim de 2014 e, por enquanto, só fornece para Itaipu. “Quando tiver demanda,
vou produzir em escala comercial”, afirma o agricultor de 53 anos. Ele iniciou
a criação de galinhas aos 28 anos, com 600 aves. Hoje, tem 200 mil – das quais
84 mil são confinadas para o projeto biometano – e 900 cabeças de gado, cujos
dejetos também viram biogás. Emprega 28 funcionários e conta com ajuda do
filho, de 25 anos, e da filha, de 20.
Frota. A
frota de Itaipu é formada em grande parte por modelos Siena, da Fiat,
adquiridos pela hidrelétrica na versão tetrafuel – aceita etanol, gasolina com
adição de etanol, gasolina pura e GNV. Três Mitsubishi L200 e um Chevrolet
Cobalt foram alterados para receber o kit de gás.
Segundo a Fiat, no primeiro trimestre
deste ano, foram vendidas entre 500 e 700 unidades do Siena tetrafuel. O modelo
tem grande procura entre taxistas.
Até o fim do ano, a usina de Itaipu
terá 86 carros a biometano, e quer incentivar o aumento da escala de produção
do combustível não só para seu uso. O País tem hoje 1,18 milhão de veículos
movidos a gás natural, segundo a Associação Brasileira das Empresas
Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás). A grande maioria é de modelos que
passaram por modificações em oficinas e podem usar o biometano.
De acordo com Sousa, o custo do
biometano é, em média, 40% inferior ao da gasolina e 30% menor que o do etanol,
além de garantir maior autonomia. Na comparação com o diesel, é 28% mais em
conta, informa Silvio Munhoz, diretor da Scania. “Quando produzido em larga
escala, também poderá competir em vantagem com o GNV”, diz.
A ideia do CIBiogás é que o biometano
seja um combustível regional, especialmente nas áreas do agronegócio. “Ele só
tem viabilidade em um determinado raio, pois não demanda estrutura de um gasoduto,
que é cara”, afirma Galvão.
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