domingo, 17 de abril de 2016

Felicidade Interna Bruta, OESP


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Celso Ming
06 Março 2016 | 03h 15
Renda não é tudo, como todos sabemos. Por que, então, em vez de dar tanta importância ao Produto Interno Bruto (PIB), as avaliações sobre o desempenho da economia não levam em conta também o nível do bem-estar da sociedade? Essa proposta é velha de guerra, mas foi em 1972, quando o rei do Butão, Jigme Singye Wangchuck (foto), sugeriu que os economistas medissem também o nível de felicidade do seu povo: “A Felicidade Interna Bruta (FIB) é mais importante do que o Produto Interno Bruto (PIB)”, proclamou ele.
O novo critério deveria incluir outros valores, como paz, harmonia, compaixão, qualidade ambiental, saúde e educação, em vez de se ater apenas ao aumento da produção e da renda, algo que o Butão, pedaço enrugado de chão encravado no Himalaia, não podia oferecer.
A ideia pareceu boa a institutos de economia. Sem abrir mão das contas nacionais de produção e de renda, tentaram aferir também o estado geral de felicidade de um povo. Mas como se faz isso? O que, afinal, é felicidade e como pode ser medida, se este conceito varia de cultura para cultura e até, de pessoa para pessoa? Um conceito de felicidade individual não pode ser transferido automaticamente para o de felicidade social. Mas, porque um deriva do outro, convém examinar primeiro o que é uma pessoa feliz. 
O mais antigo relato da busca da felicidade está na Epopeia de Gilgamesh, rei sumério do século 27 a.C.. Ele perseguiu a imortalidade, como objetivo maior do ser humano. Não consta que tenha conseguido.
No século 5 a.C., Heródoto conta que Sólon (século 7 a.C.), o legislador de Atenas, dizia que a felicidade só poderia ser conseguida, aqui na terra, paradoxalmente ao morrer. Obviamente raríssimos o conseguiam. Sólon deixou suas leis gravadas em praça pública e saiu pelo mundo em busca de novos conhecimentos. Lá pelas tantas, foi recebido por Creso, rei dos lídios, que juntara tanto poder e tanta riqueza que se considerava o campeão da felicidade pessoal bruta. Mas quis testar sua percepção com Sólon. Este, no entanto, revelou que o mais feliz dos homens que conhecera foi o ateniense Teles, rico e com bela família, que morreu gloriosamente no campo de batalha. E o segundo mais feliz, depois de Teles, não foi um homem, mas dois irmãos, que, na falta de bois, se prontificaram a puxar o carro que levava a mãe até a festa da deusa Hera. Ao chegarem exaustos ao templo, caíram sem vida.
Assim, para o rei Creso, feliz era aquele que tinha amealhado riquezas e poder. Para Sólon, era o que tombara gloriosamente no campo de batalha em defesa da pátria ou, então, quem fosse capaz de dar a vida pela própria mãe. Passava longe do dom da imortalidade, tão ansiado por Gilgamesh.
Na versão original do poeta inglês Christopher Marlowe, Fausto, o símbolo da espécie humana, foi capaz de vender sua alma ao diabo para receber em troca três favores decisivos para ser feliz: comer até fartar-se, vestir as melhores roupas e viajar por entre as estrelas. Era satisfazer suas necessidades primárias e, depois, sonhar...
Diante do desafio imposto pelo rei do Butão, certos economistas se deram ao trabalho de elaborar uma lista de pressupostos que completassem o conceito de bem-estar de uma população: é educação com nível de excelência, saúde, boa alimentação, estado de direito, garantias sociais, como seguro-desemprego, boa aposentadoria... No entanto, são itens que não dispensam contas públicas em ordem, inflação no chão, enfim, uma economia sadia.
Embora sejam objetivos buscados pelas sociedades e carreguem alguma dose de consenso, qualquer lista de critérios baseados no bem-estar está sujeita a contestações. Um budista, por exemplo, dirá que o nirvana se obtém apenas alijando da mente todos os desejos; um muçulmano poderá argumentar que nada tem mais valor do que o martírio em defesa da fé; um artista pode passar a vida gestando uma obra prima.
Coisas bem simples também têm sido apontadas como fonte de felicidade. Para o cantor Ataulfo Alves, por exemplo, felicidade é um estado de espírito que não se percebe na hora, mas só muito depois, quando, por exemplo, sentia saudades da professorinha e soluçava ao violão: “Eu era feliz e não sabia”.
Quando trata do assunto, o nosso Guimarães Rosa também se detém em sensações efêmeras: “Felicidade se acha é em horinhas de descuido”. Não é um estado permanente da vida, nem pessoal, nem em sociedade. Nem pode ser medido por um critério qualquer de Felicidade Interna Bruta.


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