23 Abril 2016 | 02h 00
Tem-se a ilusão de que o comunismo
é um dos maiores problemas do País, e acabar com ele, a salvação. Teme-se a
Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, países que não param sozinhos em pé. Tem-se
a ilusão de que o povo nas ruas, um juiz de primeira instância e promotores
aguerridos acabarão com a corrupção. De que sessões de um Congresso corrupto
garantirão um futuro melhor a nossos filhos e netos, que viverão num mundo sem
roubalheiras.
Temos a ilusão de que o poder
emana do povo, pelo povo, para o povo. De que a Justiça é cega, que o Brasil,
um “pa-tro-pi” abençoado por Deus, em que se plantando tudo dá, é o país do
futuro. Sem contar que Deus é brasileiro.
Acreditamos na representatividade
democrática, na Constituição, nas leis, que pagamos os impostos que nos cabem,
que se o País não é a Dinamarca, é porque gastam mal nosso dinheiro.
Acredita-se que os administradores públicos são corruptos e incompetentes, os
funcionários públicos são preguiçosos, o Estado é refém da burocracia, e tem
que ser mínimo.
Tem-se a esperança de que o craque
resolva nossas deficiências táticas, gerenciais, abafem nossos dirigentes
corruptos, nossas entidades podres, que o talento nato se sobreponha ao
trabalho coletivo, de que surgirá um camisa 10 para nos guiar, um camisa 9 para
colocar a bola nas redes, um goleiro salvador, um santo, de que somos
eternamente o país do futebol, da natureza exuberante, das florestas, rios,
campos e arados, da cordialidade, alegria e tolerância à miscigenação.
Tem-se a ilusão de que de uma Ilha
da Fantasia surgirá outro Guga, outra Maria Ester, que de um campo de várzea
virá outro Garrincha, que na favela nascem vários Romários. Que Ademar
Ferreira, João do Pulo, Daiane, Clodoaldo, Hortência, Paula, Oscar, Bernardinho
e tantos outros apareçam da escuridão dos ginásios, para os holofotes da
glória.
Vamos ganhar um Oscar um dia.
Vamos ganhar um Nobel, quem sabe. Vamos patentear a grande descoberta. Vamos
criar a vacina salvadora, a cura, temos fé.
Acreditamos que aqui não existe
racismo. Que nos tornamos independentes num 7 de setembro, uma República
democrática num 15 de novembro, que a escravidão acabou em 1888. Que 13 de maio
é o dia de celebrar o fim da escravidão. Que sua tutora é a Princesa Isabel.
Acreditamos no Dia do Índio, em Tiradentes, em Aparecida, homenageamos os
trabalhadores no Dia do Trabalho, Jesus no Natal, seu renascimento na Páscoa.
Despejamos nossa fé em pacotes turísticos ou viagens para praias e montanhas em
feriados prolongados, congestionando estradas.
Carregamos colares com miçangas de
nossos Orixás para nos protegerem. Rezamos ao santo casamenteiro. Fazem-se
promessas para arrumar emprego, curar doença, trazer de volta a pessoa amada.
Fazem-se simpatias, ebós, pernas, braços, costelas de gesso, para sanar dores.
Tem-se a ilusão da existência da
utopia, do paraíso, do nirvana. Meditar é pensar em nada. Pensar em nada traz
paz interior. A esperança é a última que morre. Pensar positivo é um dever
constante. Dá-se um jeito. Para tudo tem solução. Aos trancos e barrancos,
empurrando com a barriga, o Brasil sobrevive.
Temos a impressão de que o novo
estatuto do idoso trouxe conforto aos velhinhos, o do torcedor, paz nos
estádios, o da criança, garantias à geração que é o nosso futuro. Que o código
florestal protegerá nossas florestas, rios e mananciais. Que a Maria da Penha
salvará as mulheres da ira e abusos da classe masculina.
Mas fé, só a fé, não move
montanhas. O Brasil não sairá do lugar se acreditar e esperar, sem lutar
diariamente, ter disposição para conhecer, debater, pesquisar, aprender,
treinar, praticar, repetir, ensaiar, estudar, observar, respeitar. A ilusão é
fruto da preguiça. Ela é bela como uma fantasia. É ineficiente como uma
neblina.
Porque, no fundo, precisa-se de
mais para acabar com a corrupção, ser um país democrático, reformar um Estado,
gerar Gugas e Romários, acabar com o racismo, a intolerância, a violência
contra crianças e mulheres, ganhar uma Copa do Mundo, um ouro e preservar a
natureza. Temos direitos. Precisamos ter deveres. Pensarmos como um elemento de
um todo, um ser republicano.
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