·
TAGS:
Celso Ming
06
Março 2016 | 03h 15
Renda não é tudo, como todos sabemos.
Por que, então, em vez de dar tanta importância ao Produto Interno Bruto (PIB),
as avaliações sobre o desempenho da economia não levam em conta também o nível
do bem-estar da sociedade? Essa proposta é velha de guerra, mas foi em 1972,
quando o rei do Butão, Jigme Singye Wangchuck (foto), sugeriu que os
economistas medissem também o nível de felicidade do seu povo: “A Felicidade
Interna Bruta (FIB) é mais importante do que o Produto Interno Bruto (PIB)”,
proclamou ele.
O novo critério deveria incluir
outros valores, como paz, harmonia, compaixão, qualidade ambiental, saúde e
educação, em vez de se ater apenas ao aumento da produção e da renda, algo que
o Butão, pedaço enrugado de chão encravado no Himalaia, não podia oferecer.
A ideia pareceu boa a institutos de
economia. Sem abrir mão das contas nacionais de produção e de renda, tentaram
aferir também o estado geral de felicidade de um povo. Mas como se faz isso? O
que, afinal, é felicidade e como pode ser medida, se este conceito varia de
cultura para cultura e até, de pessoa para pessoa? Um conceito de felicidade
individual não pode ser transferido automaticamente para o de felicidade
social. Mas, porque um deriva do outro, convém examinar primeiro o que é uma
pessoa feliz.
O mais antigo relato da busca da
felicidade está na Epopeia de Gilgamesh, rei sumério do século 27 a.C.. Ele
perseguiu a imortalidade, como objetivo maior do ser humano. Não consta que
tenha conseguido.
No século 5 a.C., Heródoto conta que
Sólon (século 7 a.C.), o legislador de Atenas, dizia que a felicidade só
poderia ser conseguida, aqui na terra, paradoxalmente ao morrer. Obviamente
raríssimos o conseguiam. Sólon deixou suas leis gravadas em praça pública e
saiu pelo mundo em busca de novos conhecimentos. Lá pelas tantas, foi recebido
por Creso, rei dos lídios, que juntara tanto poder e tanta riqueza que se
considerava o campeão da felicidade pessoal bruta. Mas quis testar sua
percepção com Sólon. Este, no entanto, revelou que o mais feliz dos homens que
conhecera foi o ateniense Teles, rico e com bela família, que morreu
gloriosamente no campo de batalha. E o segundo mais feliz, depois de Teles, não
foi um homem, mas dois irmãos, que, na falta de bois, se prontificaram a puxar
o carro que levava a mãe até a festa da deusa Hera. Ao chegarem exaustos ao
templo, caíram sem vida.
Assim, para o rei Creso, feliz era
aquele que tinha amealhado riquezas e poder. Para Sólon, era o que tombara
gloriosamente no campo de batalha em defesa da pátria ou, então, quem fosse
capaz de dar a vida pela própria mãe. Passava longe do dom da imortalidade, tão
ansiado por Gilgamesh.
Na versão original do poeta inglês
Christopher Marlowe, Fausto, o símbolo da espécie humana, foi capaz de vender
sua alma ao diabo para receber em troca três favores decisivos para ser feliz:
comer até fartar-se, vestir as melhores roupas e viajar por entre as estrelas.
Era satisfazer suas necessidades primárias e, depois, sonhar...
Diante do desafio imposto pelo rei do
Butão, certos economistas se deram ao trabalho de elaborar uma lista de
pressupostos que completassem o conceito de bem-estar de uma população: é
educação com nível de excelência, saúde, boa alimentação, estado de direito,
garantias sociais, como seguro-desemprego, boa aposentadoria... No entanto, são
itens que não dispensam contas públicas em ordem, inflação no chão, enfim, uma
economia sadia.
Embora sejam objetivos buscados pelas
sociedades e carreguem alguma dose de consenso, qualquer lista de critérios
baseados no bem-estar está sujeita a contestações. Um budista, por exemplo,
dirá que o nirvana se obtém apenas alijando da mente todos os desejos; um
muçulmano poderá argumentar que nada tem mais valor do que o martírio em defesa
da fé; um artista pode passar a vida gestando uma obra prima.
Coisas bem simples também têm sido
apontadas como fonte de felicidade. Para o cantor Ataulfo Alves, por exemplo,
felicidade é um estado de espírito que não se percebe na hora, mas só muito
depois, quando, por exemplo, sentia saudades da professorinha e soluçava ao
violão: “Eu era feliz e não sabia”.
Quando trata do assunto, o nosso
Guimarães Rosa também se detém em sensações efêmeras: “Felicidade se acha é em
horinhas de descuido”. Não é um estado permanente da vida, nem pessoal, nem em
sociedade. Nem pode ser medido por um critério qualquer de Felicidade Interna
Bruta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário